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cascalenses

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O Milagre Alquímico de Estremoz

João Aníbal Henriques, 01.12.14

 

 

Existem cidades que são mais do que uma mera cidade. Estremoz, assente na brancura imaculada do seu mármore de qualidade conhecida e reconhecida internacionalmente, é um desses espaços especiais. Conjuga uma história milenar com um vastíssimo rol de histórias e lendas que, oferecendo-lhe a grandiosidade das grandes capitais, a envolvem num laivo de glamour que envolve quem tem a sorte de nela se perder.
 
por João Aníbal Henriques
 
Estremoz é uma cidade especial. Dividida em duas partes que se conjugam operando como dois pólos de atracção junto daqueles que a visitam, a cidade comporta um intrincado e emaranhado conjunto de ruelas antigas que dão forma ao seu espaço medieval, compartimentado dentro das muralhas do seu ancestral castelo, e o amplo espaço moderno, que se espraia ao longo da planície, com as suas praças bem delineadas e os monumentos que valorizam cada esquina.


 
 
Quem entra em Estremoz pela primeira vez, fica imediatamente marcado pelo impacto que resulta da sua torre medieval. Do alto da colina onde assenta o núcleo mais antigo do burgo, a torre é possivelmente o mais antigo monumento da cidade, uma vez que o palácio real, bem como todo o quarteirão envolvente, foi completamente destruído por uma misteriosa explosão acontecida durante uma noite de Inverno no Século XVII.  À sua volta, com aquele tom intimista que a cidade ainda tem, tudo o resto são reconstruções mais recentes, sendo que a grande maioria foi construída durante o reinado de Dom João V e com o apoio da Casa Real.
 
Apesar de aparentemente não fazer qualquer sentido, pois sendo cidade pequena quando comparada com as capitais de Évora, Portalegre e Beja que a envolvem, a monumentalidade e a grandeza de Estremoz prende-se com o carácter simbólico que subjaz da sua história muito especial.
 
O primeiro personagem grande da História de Estremoz, depois de uma longa ocupação humana que se pressupõe ter começado ainda na Pré-História mas que teve momentos de grande fulgor durante o período Romano e, mais tarde, sob domínio Muçulmano, é Geraldo o Sem Pavor, herói mítico do Alentejo que, sob ordens de Dom Afonso Henriques, terá reconquistado para a Cristandade grande parte das cidades do Sul de Portugal. Sabe-se que Geraldo conquistou Estremoz em 1185 e que, mercê do período conturbado que então se vivia, ela foi perdida e reconquistada muitas vezes até ter entrado em definitivo na posse dos Reis de Portugal. Em 1258, pela mão de Dom Afonso III, recebeu o seu primeiro foral, facto que sustenta e comprova a importância que tinha no contexto da consolidação política nacional.
 
De entre outros, foi Dom Dinis um dos principais impulsionadores dessa importância relativamente à cidade. Foi ele quem, possivelmente por gosto pessoal relativamente ao espaço e à paisagem, mandou edificar o Paço Real e a torre de menagem atrás mencionada, que passaram a funcionar como baluarte da defensão do reino nas paragens longínquas do Alentejo.


 
 
O seu topónimo – Estremoz – é, aliás, um repositório importante dessa situação extrema em que se encontra a cidade, localizada numa zona de fronteira e sempre sujeita às vicissitudes e às pressões que dela derivavam.
 
A Rainha Santa Isabel, ligada de forma indelével e permanente aos destinos de Estremoz, onde aliás morreu em 1336, vê reforçados os seus laços com a urbe como consequência desse facto. A sua santidade, mais do que ao milagre das rosas, que lhe dá fama, fica a dever-se ao trabalho que efectivamente fez pela paz no reino de Portugal e que, por vicissitudes diversas, a traz amiúde até estas paragens.
 
Filha do Rei de Aragão e de uma princesa Italiana, Isabel casou com Dom Dinis e sofreu em vida as amarguras de um casamento do qual parece que resultou pouca afeição. O rei, conhecido admirador do belo sexo, dedicava-se pouco à sua santa esposa e procurava amiúde o folguedo junto das damas da região. Conhecida pela sua bonomia, a rainha terá sido conivente com tal situação, recebendo no paço, onde lhes facultava condições de vida e uma educação semelhante à que dava aos seus filhos naturais, os vários bastardos reais.


 
 
O futuro Dom Afonso IV, seu filho primogénito e legítimo herdeiro do trono, foi ele próprio alvo dessa situação, dado que o seu pai, tendo preferência por um dos seus filhos bastardos, teimou em deixar-lhe por herança o reino de Portugal. O príncipe, defendendo os seus direitos, terá dado início à primeira guerra civil da nossa história, que teria sido muito mais sangrenta se não fosse a intervenção permanente da sua mãe a Rainha Santa Isabel.
 
Em 1336, a antiga rainha que havia professado em Santa Clara-a-Velha, em Coimbra, onde desejava passar os seus últimos dias ajudando os pobres, vê-se obrigada a nova e derradeira viagem a Estremoz para evitar uma nova guerra do seu filho agora já rei com o seu cunhado Rei de Castela. Deixando Coimbra carregada de peste, a rainha sucumbe em Estremoz, não sem antes evitar novo derramamento de sangue e de ter deixado expressa a sua vontade de ser sepultada em Coimbra conforme havia planeado fazer.
 
O cortejo fúnebre, que se alongou durante vários dias sob o calor tórrido do Julho no Alentejo, transportou os restos mortais da rainha de Estremoz até Coimbra. O caixão, levado em ombros pelas principais personagens do reino, acabou por rebentar durante o percurso, deixando sair um líquido viscoso que se ia espalhando ao longo do trajecto. Mas, para surpresa e gáudio dos que tiveram a sorte de participar neste triste evento, o líquido que saia deixava no ar um forte aroma a flores que reforçou a aura de santidade que já se atribuía à rainha. Não se sabendo com exactidão quanto haverá de lenda e de realidade nesta história, o certo é que, muitos séculos depois, quando o caixão voltou a ser aberto quando se procedeu à transladação do corpo de Santa Clara-a-Velha para Santa Clara-a-Nova, se encontrou incorrupto o corpo da rainha, sendo que ainda hoje, quase setecentos anos depois da sua morte, se expõe a sua mão à devoção dos Portugueses.


 
 
Mas para além de Geraldo – o sem pavor, de Dom Dinis – o plantador de naus a haver, e da rainha Santa Isabel, também por Estremoz passaram outras ilustres figuras que ajudam a perceber a real importância desta cidade única de Portugal. Em 1367 morreu em Estremoz o Rei Dom Pedro I, muitos anos depois dos míticos e românticos amores com a sua eterna apaixonada Inês; Em 1385, foi Estremoz das poucas praças que sem vacilar apoiou a Causa Nacional durante a crise que levou ao trono o Mestre de Avis e que deu forma à Ínclita Geração, tendo sido dali que Dom Nuno Álvares Pereira, o Condestável Santo que fez nascer a Casa de Bragança e aquela que virá a ser a última das dinastias no trono de Portugal, saiu para as batalhas dos Atoleiros e de Aljubarrota, dando corpo a uma defesa total e intransigente do interesse Nacional. Da mesma maneira, alguns anos depois, é a Estremoz que o rei Dom Manuel I se dirige para entregar a Vasco da Gama a importante tarefa de descobrir o caminho marítimo para a Índia e de estabelecer o contacto com o Prestes João…
 
Não se percebendo bem de onde vêm tão ilustres pergaminhos, perdidos no sem-sentido que dá forma à história local, o certo é que Estremoz conjuga em si própria os encantos maiores do Sul de Portugal. Tal como o País vai sobrevivendo quase incólume às muitas desgraças que dão forma à sua história maior, também Estremoz reafirma a sua Portugalidade em torno de feitos e acontecimentos que se conjugam no plano das ideias ara dar forma ao desígnio maior da nação.
 
 
Visitar Estremoz, subindo ao amplo terraço que se encontra no topo da Torre de Menagem, é ser capaz de reviver os passos difíceis que por ali deram os nossos ancestrais avós, abarcando com a vista a amplitude infinita da paisagem alentejana. Deslumbrante e avassaladora, a brancura de Estremoz acompanha a beleza extraordinária do seu mármore que, depois de um processo alquímico associado à purificação maior das impurezas que o compõem, se transforma na pedra maior que dá forma ao que de melhor se construiu em Portugal. Está por todo o lado, nas asas, nas ruas e nos lambris dos passeios. Mostra-nos a altivez, o charme e a riqueza deste recanto mágico de Portugal.  








 

Dia 1 de Dezembro de 2014 e a Dependência de Portugal

João Aníbal Henriques, 01.12.14

 

 
 
O dia 1 de Dezembro marca uma data incontornável para Portugal. Em 1640, depois de avanços e recuos que foram determinantes para a definição do conjunto de práticas que deram forma à recuperação da independência nacional, os conjurados defenestraram (atiraram-no pela janela) Miguel de Vasconcelos e entregaram o trono de Portugal ao Duque de Bragança que foi aclamado como Dom João IV.
 
Durante muitos anos, uma prática reiterada que procurava reforçar a nossa identidade, o dia 1 de Dezembro foi feriado em Portugal. E foi feriado grande, devidamente celebrado um pouco por todo o País, precisamente porque marcava o mais importante de todos os acontecimentos políticos desde o dia 5 de Outubro de 1143 quando Dom Afonso Henriques fez nascer Portugal…
 
Mas depois de 1974, com governos atrás de governos e eleições atrás de eleições, os partidos políticos colocaram Portugal na bancarrota e, em situação de profunda dependência estrangeira e de subjugação à vontade de uma Europa onde a Alemanha tem a principal voz, resolveram abolir a comemoração.
 
E não o fizeram de forma linear… escondendo-se por detrás das desculpas que julgavam ser suficientes para lhes preservar a face, optaram por uma explicação fajuta, dizendo que a abolição do feriado seria essencial para a recuperação económica de Portugal! Dizem eles que sem este feriado, a produtividade de Portugal aumentará de forma exponencial.
 
Mas mentem. Mentem porque o peso económico da abolição deste feriado é de tal forma residual que que é possível que não é nenhum. E mentiram também porque a única consequência directa desta abolição é uma drástica, efectiva e muito substancial diminuição da consciência política nacional, associando a “pouca importância da restauração da independência” ao puro e simples esquecimento das circunstâncias que nessa altura viveu Portugal.
 
Agora, sem o feriado, a restauração da independência pura e simplesmente desapareceu das escolas, das salas de aulas e da memória nacional. Agora, tal como queriam os estrangeiros que controlam de forma efectiva os destinos e o devir do nosso País, está enfraquecida da Identidade Nacional.
 
Olhando criticamente à nossa volta, é árida a paisagem e vazios estão os campos onde ecoavam os gritos e as lutas dos nossos avós… E no seu lugar, para que cumpramos o destino que quem nos controla determinou, está o aquiescer perante interesses estrangeiros, num laivo de subserviência de um povo que sabe que já se perdeu a independência de Portugal.
 

 

Dia 1 de Dezembro de 2014. Triste.