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cascalenses

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O Estranho Caso da Catalunha

João Aníbal Henriques, 28.09.15

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Há alguns anos atrás (talvez bastassem dez) os resultados das eleições de ontem na Catalunha deixariam perplexos todos aqueles que para eles olhassem com um mínimo de atenção. Em primeiro lugar porque quem ganhou perdeu e quem perdeu ganhou… e, depois, porque ficou evidente a fragilidade nacional espanhola bem como a solidez estrutural da federação que os Reis Católicos recriaram há mais de 500 anos.
 
Se é certo que os independentistas catalães ganharam as eleições por terem conseguido eleger um maior número de deputados, é certo também que perderam as eleições por terem tido menos votos. Numa analogia muito pertinentes com o que pode vira passar-se em Portugal no próximo Domingo, os catalães demonstraram que perceberam bem a incoerência do sistema eleitoral que a Europa continua a utilizar que, nada traduzindo da realidade que temos, se distancia progressivamente dos cidadãos e impede a sua real representatividade e, logo, os fundamentos da própria democracia. Os que votaram, fizeram-no completamente divididos e profundamente desvinculados das causas imensamente fracturantes que estavam em causa. Os outros, ou sejam, os pouco mais de 22% de catalães que não quiseram participar neste acto eleitoral, vieram ainda reforçar mais este fenómeno de afastamento político, considerando-se mais grave ainda por se saber que dele dependia uma das mais importantes e impactantes decisões da História da Espanha.
 
Sendo estranho e muito complexo o cenário que resultou destas eleições, é linearmente o fim da linearidade que tem presidido à definição da realidade política na Europa, ajudando a clarificar e a explicar muitos dos fenómenos fracturantes que ultimamente têm sido apanágio do quotidiano no velho continente. As questões que se prendem com as dúvidas relativamente às dívidas soberanas, os resgates impulsionados pelos organismos internacionais, a tentativa de interferência nas políticas nacionais por parte da Alemanha federal ou mesmo as mais recentes (e intoleráveis) incertezas com a chegada dos refugiados, ganham uma nova perspectiva à luz do grito que ontem proferiram muitos catalães.
 
Em relação a Portugal, fracturado sem se saber muito bem porquê, dado que todos os candidatos às eleições de Domingo (radicalismos eleitoralistas à parte) concordam no essencial acerca daquilo que seria a sua opção política caso vençam o plebiscito, muito se esclarece em relação à incompreensível sobrevivência política da coligação PSD-CDS e ao também incompreensível desnorte de um PS aparentemente incapaz de lidar com a sua história. E se tudo está em aberto em relação às eleições legislativas que aí vêem, o certo é que aconteça o que acontecer o aparentemente estranho caso da Catalunha nos vem mostrar que um mundo novo e uma Europa diferente da que temos está prestes a nascer.
 
Porque já nada é o que era dantes. 

Deu Lá Deu e o Eterno Feminino de Monção

João Aníbal Henriques, 07.09.15

 

 
por João Aníbal Henriques
 
Existem poucas terras assim! Monção, vila minhota situada no extremo Norte de Portugal, junto na margem do Rio Minho e a um passo da Galega Salvaterra del Miño, teve sempre uma história conturbada e marcada por constante ataques e contra-ataques oriundos do país vizinho.
 
Mas, no furor bélica dos muitos episódios que dão corpo à sua existência, são vários os momentos em que a defesa da localidade e, por consequência, a defesa de Portugal, foram empreendidas com muito êxito por mulheres.
 
Aconteceu no Século XVII, com as intervenções da Condessa de Castelo Melhor e de D. Helena Peres que, em ocasiões diferentes e separadas por um hiato temporal de quinze anos, tomaram em mãos o encargo de defender a sua terra.
 
Mas a mais célebres das Monçanenses, sepultada actualmente na sua Igreja Matriz e oferecendo o seu nome para topónimo da praça principal daquela vila verdejante, foi Deu-la-Deu Martins, casada com D. Vasco Rodrigues de Abreu, o Alcaide-Mor de Monção.
 
Reza a lenda que em 1368, durante a guerra entre o monarca Português Dom Fernando I e o rei castelhano Dom Henrique de Trastâmara, foi montado cerco à vila minhota. A capacidade das forças atacantes era brutal e a duração do cerco foi fazendo mossa nas já muito depauperadas reservas nacionais, a tal ponto que se perspectivava uma rápida capitulação por falta de víveres, água e mantimentos.
 
Num laivo de genialidade a que certamente não é alheio a capacidade estratégica da heroína, a mulher do alcaide decide juntar todos os poucos víveres que restavam e, perante o espanto e certamente a incompreensão dos seus conterrâneos, manda lança-los por terra das muralhas altaneiras que protegem a vila.
 
Os castelhanos, convencidos da prosperidade que se vivia lá dentro, reforçada pelo facto de verem atirar fora mantimentos que eles consideravam essenciais à sobrevivência da população, resolverem então desistir do cerco e abandonar a cidade que desta forma sobreviveu.
 
 

 

Praça Deu Lá Deu - Monção

 

 

Igreja dos Capuchos - Monção

 

 
 

Aylan Kurdi e a Europa

João Aníbal Henriques, 03.09.15

 

 
 
por João Aníbal Henriques

No dia em que se cumprem 74 anos desde o início dos gaseamentos aos judeus perpetrado pelo III Reich nazi durante a II Guerra Mundial, chegam-nos as imagens (nem o adjectivo chocante é suficiente para as descrever) de homens e crianças mortos que deram à costa na Praia de Bodrum, na Turquia.
 
No desespero extremo de quem tem como único objectivo na vida o de sobreviver, os refugiados entregam-se ao destino na tentativa vã de chegar à Europa. E fazem-no porque a ideia de uma Europa Unida se gera a partir dos valores (teóricos) da fraternidade, da liberdade, do humanismo, da democracia e do respeito. E são esses valores e esses princípios ilusórios, que muitos ainda tentam utilizar para descrever a Europa que temos, que ditam a tragédia real que sobre eles se vai abatendo.
 
Porque a Europa que temos não é unida. Porque a Europa em que vivemos não é fraterna. Porque esta Europa não sabe o que é o humanismo. Porque a Europa que subsiste não reconhece o direito universal à democracia nem se respeita…
 
E não se julgue que é um problema da Europa de hoje e das tentativas populistas de transformar o velho continente das Nações numa amálgama federal de dependências. Não. Este problema afectou profundamente a Europa no início do Século XX, conduzindo ao eclodir da guerra em 1914; reiterou-se a partir do início da década de 30 levando ao início da Segunda Grande Guerra em 1939; e depois, mais ou menos controlados pelo peso dos media e pelas campanhas propagandísticas que contornam a realidade e toldam o entendimento dos povos, deu forma ao desastroso drama dos Balcãs, ao desmantelamento das antigas repúblicas soviéticas e a muitos outros focos de ódio entranhados no País Basco, na Catalunha, na Ucrânia, na Bélgica, na Irlanda do Norte, na Escócia, etc.
 
A Europa federal de índole franco-alemã que nos querem impor é anti-natural e por natureza anti-valores. É uma Europa virada para o seu umbigo Berlinense, centrada na defesa da riqueza e da materialidade e sulcada pelo rigor dos calendários eleitorais dos seus membros. Tudo o resto são ninharias que não importam aos governantes.
 
Um nojo. Esta Europa que ainda temos. 

A Capela de Santo António de Ponte da Barca

João Aníbal Henriques, 02.09.15

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por João Aníbal Henriques

 

Quase parece um contra-senso, num Minho cuja beleza extrema e a opulência da paisagem nos oprimem os sentidos, chamar a atenção para a singela Capela de Santo António, em Ponte da Barca, na qual o principal motivo de interesse é precisamente a forma simples como se integra no espaço envolvente.

 

Datada de finais do Século XVII e princípios do Século XVIII, a capela de Santo António apresenta uma planta simples, de formulação quadrangular, com um alpendre em colunata neoclássica no adro frontal que lhe confere um traço arreigadamente Português.

 

No interior, expectavelmente simples, são de salientar as pedras sepulcrais epigrafadas, contemporâneas do período de construção do templo, que se conjugam com a ostentação envolvente do altar em talha dourada, de formulação evidentemente barroca, mas envolvido pelos traços decorativos que pendem para o maneirismo tradicionalmente Português. O trabalho de Mestre Frutuoso de Azevedo, dourador de relevo que aqui deixou uma das suas obras mais significantes, transporta-nos para uma ambiência radicalmente diferente daquela que caracteriza a Vila de Ponte da Barca, num laivo arrematado de ostentação que define com clareza os objectivos práticos que levaram à construção do próprio templo.

 

Simples sem ser humilde, a Capela de Santo António de Ponte da Barca é indiscutivelmente um dos motivos inultrapassáveis de interesse numa visita ao verdejante Minho Português.