por João Aníbal Henriques
Sabendo-se de antemão que iria
acontecer, até porque antes de iniciado o julgamento, os juízes já haviam
anunciado a sentença que dele viria a resultar, não deixa de chocar a expulsão
do Social-Democrata António Capucho do PSD.
A primeira grande questão que se
coloca tem a ver com o próprio perfil de António Capucho. Fundador do PSD, onde
esteve desde a primeira hora com Sá Carneiro, o ex-autarca de Cascais
desempenhou ao longo das últimas quatro décadas cargos de grande destaque na
vida política Nacional, dando corpo e cara pelo seu partido e, principalmente, pela
ideologia Social-Democrata na qual acredita e que sempre defendeu. Foi
Secretário-Geral do partido, deputado, secretário de estado, ministro e líder
do grupo parlamentar, antes de ter decidido dedicar-se à sua terra, ganhando a
presidência da Câmara Municipal de Cascais por três vezes e de ter sido um
destacado membro do Conselho de Estado.
Ou seja, Capucho representou,
defendeu e lutou pelo seu partido e pela Social-Democracia uma vida inteira e
parece que o PSD sempre valorizou o que ele fez. Agora, sem apelo nem agravo,
de forma cega e pela mão de “escravos dos estatutos” resolveu que já não lhes
interessava tê-lo com eles. E das duas uma: ou mudou António Capucho – o que
efectivamente é notório que não aconteceu – ou mudou o PSD…
Enquanto edil de Cascais,
concorde-se ou não com todas as decisões tomadas por ele, António Capucho
assumiu uma postura de grande rectidão no cumprimento daquilo que propôs aos
munícipes que o elegeram, por três vezes e sempre com maioria absoluta… Foi
capaz de se manter irredutível no travão à especulação imobiliária que grassava
em Cascais, lutando contra poderes enormes e muito consolidados no Concelho e,
depois, com um grau de respeito pelos outros e por quem pensa de forma
diferente (coisa a que Cascais já não estava habituado), tratou sempre com
consideração os cascalenses que a ele se dirigiram, ouvindo as suas ideias e
propostas, aceitando algumas e recusando outras, mas sempre com o cuidado de
explicar as suas decisões e de as transmitir com respeito por aqueles que as
enviaram.
Esta prática foi, aliás, a mesma
que o levou a deixar a Câmara de Cascais, entregando a herança do seu trabalho
ao PSD e de, em linha com a decisão tomada pela Concelhia local do partido,
apoiar e integrar a candidatura do partido em Sintra…
Mas o partido, esse que ele
ajudou a criar e que sempre defendeu, já não se guiava pelos princípios de
sempre e pela doutrina deixada por Sá Carneiro. A rectidão e a linearidade da
sua prática, conjugada com a honestidade e a verdade que serviram de guia ao
seu trabalho autárquico, chocavam de sobremaneira com os interesses instalados,
com a prática suja que se havia institucionalizado e com um conjunto de gente que
defendia ideias diferentes. Os novos dirigentes nacionais do partido,
contrariando a vontade dos seus militantes de Sintra, os interesses de Sintra e
dos Sintrenses e (pasme-se) até os interesses eleitorais do próprio PSD,
decidiram pura e simplesmente anular a candidatura já anunciada e expulsar do
partido aqueles que ousaram manter a rectidão da sua prática social-democrata.
Se, numa primeira perspectiva
parece ser um problema interno do PSD, que deveria incomodar unicamente os
militantes daquele partido e não a generalidade dos Portugueses, uma análise
mais atenta permite verificar que o não é. Pelo contrário. Com a decisão que
agora tomou, o PSD assume um paradigma de funcionamento assente em pressupostos
que, dadas as responsabilidade que o partido teve, tem e terá ainda nos
destinos de Portugal, extravasa de forma preocupante as suas fronteiras
internas e implica gravemente no devir quotidiano dos Portugueses em geral.
Utilizando um guião de práticas
que parece decalcado do que de pior se fez em Portugal há cem anos atrás,
quando as eleições eram uma farsa na qual todos fingiam acreditar, a liberdade
era uma utopia para artistas desolados e a democracia uma palavra vã que não
servia para nada, o PSD voltou ao caciquismo trauliteiro que se rebola perante
as revogações reiteradas das decisões irrevogáveis, sem laivo de vergonha, de
princípios ou de confiança.
Este partido novo que agora
governa Portugal, como infelizmente os restantes do dito arco do poder, vive
encerrado sobre si próprio, sobre os seus líderes que fazem assentar o poder
nos exércitos de apaniguados que se vão digladiando pelos lugares e pelas
migalhas que o exercício rotativo do poder lhes vai deixando…
António Capucho já não cabe neste
PSD, porque morreram as ideologias, os princípios, os valores, a educação e o
respeito. Assuma-se que com eles também já morreu a liberdade e a democracia.
E se os Portugueses não forem
capazes de lhes retirar o poder, vai morrer também Portugal.