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“Alice no País do Amor” de Lucilla Guedes

João Aníbal Henriques, 25.02.16

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Existem em encontros que dependem das estrelas e que dão corpo ao destino. São aqueles momentos, aquelas situações e aquelas pessoas que chegam à nossa vida sem as procurarmos, unicamente como frutos de uma vontade extraordinária que gere a nossa vida e nos transcende.
 
Foi o que aconteceu com a poetista e escritora Lucilla Guedes, Brasileira e Mineira crescida na Cidade de Curitiba, que me chegou por via de um “gosto” colocado num dos meus perfis digitais perdidos na imensidade deste oceano de novas tecnologias que avassaladoramente nos envolve e nos traga a todo o momento.
 
 
 
 
 
E foi, logo desde esse primeiro embate, uma experiência sentida de um mergulhar intenso num conjunto de emoções muito fortes que a autora consegue partilhar connosco, mesmo afastada por um imenso oceano, traduzindo em palavras aquilo que em nós se dilui nos laivos íntimos de um mero pensamento. No seu site de poesias (AQUI) perdemo-nos nos sonhos e nos devaneios de uma teia onírica de sensações que a escritora interpreta, trabalha e consegue publicar. Lucilla Guedes, a poetista de Curitiba que tão longe se encontra daquilo que somos, sentimos e pensamos, consolida na sua arte a mais profunda sensibilidade, por vezes maior e mais arreigada do que a daqueles que estão mesmo aqui ao lado.
 
Mas o que nos trás aqui hoje não é a poesia dela. Nem sequer a capacidade de transcender o espaço físico e o tempo que nos separa. Neste seu primeiro livro que é simultaneamente a sua primeira incursão no mundo do romance, Lucilla Guedes teve a coragem de avançar por lugares-comuns e estados-de-alma que parecem ser mais do mesmo do que se vai fazendo no mundo da literatura um pouco por todo o lado. Ela trata do amor, das quimeras sentimentais de alguém que está a crescer e a procurar o seu espaço num mundo de adultos onde as coisas são literalmente postas daquelas que imaginamos na infância, e passeia alegremente pelo devir de uma vida mesclada de incertezas e infortúnio como o fazem a maior parte daqueles que têm a coragem de escrever e publicar o que fazem…
 
No entanto, no seu romance de estreia intitulado “Alice no País do Amor”, publicado pela Chiado Editora, Lucilla Guedes arrasa completamente as expectativas que o livro nos trás e transcende largamente o “mais-do-mesmo” que enche normalmente os escaparates. Partindo deste conjunto de sentimentos e sensações tao comuns e tão expectáveis, ela consegue transportar-nos através de uma aventura literária profunda e marcante como raramente acontece na actualidade.
 
“Alice do País do Amor” é um livro que se lê de repente e de um só trago. Não porque seja demasiado simples ou fácil, mas porque nos absorve desde a primeira página, captando os sentidos e a paz de espírito de quem a lê e transportando os leitores para um universo partido entre a realidade imaginada pela autora e a verdade que dá corpo e sustenta a vida quotidiana de todos nós. Torna-se quase difícil caracterizar este livro… não tanto porque seja difícil fazê-lo, mas porque ele integra a sensibilidade de uma poetisa de excepção transcendendo-o num quadro literário mais elaborado que imensamente o ultrapassa.
 
Lucilla Guedes, a artista e poetisa que é desde sempre, tem a arte de transformar numa narração romanceada os laivos de sensibilidade que lhe enchem a Alma. Sente-se, intui-se e disfruta-se em cada página, num exercício subliminar de arte que é difícil de alcançar!
 
Vale a pena comprar, ler e reler e… guardar. “Alice no País do Amor” é um livro que nos marca e que, quando tiver sequela,  certamente passará a fazer parte da história literária do Brasil e de Portugal. 

D. Simão Aranha e o Menino Cascais

João Aníbal Henriques, 23.02.16

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por João Aníbal Henriques

 

D. Simão do Santíssimo Sacramento Pedro Cotta Falcão Aranha de Sousa e Menezes (Cascais 1908-2000) foi a personagem mais importante da sua obra-prima “Cascais Menino”. Não tanto por ter dela feito parte, ao longo das deambulações tantas vezes anacrónicas que vão enchendo estas páginas extraordinárias sobre a sua vila natal, mas mais por terem sido os seus olhos de menino o principal instrumento que utilizou para captar os resquícios mais profundos da Alma de Cascais.

 

Década e meia depois da sua morte, quando em Cascais já são muitos aqueles que nunca se cruzaram com Pedro Falcão nas suas sempre polémicas intervenções em defesa desta terra, é notória a falta que faz o discernimento e a capacidade crítica que o escritor-artista tinha para interpretar a realidade local.

 

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O Cascais onde ele nasceu, cresceu, viveu e morreu é intemporal e, tal ele repetia sistematicamente, mantém-se sempre menino na sua incapacidade de se olhar de frente… é um Cascais que se sente, que se intui e se adivinha, mas que é impossível de descrever. É um Cascais substancialmente maior do que as casas e as ruas, os becos e as vielas, os palacetes e as grandes famílias que neles viveram, ou mesmo que as muitas estórias que dão corpo à sua longa História. É um Cascais que cruza utopia e realidade, esponjando as suas redes mais rudes sobre a mais subliminar e requintada essência. Neste Cascais, que Dom Simão Aranha personifica durante toda a sua vida e que enche a sua obra, reis e pescadores partilham um palco comum onde os dramas e as desventuras da vida caminham lado-a-lado com as alegrias dos vários quotidianos que as eras e os tempos nos vai deixando.

 

Defendia o escritor que o tempo não fazia sentido em Cascais e que as personagens desta terra, as suas casas e as suas vidas se eternizam numa espécie de memória-comum a todos os Cascalenses. Para ele, gente como o pescador João Ruço, o Rei Dom Carlos, o Visconde de Athouguia ou a Menina Mariquinhas, não podem morrer. Porque se assim acontecesse seria sinal de que estava a morrer também aquela aura mística que desde há tanto tempo caracteriza lá fora aquilo que os Cascalenses sentem cá dentro no seu peito. Este é um Cascais riquíssimo de todas as questiúnculas e divergências que compõem o devir diária de uma qualquer povoação Portuguesa, mas também um espaço onde os laços de união fraterna e universal dão corpo a uma comunidade profundamente arreigada e coesa.

 

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O Cascais Menino é o cimento que vai juntando as pedras para formar o edifício onde vivemos. Para eles contribuem todos os que são Cascalenses, independentemente de cá terem nascido ou não, ou de cá terem chegado somente em época recente. Porque para Pedro Falcão o ser Cascalense é uma condição superior ao que está escrito na certidão de nascimento, dependendo muito mais dessa capacidade quase infantil de amar esta terra do que de qualquer outro pressuposto ditado pelos acasos que vamos vivendo. Por isso, existem Cascalenses que somente por cá passam as suas férias, da mesma forma que existem outros cá nascidos, que cá moram e que cá hão-de morrer que nunca alcançaram o epíteto de verdadeiros Cascalenses…

 

No passeio deste Domingo, organizado pela Academia de Letras e Artes e pela Fundação Pedro Falcão e Yanrub, mergulhámos literalmente nos entrefolhos profundos desta Cascalidade que Pedro Falcão nos deixou nas palavras que teve a arte de escrever. E é quase dilacerante a certeza com que ficamos de que ele teve razão naquilo que teve a coragem de defender.

 

Cascais precisa da pureza do olhar de uma criança para ser entendido verdadeiramente. Necessita com avidez de se perder nos conceitos redutores do tempo e do espaço para que, bem alicerçado nos valores únicos que corporizam o seu passado, possa enfrentar estruturadamente o futuro, oferecendo aos Cascalenses a alegria de saberem que fazem parte de um lugar tão especial quanto este.

 

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(Fotografias gentilmente cedidas por João Barata, Manuela Barreto, Tó Cortez, 
João Pedro Amorim e Luís Athouguia)

As Igrejas e a Religiosidade de Cascais

João Aníbal Henriques, 03.02.16

 

 

por João Aníbal Henriques
 
A religiosidade ancestral de Cascais, visível através dos monumentos que contribuem para a face urbana da vila, é marcada por um conjunto de lendas e tradições que englobam resquícios de muitas épocas e vivências diferentes.
 
O Cristianismo, realidade nascente em Cascais logo nos dealbar da sua existência, é somente uma das faces de um edifício muito mais vasto do qual fazem parte os fundamentos do islamismo que tanta expressão teve neste território, e também de muitos outros credos e facções que corporizaram um impressionante espólio cultural que os Cascalenses, muitas vezes sem disso se aperceberem, acabam por integrar no seu dia-a-dia.
 
O culto a Nossa Senhora, por exemplo, espraia-se nas suas várias devoções, de que em Cascais temos expressão na Senhora da Conceição, Padroeira de Portugal, na Senhora dos Navegantes, na Senhora da Vitória, na Senhora da Assunção, na Senhora do Rosário, na Senhora de Fátima, etc. Mas na sua essência mais profunda, as raízes perdem-se nos tempos longínquos, anteriores ao nascimento da própria mãe de Jesus Cristo, tendo-se adaptado aos tempos e às vontades e perseverado no inconsciente das populações.


 
 
Na sua vertente urbana, é nas igrejas que encontramos os vestígios mais impositivos desta prática, sendo Cascais uma vila rica em património religioso.
 
A Igreja dos Navegantes é, de acordo com as mais abalizadas opiniões, o mais antigo templo existente actualmente em Cascais. Também denominada de Nossa Senhora dos Prazeres ou de São Pedro Gonçalves, é vulgarmente denominada como “Igreja dos Homens do Mar”, seus fundadores, pertencentes à irmandade dos marítimos de Cascais. A monumentalidade da obra, e as dificuldades inerentes à canonização de Frei Pedro Gonçalves, estiveram na origem de diversos factores que levaram ao imenso atraso da sua construção. As suas características arquitectónicas, mais até do que a documentação conhecida sobre o templo, indicam que foi reconstruída em 1729, embora as suas torres só tenham sido concluídas em 1942.


 
 
A Igreja da Misericórdia, situada em pleno coração da actual Vila de Cascais, é um edifício construído em 1777 sobre as ruínas de um templo anterior e que ruiu com o terramoto de 1755. As reutilizações de materiais anteriores, ainda hoje bem visíveis na estrutura do edifício, levam a que se pense que a origem ancestral da igreja anterior remonte aos idos de 1551, data da instituição de Misericórdia em Cascais. O facto de na Sacristia se encontrarem vestígios de uma antiga Capela de Santo André, parece indicar uma fundação mais antiga, ou talvez a uma remodelação ou ampliação que terá acontecido algures em meados do Século XVI.


 
 
A Ermida de Nossa Senhora da Conceição dos Inocentes, situada em local próximo da antiga Igreja da Ressurreição, foi erigida em 1634, conforme indica o cruzeiro colocado junto à sua entrada. O terramoto de 1755 marca profundamente o seu culto, uma vez que, segundo reza a lenda, a intercessão da padroeira terá estado na base de um grande milagre. Nesta ermida se refugiaram os habitantes de Cascais quando do terramoto, não tendo o edifício sofrido qualquer dano como consequência daquele catastrófico acontecimento, mesmo estando tão próximo do mar.
 
O Convento de Nossa Senhora da Piedade, eram sem sombra para dúvidas um dos mais importantes e emblemáticos edifícios da vila. Para além da sua monumentalidade, ainda hoje visível em vários pormenores que acabaram por ser integrados no processo de adaptação a casa de veraneio e posteriormente a centro cultural, era ali que existia o primeiro colégio de filosofia de Portugal, nele convergindo grande parte dos principais vultos da espiritualidade de então.
 
A capela que integra o edifício, e que é hoje utilizada como auditório, será datável do Século XVI, sendo contemporânea da construção do próprio convento. No entanto, e tal como este, a capela actual nada tem a ver com a antiga, quer em termos arquitectónicos, quer em termos da disposição do seu espaço. Do que lhe aconteceu naquela manhã fatídica do dia 1 de Novembro de 1755 sabemos, por intermédio de um dos seus frades que continuou a viver no meios das suas ruínas, “do que se proveita ficar o de Nª Srª. da Piedade com suas paremestras em alto, se todas estão inclinadas e fora dos prumos e as abóbadas da igreja e seu frontispício até à barra rendido, suas celas e oficinas abauladas e o claustro sem palmo de parede que não esteja caído?”.
 
A Ermida de Nossa Senhora da Guia, comummente datada do Século XVI, é atribuída à Ordem de São Francisco, não só porque pertencia a uma ordem de freiras, como também pela indicação fornecida pelo pároco da Freguesia da Ressurreição. Uma das suas lápides sepulcrais possui a data de 1577. Embora também tivesse sofrido bastante com o terramoto de 1755, perdendo grande parte da sua fachada e a grande escada mencionada pelo Padre Marçal da Sjlveira, é ainda possível encontrar por lá alguns vestígios da construção original.
 
O grande número de edifícios religiosos que existem no casco mais antigo de Cascais, aponta assim para o forte e arreigado sentimento religioso da população, provando também que existiam meios financeiros suficientes para a sua construção. A indústria das pescas, de acordo com as invocações que perduram nos seus interiores, terá sido a fonte desses meios, ainda que muitos deles se saiba que provieram de ordens religiosas, do Patriarcado de Lisboa e mesmo de alguns particulares.


 
 
A boa relação e interajuda existe entre os pescadores da vila e os frades das ordens religiosas aqui instaladas, está bem patente nas palavras do já mencionado Padre Marçal da Sjlveira, que nos diz que foram os frades quem ensinou aos pescadores da vila a secar e a conservar os seus peixes.
 
Sendo intemporal a importância deste património para o sustento da tão vilipendiada vocação turística municipal, o certo é que as igrejas, ermidas e capelas de Cascais são ainda hoje pedras basilares na formatação cultural e social desta terra. Eixos assumidos de uma religiosidade transversal a todas as épocas da História de Cascais, calcorrear estes edifícios representa um passo essencial na definição e na compreensão do que é ser Cascalense.

Cascais e o Terramoto de 1755

João Aníbal Henriques, 01.02.16

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
O cataclismo que se abateu sobre Lisboa no dia 1 de Novembro de 1755 deixou um rasto de destruição na Vila e no Concelho de Cascais. O terramoto e o posterior maremoto, foram acompanhados de incêndios e muitos dos principais edifícios que existiam foram completamente destruídos.
 
A face urbana da Vila de Cascais, com a monumentalidade própria de uma pequena vilória piscatória, sofreu enormes alterações e, mercê dos muitos interesses instalados nesta terra, terá sido porventura o terramoto o embrião da primeira operação de especulação que Cascais conheceu…
 
De facto, as Memórias Paroquiais, bem como as respostas dos reitores das igrejas às questões levantadas pelas autoridades depois do terramoto, apresentam-nos informações muito úteis para conhecer e compreender o que então aconteceu em Cascais. A menção à antiga torre-relógio, que desapareceu nessa manhã fatídica, e a organização espacial dentro das muralhas do velho castelo, estão bem expressas nas palavras do pároco de então: “Está esta vila sem relógio porque este, e sua grande torre feita pelos mouros, que sefes em cinzas. O palácio dos marqueses de Cascaes uq era de hua excelente perspectiva, e de exquisitas pinturas, com hua bella ermida, desconhecesse tudo pelo que foi, e já não hé (…). Nesta freguesia há hu castelo, cujo hoje está todo cheio de moradores e para nada serve mais, porem ahinda selhe conservão alguas amejas, cujo fica para abanda da ribeira, pegado com os palacios dos marqueses de Cascaes”.

 
Também Frei António do Espírito-Santo, um dos frades carmelitas do Convento de Nossa Senhora da Piedade (actual Centro Cultural de Cascais), dá-nos conta do estado do castelo após o terramoto de 1755: “cahio a torre com o seu mais especioso relógio nas sonoras vozes do seu sino, que fica olhando para norte, e matando 22 pessoas”.
 
Esta torre, bem identificada em muita da cartografia antiga que se conhece, corresponderia à torre que se situava na parte Nascente do Castelo, com frente para a área do antigo Rossio. Teria planta redonda, em linha com a tradição arquitectónica deste tipo de edifícios, facto ainda visível nas fotografias tiradas no início do Século XX por João da Cruz Viegas, D. António de Castelo-Branco e pelo Visconde de Coruche. De salientar que alguns dos torreões do antigo castelo, marcando os eixos que deram forma ao núcleo urbano inicial da Vila de Cascais, subsistiram até aos anos 60 do século passado, quando foram demolidas no âmbito do surto de construção que assolou Cascais nessa época.
Em termos religiosos, eram vários os edifícios que existiam em Cascais neste final do Século XVIII. Mas a maior parte, mercê das agruras do cataclisma, acabou por ficar muito danificado ou mesmo completamente destruído.

 
De acordo com o testemunho do Reitor da Igreja Matriz de Cascais, Padre Manoel Marçal da Silvejra, ao responder em 1758 aos inquéritos paroquiais, nada sobrou do terramoto e o que se manteve de pé estava em tais condições que a ele lhe parecia que mais valia destruir para construir novas edificações de raiz do que proceder ao seu restauro: “(…) a villa ficou toda arruinada até ao chão. Não há caza, wur ou não cahisse em terra, ou não ficase abalada, ameaçando ruína. Os templos, a ponte, a cidadela, e os eus quartéis, tudo está demolido, e feito em pó. A major parte da villa haita ahinda em barracas fora, e dentro do destricto, a ponte está com hu só arco em pee, e senaõ passa po rella, sem que se reparasse ahinda nada, somente alguas czas setem levantado, poucas, ao mesmo tempo, que outras, com as tempestades e ventos, se tem acabado de postrar”.
 
Do reitor da Freguesia da Ressureição, a segunda freguesia de Cascais e situada no espaço extra-muros, recebemos a informação de que foi esta uma das mais afectadas freguesias do país com a catástrofe do terramoto de 1755: “De todas as terras foi esta aq. Experimentou mayor ruina (conforme dizem todos) por causado ditto terramoto, pois todos os edifícios serruinarão, e quazi todos cahiram, e algum q. nan cahio de todo ficou inahabitavel, mas ao prezente is se acham muntos deles reedificados”.
 
Mas, se é certo que a destruição provocada pelo terramoto foi enorme, certa é também a dose de exagero patente em todos estes documentos, explicável possivelmente com a necessidade de chocar quem os lê-se para sensibilizar o poder nacional para a necessidade de recursos que Cascais sentia para proceder à sua recuperação urbana. De facto, tendo ruído a Igreja da Ressurreição, que se situava sensivelmente onde actualmente se encontra a estação de comboios, muitos outros monumentos civis, militares e religiosos se mantiveram de pé o foram reconvertidos e/ou recuperados e ainda hoje podem ser apreciados na Vila de Cascais.


 
 
A Igreja de Nossa Senhora da Assunção, por exemplo, uma construção de meados do Século XVII que resistiu à força do terramoto, foi bastante alterada no seu exterior tendo sofrido várias alterações que lhe conferem a imagem que hoje apresenta. Na sacristia e no arco que suporte o coro, ainda são visíveis as sequelas do cataclisma, ao lado com uma pequena inscrição que informa que o templo havia sofrido obras de restauro em 1720 à custa dos irmãos pescadores.
 
Mais à frente, e para além dos muros antigos do castelo, a Cidadela de Cascais e a Fortaleza de Nossa da Luz resistiram ao terramoto, tendo acontecido o mesmo com o Convento de Nossa Senhora da Piedade que, já no Século XIX, foi comprado em hasta pública pelo Visconde do Gandarinha que o adaptou a residência de veraneio. Quando essas obras foram efectuadas, estavam ainda em estado razoável de conservação a antiga sala do capítulo, a capela, o claustro, a cisterna e mesmo o friso de janelas viradas a Sul que ainda hoje se mantém.


 
 
Da mesma maneira, e para além das pequenas capelas de Nossa Senhora de Porto Seguro e de Nossa Senhora da Conceição, sobreviveram ainda as capelas de Nossa Senhora da Vitória, a Igreja da Misericórdia e a Igreja e Nossa Senhora dos Navegantes que foram reconstruídas depois da catástrofe.


 
 
Tendo exagerado de forma linear a verdade do que aconteceu, a documentação coeva dá-nos uma primeira imagem do que era Cascais naquela época. E, sabendo nós que o ímpeto de construção que se lhe segue fica a dever-se à generalizada informação de ruína eminente em que pretensamente Cascais se encontrava, fácil se torna perceber que naquela altura, como ainda hoje, foi sobre inverdades e premissas adaptadas às necessidades do momento, que se deu uma nova cara ao Cascais de sempre.
 

108º Aniversário do Regicídio

João Aníbal Henriques, 01.02.16

 

 
 
Cumprem-se hoje 108 anos desde o dia em que o Rei Dom Carlos e o Príncipe Herdeiro Dom Luís Filipe foram assassinados em Lisboa. No dia 1 de Fevereiro de 1908, pondo fim a mais de 750 de Monarquia e de História, a carbonária, braço armado da maçonaria e grupo de terrorista a soldo de interesses estrangeiros, disparou sobre a carruagem real quando o rei e a sua família atravessavam o Terreiro do Paço depois de uma viagem a Vila Viçosa. Com esse acto de terror, a organização terrorista impulsionou os laivos republicanos que tinham chegado a Portugal fruto dos tempos que então se viviam e das vicissitudes recentes que tinham afectado Portugal. Neste dia, para gáudio daqueles que colocavam os seus interesses à frente dos interesses do nosso país, iniciou-se um período negro na nossa história. Depois da coroação do Príncipe Dom Manuel e do turbilhão de golpes e de contra-golpes que visavam somente a destabilização do país, Portugal caminhou rapidamente para a república, encetando um período de intensa convulsão e de instabilidade permanente que se arrastou ao longo de mais de 20 anos.
 
 
 
 

 

Não tendo sido um rei perfeito, até porque o seu espírito humanista e a sua profundíssima cultura o transportavam rapidamente para um mundo onírico que era muito diferente daquele que se vivia em Portugal nessa época, Dom Carlos foi um dos mais marcantes monarcas de finais do Século XIX, tendo ajudado o país a modernizar-se e a ganhar as dinâmicas do novo século. Foi uma pena ter visto a sua vida ceifada de forma prematura, inconsequente e, sobretudo, injusta para Portugal e para os Portugueses.