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O Chafariz de São Francisco e a Porta dos Cavaleiros em Viseu

João Aníbal Henriques, 31.08.16

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
A cidade de Viseu, capital da Beira Alta, é um dos mais extraordinários repositórios de História em Portugal. Em cada canto e esquina, atravessando as ruelas de traçado tortuoso que dão forma ao seu centro histórico, encontram-se os ecos de outros tempos, como se certos espaços da cidade, por artes mágicas vindas sabe-se lá de onde, preservassem de forma sentida as memórias das muitas vidas e das muitas eras que sobre elas se cruzam.
 
Viseu, mercê de tudo isto, alia a modernidade de uma vida já bastante cosmopolita, assente num comércio que sempre foi activo e florescente, com um cunho de tradição que é difícil de encontrar noutros lugares.
 
É o que acontece, por exemplo, com o Chafariz de São Francisco, no início da Rua do Arco, para onde concorrem os desígnios mais profundos de um romantismo que ainda hoje caracteriza a cidade. Em conjunto com a Porta dos Cavaleiros, que é um dos poucos restos da antiga muralha Afonsina, o recanto enche o olhar do visitante com a beleza do trabalho em pedra mas, sobretudo, com as memórias imaginadas por Camilo Castelo Branco que, no seu “Amor de Perdição”, situa ali a cena de pugilato em que Simão Botelho se batia pelo amor de D. Teresa de Albuquerque...
 
 
 
 
De facto, construído no Século XVIII, aproveitando um manancial natural que por ali existia, o chafariz utiliza a formulação estética barroca e entrega-se à cidade sob a égide sagrada de São Francisco, opondo a singeleza da devoção deste santo, à opulência quase majestática que caracteriza este espaço. Compondo-se como se fosse uma espécie de cenário, no qual o chafariz nada mais é o que o fundo de palco no qual brilham os restos antigos da velha muralha com a sua porta histórica e o palacete beirão dos Albuquerques, a fonte aproveita o espaço de uma estrutura anterior que terá sido demolida por António de Albuquerque, o seu construtor.
 
Relativamente à porta, é um dos últimos vestígios da medievalidade viseense, tendo resultado de um dos derradeiros esforços de amuralhamento para protecção da cidade. Digna de um realce especial, é a lápide existente no exterior da velha porta, dando conta da devoção do Rei Dom João IV a Nossa Senhora da Conceição (muitos anos antes de o dogma ter sido aceite pela Santa Sé, em 1854), em linha com uma tradição popular antiga que considera Nossa Senhora da Conceição como Rainha de Portugal. A Senhora da Conceição, ritualisticamente cultuada no território Nacional desde antes da fundação da nacionalidade, é provavelmente o resultado da aculturação das velhas crenças pagãs, cruzadas sobre uma enorme amálgama de pressupostos que resultam das vicissitudes do devir histórico, resultando aqui, neste recanto de Viseu, como uma espécie de eixo estrutural de uma Fé que é transversal em termos políticos e sociais a todos aqueles que vivem no País, e que conjuga, agregando vontades, o todo Nacional a partir de um elemento devocional que todos aceitam como peça essencial da existência de Portugal.
 
Em Viseu, o Chafariz de São Francisco e a Porta dos Cavaleiros, compõem um todo turístico que valoriza a cidade, principalmente se interpretados a partir da sua integração na riquíssima história local.

Henrique Felgar e a Irmandade de Santa Cruz e Passos de Viseu

João Aníbal Henriques, 30.08.16

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Em 1907, no final de um quente dia primaveril, foi solenemente recriada a Irmandade de Santa Cruz e Passos de Vizeu, cujo compromisso foi assinado no ano seguinte em cerimónia que decorreu na mesma cidade beirã.
 
O fundador da instituição foi o Bispo Gonçalo Pinheiro, natural de Setúbal, que foi nomeado para a capital da Beira Alta em 1553, onde ficou até ao ano da sua morte, que aconteceu aos 77 anos em 1567.
 
Durante este longo lapso de tempo, Sua Eminência notabilizou-se por várias obras de índole religioso e social em Viseu, tendo deixado marca indelével nos contornos da cidade que hoje conhecemos.
 
 
 
Preparando a sua morte, concebeu e mandou construir uma capela funerária, na Sé de Viseu, que destinou para seu túmulo pessoal. Para tal, alterou a configuração original do templo e mandou reedificar com o nome de Capela da Cruz a antiga capela de São Sebastião. Mas, tendo falecido antes da conclusão das obras, foi já o seu sobrinho, Miguel Cabedo de Vasconcellos, desembargador da Casa da Suplicação, quem se encarregou da finalização dos trabalhos, para ali tendo transportado o caixão onde descansava o corpo do tio. Pouco tempo depois, foi também ele o responsável pela criação original da Irmandade de Santa Cruz e Passos, cuja sede ficou instalada na dita capela funerária onde ficara o antigo Bispo da cidade.
 
Cerca de três séculos depois, já em 1855, foi restabelecida a irmandade e criado novo compromisso que determinava a transladação da veneranda imagem do Senhor dos Passos desde a antiga Capela da Cruz para a renovada Igreja de São Miguel, que havia sido cedida à irmandade pelo então Cabido da Sé de Viseu.
 
Na cerimónia de recriação do acto, efectuada a 11 de Abril de 1907, foi assinado o compromisso definitivo, pelos 246 Irmãos presentes, tendo sido eleitos os corpos directivos da instituição. Como Provedor foi eleito Luiz Ferreira de Figueiredo; como Secretário, José de Almeida Marques; como Tesoureiro, António Gião Guimarães; como Procurador, António Augusto da Costa e Liz; como Mordomo, António de Figueiredo Caessa; e como Deputados, José Ferreira Baptista e João Maria d’Almeida.
 
 
 
 
Henrique Simões Felgar, industrial têxtil sedeado na Ribeira de Viseu, tomou posse como Irmão da Irmandade de Santa Cruz e Passos de Vizeu, com o número 1541, tendo, de acordo com os estatutos em vigor nessa época, tomado igualmente posse a sua mulher, D. Maria Ermelinda Queiroz.  
 
Com este acto solene, a que não era estranha a imensa devoção de Henrique Felgar pelo significado profundo da Santa Cruz e pelo peso institucional do Senhor dos Passos, em cuja procissão anual participava activamente, reforçaram-se os laços entre o industrial Poiarense e a cidade onde se estabeleceu.

Tratar da Saúde a Cascais

João Aníbal Henriques, 30.08.16

Tratar da Saúde a Cascais.jpg

 

 

Actualmente o edifício do antigo Hospital dos Condes de Castro Guimarães, vulgo Hospital de Cascais, encontra-se devoluto e poucos são aqueles que sabem o que ali se vai fazer, preocupando os Cascalenses e criando espaço para especulações que vão minando a confiança dos cidadãos.

 

Em 2002, quando a saúde era o principal desafio que se colocava a Cascais, a Fundação Cascais publicou um número da sua revista inteiramente dedicada a este sector. Nessa altura, perante a total desadequação do velho hospital perante as necessidades efectivas de Cascais e dos Cascalenses, a instituição veio propor um “Plano Global de Saúde para Cascais” que, para além da urgente construção de um novo hospital, recriasse também uma rede global de apoio à população, com hospitais de rectaguarda, cuidados preventivos, cuidados continuados e cuidados paliativos.

 

Vale a pena recordar a entrevista ao então recém-eleito Presidente da CMC, António d'Orey Capucho, que despoletou um processo importantíssimo de reformulação da saúde no concelho depois de mais de duas décadas de completo marasmo. Nota especial também para a entrevista a Maurício Chumbo, então director clínico do Centro Hospitalar de Cascais, que chefiava uma equipa que fez literalmente milagres nas condições inadmissíveis com as quais trabalhava.

 

Menção especial ainda para o artigo da autoria de Isabel Magalhães, nessa altura vereadora independente com o pelouro das actividades económicas, sobre a relação entre a prática empresarial e a saúde de Cascais. Na mesma linha, Pedro Luís Cardoso vem defender a importância da existência de cuidados de saúde de qualidade para o desenvolvimento da vocação turística da região.

 

Por fim, num acto de gratidão que marcou o décimo aniversário da presença da Fundação Cascais no Centro Pastoral Nossa Senhora e Fátima, no Bairro do Fim-do-Mundo, a notícia da publicação do livro infantil O Grande Fininho, que corporizava uma homenagem muito sentida ao trabalho e à dedicação das Irmãs Salesianas Elvira e Joaquina a uma das mais desfavorecidas comunidades Cascalenses.

 

Releia AQUI a Revista “Tratar da Saúde a Cascais”

 

O Colégio João de Deus no Monte Estoril - Oitenta Anos Depois

João Aníbal Henriques, 22.08.16

 

 
por João Aníbal Henriques
 
Em Agosto de 1936, há precisamente 80 anos, terminava o primeiro ano lectivo no Colégio João de Deus, no Monte Estoril. Nascido depois da cisão que marcou o fim do Bairro Escolar do Estoril, fundado em 1928 por João de Deus Ramos, João Soares, Virgílio Vicente da Silva e Mário Pamplona Ramos, o novo estabelecimento de ensino depressa conquistou o prestígio que havia de o acompanhar ao longo de toda a sua história, assente num projecto pedagógico alternativo e inovador delineado pelo pedagogo João de Deus e concretizado pelo pragmático Professor José Dias Valente.
 
 
Professores do Bairro Escolar do Monte Estoril (1935)
 
 
O Colégio João de Deus, que fechou portas em 1970, ainda é hoje pólo aglutinador de vidas e de vontades, reunindo num almoço anual composto por antigos alunos e suas famílias, largas dezenas dos rapazes que durante quase quatro décadas encheram de barulho e de vida os cantos e recantos do Monte Estoril. Por incrível que pareça, mais de quarenta anos depois do seu encerramento, é forte e firme o sentido de pertença que une os antigos alunos ao velho colégio, bem como perenes são as memórias que guardam como testemunho do seu início de vida dentro das paredes do velho colégio estorilense.
 
Quando há 80 anos atrás abriu as suas portas, como consequência de um movimento espontâneo de um conjunto de professores do antigo Bairro Escolar em apoio ao seu mentor João de Deus que tinha optado por sair da antiga sociedade que controlava o projecto educativo do Bairro Escolar, o Colégio João de Deus pretendia recriar o ideário de uma pedagogia nova que acompanharia a recuperação de Portugal. Exigente e cuidada, a prática educativa defendida pelos professores fundadores assentava num apelo permanente à liberdade. Pretendia-se cortar as amarras com a educação enciclopédica e monolítica que até aí tinha sido a referência em Portugal, para dar corpo a uma forma de ensino que compreendia, promovia e apoiava as singularidades de cada um dos seus alunos, fomentando um crescimento em conjunto, como se de uma comunidade quase familiar se tratasse, que permitisse aproveitar de forma eficaz o que de melhor cada um possuía.
 
 
 
Os professores-fundadores do Colégio João de Deus (1936)
 
 
E como os planos raramente se concretizam tal e qual como foram idealizados e a componente aleatória do destino se impõe normalmente aos planos dos homens, o velho projecto imaginado por João de Deus Ramos de criação de uma espécie de campus educativo em terras do Estoril acaba por soçobrar perante a inexorável realidade, criando espaço para o surgimento de uma nova prática que haveria de vingar contornando as vicissitudes e aproveitando os acontecimento pródigos do devir.
 
Depois de concretizados os desaguisados que puseram fim à sociedade educativa do bairro, um grupo de professores dos quais faziam parte Mário Pamplona Ramos, Augusto Mimoso, Henrique Perestrelo de Alarcão, Álvaro Themudo, Armando Lucena, Aníbal Henriques, Rubi Marques e José Guerreiro, tomou a iniciativa de concretizar o projecto educativo do seu mestre num espaço alternativo que projectaram construir.
 
 
 
Primeiro número do boletim "Nós Queremos" do Colégio João de Deus (1937)
 
 
Mas nem tudo foi fácil para este grupo de revolucionários pois, por motivos eminentemente pessoais, e também pelo cansaço que derivava de uma longa dedicada à escola e à educação, João de Deus Ramos não aceitou encabeçar o novo projecto obrigando os promotores a encontrarem alguém com a capacidade e com a disponibilidade para o fazer. E, dando espaço ao destino, a escolha recaiu sobre um lisboeta com experiência no ensino e com vontade e os meios necessários para liderar o novo projecto. Antigo colega da Faculdade de Letras de Aníbal Henriques e Freitas e Silva, com os quais tinha mantido laços fortes de amizade, José Dias Valente é assim convidado para vir dirigir o novo colégio, cargo que vai ocupar até ao seu encerramento definitivo em 1970.
 
 
 
José Dias Valente e Aníbal Henriques na cerimónia dos 25 anos do Colégio João de Deus
 
 
José Dias Valente (1902-1977), eminente professor e pedagogo, chega assim ao Estoril onde vai da forma ao mais conseguido dos projectos educativos concretizados em Cascais. Ao longo dos 35 anos em que dirigiu o Colégio João de Deus, Dias Valente transformou literalmente a vida de milhares de Portugueses, tendo deixado uma herança de sabedoria que perdura ao longo dos anos e que tanta importância teve na concretização do Portugal moderno em que hoje vivemos.
 
Oitenta anos depois do início daquela aventura educativa, quando ainda estão vivos muitos daqueles que penhoradamente assumem ter sido o Colégio João de Deus o cadinho que lhes formou o carácter e os preparou para a vida, importa homenagear José Dias Valente e todos aqueles que com ele tiveram a coragem de concretizar um projecto assim.
 
 
 

 

Cascais e o Estoril em 1989 na Revista "Cidades & Municípios"

João Aníbal Henriques, 10.08.16

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Há precisamente 27 anos, em Agosto de 1989, a revista “Cidades & Municípios” dedicava um dos seus números àquilo que designava como “as consequências do crescimento de Cascais e de Sintra”.

 

Abordando o turismo como vocação agregadora da região, basicamente por recuperar quase um século de uma história grandiosa sob a chancela da marca internacional “Estoril”, a revista apontava as grandes infra-estruturas que deveriam concretizar-se num futuro próximo. Da auto-estrada de ligação a Lisboa ao sistema de saneamento, muitos eram os desafios que em 1989 se colocavam a Cascais, nomeadamente na gestão da sua promoção internacional, nas acessibilidades, na consolidação ambiental e na habitação.

 

No ano em que foi publicada esta reportagem, Cascais vivia o início do período conturbado que mais tarde haveria de ser chamado “a betonização do concelho”. As mudanças que acabariam por chegar a partir da década de 90, como a já referida A5, o emissário submarino, a marina, o centro de congressos, a escola de turismo, etc., foram o mote para um complexo processo que desvirtuou definitivamente o devir quotidiano de Cascais e que gerou uma série de desequilíbrios dos quais o concelho ainda não conseguiu recuperar.

 

Os anos que se seguiram foram caóticos para a memória comunitária municipal. A destruição do património e a construção desenfreada, geraram novas realidades que os poderes locais demoraram demasiado tempo a entender e a começar a tratar.

 

27 anos depois, vale a pena reler esta reportagem, até porque muitos dos desafios ali elencados são ainda pertinentes na actualidade. Conhecer e perceber a história recente é um passo de gigante para evitar que voltem a cometer-se os erros do passado.

 

Leia AQUI a Reportagem “O Crescimento e o Turismo” da Revista Cidades & Municípios

A Igreja do Espírito-Santo ou da Misericórdia de Rio Maior

João Aníbal Henriques, 08.08.16

 

 
por João Aníbal Henriques
 
Solene e simples, quase perdida no intricado labirinto de ruelas que dão forma ao centro histórico da Cidade de Rio Maior, a Igreja da Misericórdia é um dos mais interessantes monumentos religiosos da região do Ribatejo.
 
Tendo como orago original a Assunção de Nossa Senhora, que terá adquirido já no Século XIX quando a antiga Igreja Matriz fica em ruínas e a Coroa a entrega à Irmandade da Misericórdia, era anteriormente dedicado ao Espírito-Santo, num repto de singeleza que é bem visível nos pormenores construtivos que lhe dão forma.
 
 
 
 
O culto do Espírito-Santo, expressão sagrada de primeira importância na definição dos mais profundos preceitos da irmandade Cristã, pressupõe práticas de abnegação e de entrega ao próximo que estão em linha com o facto de este templo ter sido inicialmente espaço de culto privativo do antigo hospital da localidade.
 
Por vicissitudes diversas, a maior parte das quais relacionadas com a grande dependência que as populações locais sempre tiveram relativamente à agricultura e aos ciclos da natureza, o carácter ecléctico deste templo foi-se adaptando ao ritmo de vida das comunidades locais, adoptando e perdendo sucessivamente muito do seu espólio decorativo.
 
 
 
 
 Para além de ter recebido, em consequência da ruína e da desafectação ao culto de outras igrejas da região, várias peças que outrora haviam estado nesses locais, como acontece com algumas imagens e alfaias religiosas, a Igreja da Misericórdia foi alvo de acrescentos inesperados que lhe dão um carácter de excepção no contexto local e que reforçam o seu interesse por parte de quem a visita.
 
No altar colateral direito, actualmente dedicado a Nossa Senhora de Fátima, é notória a adaptação que sofreu o nicho envolvente, no qual foi inserido um conjunto decorativo do qual sobressai a dedicatória ‘Avé Maria’, sobre uma moldura na qual assume especial importância o crescente lunar invertido. Normalmente associado a Nossa Senhora da Conceição, numa prática hermética que remete para uma cultualidade ancestral e certamente pré-Cristã desta área do actual território Português, tem por significado simbólico a destruição do mal aos pés da Senhora, sendo ela, na sua versão oriental, a Imperatriz que gere as ligações entre o Mundo onde vivemos e o céu. Neste caso específico, provavelmente desenquadrado em termos rituais, até porque a inovação da Senhora de Fátima é bastante recente, julga-se que a definição mais profunda da inovação da igreja venha a ser resultado do cruzamento entre o culto original ao Espírito-Santo e o milagre alquímico associado à figura da Rainha Santa Isabel que é, como se sabe, a rainha da misericórdia. Foi esta Rainha-Santa quem, aliás, desencadeou o processo de escolha da Nossa Senhora da Conceição como rainha e padroeira de Portugal, num processo que deu corpo à assumpção, bastante mais tarde, do dogma da Imaculada Conceição por parte da Igreja Católica.
 
 
 
 
Depois da construção da nova Igreja Matriz de Rio Maior, já na segunda metade do Século XX, a Igreja da Misericórdia volta a perder a dignidade de igreja primaz do concelho, facto que veio a alterar profundamente a dinâmica devocional da cidade. A nova igreja matriz recebeu como devoção a Senhora da Assunção, que até aí tinha estado neste espaço, e recebeu como orago precisamente a Rainha Santa Isabel.
 
De salientar no corpo da igreja o altar-mor em talha dourada de inspiração barroca, a bonita capela baptismal e a imagem da Rainha Santa, junto ao altar lateral onde está a imagem de Nossa Senhora da Misericórdia. Ara além da singela nave única, em linha com a planificação espacial típica deste tipo de templos e origem ruralizante, o coro alto, preparado para receber a irmandade, que impõe uma linha geral de sobriedade ao espaço.

A Anta das Alcobertas e Santa Maria Madalena em Rio Maior

João Aníbal Henriques, 08.08.16

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Sendo sete os esteios que suportam o monumento funerário megalítico que dá fama à localidade das Alcobertas, no Concelho de Rio Maior, são também sete os pecados que Jesus Cristo retira do corpo ultrajado de Maria Madalena, a ainda mal compreendida seguidora do Mestre e principal promotora da religião Cristã depois de ter sido ela a primeira a encontrar o Salvador depois da sua Ressureição…
 
 
 
A Anta-Capela das Alcobertas, situada no coração do Ribatejo e num recanto onde são muitos (e muito interessantes) os vestígios arqueológicos que atestam vivências ancestrais que decorreram no mesmo espaço, é um dos mais emblemáticos e interessantes casos de sobreposição de cultos ao longo de vastíssimos períodos da História. Construída aproveitando a estrutura megalítica anterior, a nova capela, por sua vez integrada na Igreja das Alcobertas, já do Século XVIII, tem dedicatória a Santa Maria Madalena, recuperando o ideário profano e os arquétipos mais ancestrais da religiosidade de Portugal.
 
De acordo com a lenda (da qual existem várias versões que nos chegaram por via da tradição oral das comunidades locais), foi Santa Maria Madalena que fez nascer e crescer os megálitos que dão forma ao monumento mais antigo. Noutras versões, e perante a vontade do povo em destruir uma estrutura que consideravam ser de origens pagãs, foi a dita santa quem zelou pela sua sucessiva reconstrução, num processo que terá servido para torcer a vontade popular que, dessa maneira, com a intercessão Divina, lá terá aceite manter a velha estrutura no seu lugar.
 
 
 
 
Seja qual for a sua efectiva História, o certo é que o carácter sagrado deste espaço está bem vincado ao longo de muitas gerações. O espaço funerário original, datado do período Neolítico, compõe uma ligação simbólica entre os mundos dos vivos e dos mortos que ainda hoje sustenta a religiosidade local. Mais importante do que os credos, as crenças e os cultos, neste espaço o que verdadeiramente importa é a ligação, numa recuperação evidente e simultaneamente sublime, da significação mais profunda da própria palavra ‘Religião’ – Religare – que aqui assume foros de uma perfeita identidade. Ligados ancestralmente à sublimação da vida, relegando para um plano secundário os aspectos mesquinhos relacionados com o dia-a-dia e com a vida mais perene, os crentes que acedem à Capela de Santa Maria Madalena completam uma autêntica viagem no tempo sem que saiam do mesmo espaço. No cerne da antiga anta, naquele que é hoje o altar consagrado à Santa que partilhou com  o Filho de Deus uma vida ascética em torno da vontade do Pai, congregam-se certezas inabaláveis que subsistem na solidez estrutural da pedra que compõe as suas paredes. É esta perenidade, que transmite a quem a visita uma sensação de profundo conforto espiritual, que compõe a ligação quase umbilical que dá corpo à máxima de Jesus e que Maria Madalena carrega como estigma ao longo da sua vida da Terra e que perdura como laivo de memória ao longo dos tempos: a de que somos todos irmãos.
 
Apesar as diferenças de perspectiva, de opinião, de vontade e mesmo de Fé, o certo é que as pedras que sustentam a anta-capela são consistentes com a sua vocação de suporte daquilo que é verdadeiramente importante e essencial. Não se conhecendo a época da sua cristianização, nem tão pouco sendo isso importante na definição do seu carácter sagrado, até porque ao longo dos longos milénios que compõem a sua existência, este espaço terá eventualmente sido alvo de muitos outros cultos e/ou crenças que se complementam e que fecham o ciclo da sacralidade da própria localidade das Alcobertas, o certo é que o impacto deste recanto contrasta de forma muito evidente com a singeleza das suas características morfológicas.
 
 
 
 
Reforçando a importância da capela-anta, está o também conturbado processo de construção, reconstrução e recuperação da igreja que a envolve, e da qual a velhinha estrutura é hoje um minúsculo altar-lateral. Com uma estrutura de orientação barroca, o edifício do Século XVIII terá substituído a antiga ermida do Século XV que terá existido no mesmo local. Problemas diversos, a que eventualmente não será alheia a fraca qualidade de construção ao longo da sua história, terão servido de mote a transformações sucessivas no templo que lhe conferiram o aspecto que actualmente conhecemos. Mas, mesmo com a arcaria monumental da entrada, com a altaneira torre do relógio (que conheceu acrescentos em época recente), com a magnífica capela baptismal existente e com a cuidada aparência da sua nave central, o certo é que continua a ser o diminuto espaço da estrutura antiga aquele para onde convergem a curiosidade e a fé ancestral de quem por ali passeia.
 
 
 
 
Os mitos antigos da Portugalidade, com os cultos pré-históricos da mãe ancestral, numa ligação entre a virgindade e a pureza originais e a fertilidade da própria terra (da qual depende a prosperidade das muitas comunidades diferentes que ocuparam este mesmo espaço), estão aqui linearmente dispostos, congregados numa Maria Madalena dividida entre a meretriz arrependida que as Escrituras nos trazem  e a Santa primordial que a História de Jesus Cristo impõe à realidade simbólica que a cerceia.
Misto de mistério profundo e de sonho onírico, a anta-capela das Alcobertas  representa uma descoberta essencial no devir histórico do Portugal de todos os tempos. O de que a realidade é fugaz e que aquilo que é mais perene não depende sequer da passagem do tempo…
 
É este um dos mais significativos monumentos de Portugal.
 

 

 

O Palácio da Bolsa no Porto

João Aníbal Henriques, 08.08.16

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Quando se observa pela primeira vez o edifício do Palácio da Bolsa, no Porto, estranha-se a imponência de uma construção ecléctica, que baralha os estilos e se impõe na paisagem através de uma escala imensa que contrasta com a arquitectura tradicional da cidade.
 
De facto, com o Rio Douro literalmente a espreitar pelas ruelas que dão acesso à Ribeira, o Palácio da Bolsa deixa vislumbrar a magnificência de um velho palácio inglês, marcado aqui e ali pelas linhas clássicas das velhas e ostensivas construções pombalino na baixa lisboeta.
 
Misturando estilos e procurando um efeito cénico que estivesse em linha com a importância que o comércio sempre teve na definição da estrutura urbana da Cidade do Porto, o actual Palácio da Bolsa é um edifício recente, tendo começado a ser construído em 1842 com base num projecto traçado por Joaquim da Costa Lima. Na sua fachada virada a nascente, assumem especial importância as linhas neoclássicas que aproveitam o declive natural da paisagem e que transformam a colunata que suporta a sua entrada monumental, numa espécie de palco cerimonial que se prolonga através da torre do relógio que a encima.
 
 
 
 
O carácter cénico do edifício, que tem como principal função impor na paisagem a marca de poder dos comerciantes da invicta, é bem visível não só na recuperação de valores arquitectónicos revivalistas na sua fachada monumental, como também na decoração interior e nos valores assumidos em diversas das suas salas principais. Dando corpo à escadaria principal, também ela de impacto efectivo na definição do espaçamento interior, o Pátio das Nações, cercado de um claustro deambulatório totalmente anacrónico e que serve de forma eficaz a necessidade de reforçar a função política do edifício, recria o ambiente de requinte que ainda hoje é visível na generalidade dos grandes jantares de gala e dos eventos que ali acontecem.
 
Dignos de referência especial, até porque é deles a responsabilidade artística dos mais interessantes aspectos da sua decoração interna, são as participações dos cenógrafos Manini e Pereira Júnior, responsáveis pela definição estéticas das funcionalidades do palácio, bem como a decoração exuberante da Sala Árabe ou do Tribunal do Comércio que compõem o cenário de pompa que o Palácio da Bolsa recria.
 
 
Terminado já em 1910, quando em Portugal (e também no Porto) se sentiam os laivos da chegada do novo regime político, o Palácio da Bolsa caracteriza-se pelo seu carácter revivalista, como se no passado romântico que cada detalhe decorativo determina, residissem as raízes do poder efectivo que os comerciantes tiveram e têm na cidade.
 
Aberto ao público, vale a pena visitar o Palácio da Bolsa. Não só pelas características do edifício e pela sua monumentalidade, como também para observar aquilo que, não sendo, ele tem capacidade para recriar no imaginário do Porto. Uma preciosidade!

A Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição do Cercal do Alentejo

João Aníbal Henriques, 01.08.16

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Sendo provável que o actual edifício tenha substituído um anterior espaço de culto, nada se saber sobre o que existia no local onde agora se ergue a Igreja Matriz do Cercal do Alentejo, com dedicação a Nossa Senhora da Conceição, antes do Século XVIII.
 
De facto, o templo apresenta características vincadas ao período em questão e cumpre integralmente o normativo imposto pela Ordem de Santiago da Espada para a construção deste tipo de estruturas.
Com uma tipologia assente nos princípios basilares da arquitectura vernácula Portuguesa, onde a simplicidade das linhas contrasta com a efusiva decoração rococó, a igreja prima pela sua funcionalidade bem integrada na existência eminentemente rural do Cercal do Alentejo.
 
 
 
 
Na sua fachada, marca presença a espada da Ordem de Santiago, como sempre envolvida pela sugestiva inclusão da flor-de-lis, simbolizando a pureza original e também a singeleza da existência, num ímpeto de criatividade que vem ajudar a distorcer o quotidiano agrícola da população que a frequenta.
 
Localizada no centro da povoação, reformatando a planta geral da localidade a partir do seu eixo devocional, a Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Cercal do Alentejo, recupera um dos mais ancestrais arquétipos da Portugalidade, assumindo a Conceição de Nossa Senhora como ponto de partir para a viagem simbólica em direcção às origens primordiais da própria humanidade. A senhora que concebe, imaculada por intervenção divina, sendo um dogma recente do Catolicismo, foi desde sempre o principal elemento propulsor da religiosidade Portuguesa, recriando mitos antigos, bem visíveis, por exemplo, na generalidade dos sítios arqueológicos megalíticos, e dando forma a uma noção do sagrado que transcende o próprio real.
 
 
 
 
Na sua origem profunda, o culto à Senhora da Conceição, rainha e senhora de Portugal, transporta-nos para as origens desconhecidas dos antigos cultos pagãos (e mesmo pré-históricos), nos quais a senhora prenha, responsável pela fertilidade das terras e das gentes, se associa sempre á dependência profunda dos ciclos agrícolas e dos desmandos da própria natureza.
 
Singela e simples, a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição do Cercal é monumento angular que nos oferece as pistas necessárias para conhecer e compreender Portugal.