Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

cascalenses

cascalenses

Requalificar o Monte Estoril

João Aníbal Henriques, 28.10.16

 

 
O Monte Estoril é um dos mais fantásticos recantos do Concelho de Cascais. Resultando da conjugação de diversos factores extraordinários, para ali confluíram diversos contributos que transformaram o antigo Pinhal da Andreza num sítio pleno de charme e cheio de segredos e de histórias que o tornaram muito especial.
 
A visão dos seus fundadores, mesclada pelo carácter onírico que muito contribuiu para o encanto romântico que todos lhe reconhecem, foi a pedra basilar que sustentou um projecto arrojado e determinante que haveria de dar o mote para o subsequente nascimento dos Estoris e para a consolidação de Cascais como destino turístico de excepção em termos internacionais.


 
 
Mas o Monte Estoril beneficiou ainda do carácter visionário de muitos dos seus moradores que, desde o final do Século XIX, têm sido capazes de recriar o espaço em torno de uma vivência social e cultural única que foi sempre determinante para a consolidação da estrutura urbana em que a povoação assenta.
 
Tendo sido o primeiro projecto urbanístico criado de raiz em Portugal, o Monte Estoril foi cadinho de experiências diversas que a memória local ainda consegue preservar. Do “Jazigo” de Manuel Duarte aos torreões altivos da “Vivenda Miramonte”, passando pelo autêntico castelo do antigo “Hotel Miramar” ou pela selva romântica que ainda sobrevive da inesquecível “Villa Montrose”, são muitos os exemplos de peças arquitectónicas cenograficamente integradas na localidade e que constroem no Monte Estoril um ambiente irrepetível em qualquer outro lugar de Portugal.


 
 
Mas, como pérola que é, o Monte Estoril foi sempre também alvo privilegiado da cobiça, do desnorte eleitoral e da incapacidade política que pontualmente vai afectando a vida neste concelho. Foi-se salvando, sem se livrar de pontuais atentados contra a sua excelência perpetrados aqui e ali ao longo dos tempos, pela argúcia, capacidade de entrega e devoção imensa dos Monte Estorilenses que desde sempre foram imbatíveis na defesa dos interesses do local.
 
Em 2002, quando Cascais começava a respirar de alívio depois da autêntica onda de betonização que varreu o concelho desde meados da década de 80, a Associação de Moradores do Monte Estoril preparou um plano global de salvaguarda urbana e patrimonial que entregou à edilidade cascalense.
 
O projecto, intitulado “PIRME – Projecto Integrado de Requalificação do Monte Estoril”, foi uma das mais inéditas e inovadoras propostas de requalificação urbanística jamais realizadas em Portugal, apresentando uma visão independente e livre de um grupo muito vasto de moradores, comerciantes, hoteleiros e demais operadores que trabalhavam no local. Da comissão promotora faziam parte Alfredo Dias Valente de Carvalho, António Pinto Coelho de Aguiar, Diogo Velez Mouta Pacheco de Amorim, Jaime Roque de Pinho de Almeida (Lavradio), João Aníbal Queirós Felgar Veiga Henriques, Joaquim Manuel Cardoso Mendes, José Francisco Gomes Santos Fernandes, José Luís de Athaíde de Almeida e Silva, Luís Miguel Lupi Alves Caetano, Manuel Pinto Barbosa, Paulo Ribeiro Maia de Loureiro e Salvador Correia de Sá.


 
Tinha como objectivo principal, para além de recriar um perímetro de protecção em torno das fronteiras urbanas do Monte Estoril, o de garantir que os moradores cumprissem aquilo que consideravam o seu dever participar na gestão e na orientação dos destinos da sua terra. Diziam de forma sublinhada que o fazia “à margem dos partidos políticos, mas não contra eles”, com uma forma de participação responsável, cordata e consciente. Mas também exigente…
 
Como é fácil de perceber, a qualidade incontestável do documento, atestado até pelas mais proeminentes autoridades políticas do Cascais de então, em nada influi nos destinos do Monte Estoril. A Sua independência relativamente aos muitos interesses de toda a ordem que sempre sobreviveram naquele local, condenou-o ao fracasso e a uma frustrante viagem em direcção ao caixote do lixo.


 
 
Com a entrada em vigor do novo PDM – Plano Director Municipal, que não assume a vocação municipal do concelho e que, por isso, não define as linhas programáticas estratégicas que hão-de marcar a existência urbanística do Concelho durante o seu período de vigência, alterou-se de forma substancial a política de salvaguarda patrimonial no Monte Estoril. Ao contrário do que até aqui existia, o novo PDM renega a unidade urbanística da localidade, composta por um conjunto de edifícios que a própria AMME inventariou e integrou no PIRME, e aposta numa apreciação casuística das intervenções que venham a ocorrer nos limites da localidade. Faz depender, desta forma, todo e qualquer projecto que venha a surgir do gosto específico de quem o aprecia. E assim, destruindo a unidade urbanística que deu corpo à excelência deste local, coloca em risco o carácter único e especial que ainda caracteriza o Monte Estoril, abrindo portas para quase tudo seja possível ali fazer.
 
Nesta época de mudança profunda que agora começa, importa homenagear a AMME pela coragem e determinação que colocou na apresentação deste inédito projecto. E relembrar todos os Cascalenses de que o Monte Estoril tem sido capaz de defender o seu carácter extraordinário desde meados do Século XIX. 
 

O Obelisco da Memória em Angra do Heroísmo e a Guerra Civil Portuguesa

João Aníbal Henriques, 24.10.16

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Um dos piores flagelos que afectou Portugal ao longo da sua História, foi a guerra civil, decorrida entre 1828 e 1834, que opôs os reis e irmãos D. Miguel e D. Pedro IV numa luta fratricida que quase destruiu o País.
 
D. Pedro de Alcântara de Bragança, filho primogénito do Rei Português D. João VI, recebeu em 1820 a incumbência do seu pai de ficar no Brasil em seu nome, com a função de príncipe regente. Devia, durante a ausência do pai na metrópole para tratar dos assuntos relacionados com a Revolução Liberal, representar a Coroa de Portugal nas terras de além-mar. Mas, pressionado pelos liberais Portugueses a regressar à metrópole e a fazer regredir o estatuto autonómico do Reino do Brasil, o príncipe cede aos interesses da antiga colónia e, num acto de traição da Portugal, é aclamado Imperador do Brasil, no dia 12 de Outubro de 1822, depois de ter proclamado a independência do novo reino num episódio que passou a designar-se como o “Grito do Ipiranga”.
 
 
 
 
A solução de governabilidade e sucessão encontrada depois da morte de Dom João VI, passava pela colocação no trono Português da sua neta D. Maria da Glória, filha primogénita do seu filho brasileiro, que deveria desposar, para garantir o sustento jurídico do seu vínculo Real, o seu tio Dom Miguel de Bragança. Dado que a legislação em vigor não permitia que um só monarca acumulasse dois tronos e a praxis jurídica Portuguesa determinava o ‘Grito do Ipiranga’ como um acto de traição à Pátria fazendo cessar quaisquer direitos sucessórios que o seu promotor pudesse ter, este acordo adaptava-se às circunstância e selava-se assim um pacto que garantia a soberania de Portugal e do Brasil, ao mesmo tempo que se acautelavam os interesses das duas Nações no xadrez político que estava a definir novas fronteiras no Mundo de então.
 
Mas, como nem sempre a linearidade dos acontecimentos se compadece com as necessidades do dia-a-dia, os interesses específicos do Brasil, de França e da Inglaterra, misturados ainda com o clima de tensão que nunca se diluiu relativamente à presença Holandesa em terras de Vera Cruz, acabaram por determinar uma alteração substancial nos compromissos políticos assumidos. O Imperador do Brasil, com o apoio dos liberais ingleses, cujos interesses eram muitos e muito variados em Portugal, recebeu a incumbência de recuperar a Coroa Nacional, alegando que o seu irmão, entretanto aclamado Rei pelo povo português, havia quebrado o pacto e o juramento feito à Carta Liberal.
 
 
 
 
Dom Miguel, de espírito vivo e de coração profundamente vincado pelos interesses da Nação Portuguesa, não acatou as ordens do irmão brasileiro e recusou responder de forma cabal aos interesses ingleses. E o resultado, de todos bem conhecido, foi uma guerra civil terrível que dividiu o País em dois e que teve como principal consequência um estado de permanente dependência relativamente a Inglaterra.
 
Quando as Cortes de 1828 aclamaram Dom Miguel como Rei de Portugal, num acto de autonomia relativamente àquilo que haviam sido os principais laivos da determinante movimentação liberal que afectou o País nesta época, passaram a estar em causa um conjunto de leis que haviam sido definidas por países estrangeiros com interesses diferentes daqueles que eram os dos Portugueses de então. Dom Miguel, expressão completa daquilo que sempre havia sido a pedra angular da Portugalidade, representava assim um renovado sopro de independência do País relativamente a interesses terceiros, possivelmente deixando antever ainda alguns resquícios da essência nacionalista que resultou da Revolução de 1640.
 
O regresso à política municipalista, recuperando práticas antigas do Portugal de antanho, foi uma das medidas mais populares tomadas pelo novo Rei. Dando um passo atrás e recuperando valores associados ao absolutismo, renegando políticas estrangeiradas que haviam entrado em Portugal através de organizações de índole sobretudo inglesa e francesa e que nada tinham a ver com a tradição local, Dom Miguel alcança o apoio incondicional do povo, da nobreza tradicional e da Igreja. Mas o esforço diplomático internacional levado a cabo pela Coroa, querendo fazer reconhecer o rei, apenas consegue o apoio dos recém-nascidos Estados Unidos da América e do Vaticano, tendo-se debatido com o firme silêncio das restantes nações europeias.
 
 
 
 
O seu irmão, Imperador Dom Pedro I do Brasil, por seu turno, desenvolve contactos no mesmo sentido com os mais importantes movimentos liberais e para-maçónicos da Europa. Tendo conseguido o seu apoio, que tinha como principal objectivo o recuperar desses valores políticos liberais, acaba por abdicar do trono brasileiro, onde deixou o seu filho mais velho que foi aclamado como Imperador Dom Pedro II do Brasil, e regressa a Portugal com o objectivo de usurpar o trono.
 
A guerra civil entre absolutistas e liberais, apoiantes de Dom Miguel e de Dom Pedro, começa assim a dilacerar o País, impondo um clima de terror absoluto que vai mudar durante muitos anos a existência dos Portugueses. Começando por ser favorável aos miguelistas, que contavam com o apoio da maior parte dos Portugueses, o rumo da guerra mudou de forma inexorável quando Dom Pedro recebe o apoio dos ingleses. Depois de desembarcar nos Açores, onde transformou a Ilha Terceira e a Cidade de Angra no seu quartel-general, Dom Pedro lança uma série de ofensivas bem conseguidas contra o exército Português, alcançando vitórias que acabarão por ser vitais para o controle efectivo de Portugal.
 
A dureza das batalhas, bem documentada através da longevidade que a sua memória alcançou, teve o seu apogeu precisamente no Arquipélago dos Açores, que serviu de cenário para alguns dos seus mais ensanguentados episódios.
 
Na capital da Ilha Terceira, a força dos combates foi tão grande que o Rei D. Pedro IV, depois de recuperar o controle do trono, decide alterar o nome da cidade. A velhinha cidade de Angra, ganha então o epíteto ‘do Heroísmo’, que passa a integrar-lhe o nome com o objectivo expresso pelo rei de não deixar esquecer o heroísmo dos soldados liberais que ali apoiaram a sua causa.
 
 
 
 
No Alto da Memória, num flanco sobranceiro à cidade de Angra do Heroísmo, existe ainda hoje um estranho obelisco de forma piramidal, conhecido como o “Obelisco da Memória” que recorda essas batalhas. Erigido em 1856, foi feito com pedras retiradas do antigo Castelo dos Moinhos e integrando uma pedra trazida do porto da cidade, que teria sido lendariamente a primeira pedra pisada pelo Rei Dom Pedro IV quando chegou à Ilha Terceira.
 
A sua estética profundamente maçónica, com a sua estrutura piramidal que não nega a sua origem estrangeira, assenta numa vasta e complexa estrutura simbólica que traduz de forma muito assertiva o conjunto de valores e princípios que determinaram o apoio europeu ao Rei Dom Pedro. É essa influência, aliás, que melhor explica a dicotomia entre um país que genericamente apoiava o seu rei absoluto, Dom Miguel, e que se confrontou com as movimentações liberalizantes que pouco ou nada tinham a ver com as práticas reais em Portugal.
 
 
 
 
Mais do que a evolução das mentalidades que sustentavam a Coroa de Portugal, o obelisco piramidal do Alto da Memória, em Angra do Heroísmo, é a chave que permite interpretar as muitas mudanças que o País conheceu daí em diante e que, na sua generalidade, se prolongam até hoje no devir quotidiano dos Portugueses.
 
Deve ser visitado e conhecido, num esforço de interpretação que deixa antever aquilo que outrora foi Portugal.

João Sande e Castro e as Contas do Desporto em Cascais

João Aníbal Henriques, 17.10.16

pizap.com14767253171841.jpg

  

Um dia chegava eu à reunião […] e ia-se votar a construção do centro comercial CascaisVila. Após duas horas de discussão acesa e quando já passava das oito da noite, Judas perguntou, como é da praxe: ‘quem vota contra?’ Dei por mim sozinho com a mão no ar. Não que me arrependa de o ter feito. Pelo contrário, sinto bastante orgulho nisso. Apenas eu na altura fiquei um pouco espantado por ser o único a votar contra, por os meus colegas da oposição não terem votado em igual sentido.”
 
 
42 anos depois da revolução da liberdade, o prestar de contas político é de uma raridade confrangedora! E esse facto conduz a um progressivo afastamento entre eleitores e eleitos e a  um desinteresse generalizado que vai matando de forma paulatina a própria democracia.
 
O exercício da democracia, quando é concretizado sobre a escolha de propostas e programas por parte dos eleitores, só se completa quando os eleitos prestam contas do que fazem. A transparência relativamente ao que se fez e às opções que se tomaram, quando tudo isso acontece em consciência, pressupõe que ao eleitor é dada toda a informação. É esta que lhe permite analisar o desempenho do eleito e perceber quais foram os seus critérios de governação.
 
E foi isto precisamente que fez João Sande e Castro, antigo vereador da Câmara Municipal de Cascais que, num acto inédito na Nossa Terra, apresentou publicamente o seu livro “Desporto em Cascais”.
 
Passando em revista o seu trabalho à frente do Pelouro do Desporto na edilidade Cascalense, o ex-autarca analisa de forma detalhada cada projecto, cada iniciativa e cada decisão que tomou durante o período em que durou o seu mandato, explicando quais foram as ideias e os critérios que presidiram à sua actuação e as opções que tomou relativamente a quase tudo aquilo que lhe passou pelas mãos.
 
Podemos concordar ou discordar com as suas escolhas. Podemos acompanhá-lo nas suas opções político-ideológicas ou situarmo-nos nas antípodas das mesmas. Mas ninguém pode negar que, com este livro, João Sande e Castro presta um contributo inestimável para a consolidação da democracia e para o exercício de rigor e transparência que quase sempre falta nesta Nossa Terra.
 
E quando assim é, só pode ser a Bem de Cascais!...
 
 
 
 
João Sande e Castro tutelou o pelouro do desporto na Câmara Municipal de Cascais durante 12 anos. 
Neste livro descreve, de forma informal, o que foi a sua experiência na vereação e as 
relações da autarquia com os clubes do concelho.

O Triste Estado do Forte da Cadaveira em São João do Estoril

João Aníbal Henriques, 17.10.16

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Conhecido oficialmente como Forte de São Teodósio ou da Cadaveira, o Forte d’Assubida, como popularmente é designado, situa-se a Nascente da Praia da Poça, em São João do Estoril, numa as margens da Ribeira da Cadaveira.
 
 
 
 
A estrutura, de cunho simples e desenhada com o objectivo de ser eficaz, foi erguida durante o período das Guerras da Restauração, logo depois de 1640. Integrando-se numa linha defensiva de larga escala contra as tentativas de reconquista do poder luso por parte dos exércitos espanhóis, o Forte de São Teodósio defendia a enseada da Praia da Poça, em fogo cruzado com o Forte Velho, situado na outra margem da ribeira. Deste plano de defesa da Costa de Lisboa, que se prolongava desde São Julião da Barra até ao Cabo da Roca, faziam parte mais de uma dezena de fortificações de várias dimensões, adaptando-se a orografia dos terrenos onde foram construídas.
 
O Forte da Cadaveira, com planta quadrangular semelhante às restantes, apresenta um pátio central a partir do qual se distribuíam os espaços interiores. Os quartéis e o paiol, sustentando um terraço de onde se obtém uma das mais extraordinárias vistas dos Estoris, viram a sua segurança reforçada, já em pleno Século XVIII, com a construção de três guaritas que passaram a permitir o patrulhamento nos principais ângulos de acesso à praia.
 
 
 
 
Classificado como Imóvel de Interesse Público desde Setembro de 1977, o Forte da Cadaveira conheceu uma história atribulada e nada linear. Depois de ter sido desactivado das suas funções militares, em 1843, o edifício foi entregue à Santa Casa da Misericórdia de Cascais que, por sua vez, o cedeu a um particular. Este, por seu turno, devolveu-o à Misericórdia que em 1942, depois do início das obras de construção da Avenida Marginal, o entregou à Guarda Fiscal, que aí se instalou até época recente. Já neste século, o edifício veio parar às mãos da Câmara Municipal de Cascais que prontamente anunciou um projecto para o local. Mas, por qualquer motivo que possivelmente alguém conhecerá, foi agora completamente abandonado, com a porta aberta e o interior acessível a todo o tipo de destruição.
 
O cenário que hoje apresenta o Forte da Cadaveira é dantesco. A porta destruída abre o espaço para o pátio coberto de lixo e de restos de fogueiras. E os alojamentos, ainda há pouco tempo em excelente estado de conservação, estão agora completamente destruídos, alguns com sinais de incêndio e os restantes cobertos de lixo nauseabundo e de seringas usadas. A bateria, de onde é possível observar a passagem magnífica do local, está praticamente coberta de entulho e o cheiro a fezes, combinado com os restos de refeições já apodrecidos e com centenas de garrafas partidas, torna praticamente impossível visitá-la.
 
 
 
Não existem palavras para descrever o estado em que se encontra este edifício classificado e que faz parte do património Cascalense. Responsáveis pela situação actual haverão certamente. E é deles a responsabilidade pela destruição da memória e da identidade dos Cascalenses.
 
 
 
 
 

Abreu Nunes - 50 Anos de Saudades em Cascais

João Aníbal Henriques, 14.10.16

 

 
 
 
Cumprem-se por estes dias 50 anos desde o falecimento, em Cascais, do Engenheiro Augusto Jayme Telles de Abreu Nunes. Nascido no Funchal em 30 de Outubro de 1891, o Engenheiro Abreu Nunes é hoje, por infelicidade dos tempos em que vivemos, figura quase desconhecida dos Cascalenses. Mas do seu empenho na defesa de Cascais e da sua vida dedicada a esta Nossa Terra, depende quase tudo o que o município é hoje.
 
 
A intervenção cívica de Abreu Nunes começa logo depois da sua chegada a Cascais. Em 1934, quando Cascais se preparava para enfrentar os desafios enormes que foram o resultado das alterações provocadas no Mundo e na Europa pelas guerras mundiais, foi ele quem esteve à frente do processo de criação da Comissão Administrativa da futura Comissão de Propaganda de Cascais, organismo embrionário da futura Região de Turismo do Estoril.
 
 
 
 
Na senda do trabalho realizado por Fausto Cardoso de Figueiredo, mentor e principal impulsionador do primeiro projecto turístico de Portugal – o Estoril -, Abreu Nunes cria em Cascais as bases que hão-de servir para promover a região a nível internacional. Com uma visão fora do seu tempo, aliando a capacidade de concretizar à noção exacta da importância deste recanto no contexto da animosidade crescente que grassava no velho continente, foi ele quem imaginou o Estoril como espaço privilegiado para receber em imensos exílios dourados grande parte das principais figuras da aristocracia mundial, reservando para o município Cascalense a honra de se ter tornado num dos destinos turísticos de referência no contexto europeu.
 
 
 
 
À frente da Comissão de Propaganda de Cascais, foi durante muitos anos responsável pelo programa de festas na velha vila piscatória, elaborando um vasto conjunto de iniciativas que desenvolviam a região fomentando a actividade económica e promovendo-a a nível internacional. E, mais importante do que tudo o resto, organizou estes eventos sempre com um cariz de intervenção social. De facto, dos bailes de Carnaval aos concursos de montras e de flores, tudo o que acontecia na região tinha como objectivo a angariação de fundos que serviam para apoiar as grandes obras de que Cascais necessitava para apoiar os mais pobres. As escolas, os lares de idosos, o velho hospital e a Praça de Touros, são somente alguns exemplos de equipamentos de que Cascais foi dotado com verbas oriundas da animação organizada por Abreu Nunes na comissão.
 
Foi também ele quem, em 1934, esteve à frente da inédita organização do primeiro concurso hípico de Cascais, no espaço onde mais tarde se haveria de construir o Hipódromo Municipal Manuel Possolo, recriando assim uma das mais arreigadas tradições desta terra.
 
Mais tarde, em Janeiro de 1939, o Engenheiro Abreu Nunes extingue a velha comissão e dá origem à nova Sociedade Propaganda de Cascais, da qual será o primeiro presidente, entidade que promoverá a construção da Maternidade de Cascais, do Clube Naval de Cascais, do novo Hospital da Misericórdia, etc.
 
Reconhecendo a sua dedicação e a capacidade de concretização demonstrada através das várias iniciativas que desenvolveu, o Governo de Portugal convida-o para instituir e presidir à Junta de Turismo da Costa do Sol. Nesse novo cargo, Abreu Nunes foi um dos pilares da estratégia de promoção internacional da marca turística ‘Estoril’ que durante 100 anos será uma das mais pujantes e bem conseguidas operações turísticas de Portugal.
 
 
 
 
A dinâmica da Junta de Turismo, que utilizava as mais modernas técnicas de marketing daquela época, é um dos traços da posição vanguardista de Abreu Nunes no Portugal de então. Os cartazes de promoção do Estoril, impulsionadores de muito daquilo que virá a ser a propaganda oficial de Portugal, traduzem bem o projecto que ele defendia para transformar esta terra numa espécie de Côte d’Azur Portuguesa.
 
No dia 12 de Outubro de 1966, a poucos dias de celebrar o seu 75º aniversário, o Engenheiro Abreu Nunes faleceu na sua casa de Cascais, deixando um legado que mudou literalmente a face da sua terra.
 

 

Cinquenta anos depois, vale a pena relembrar este Cascalense, na certeza de que a aura de excelência que hoje acompanha Cascais muito deve à sua capacidade de visão e ao mérito da sua aposta na promoção fundamentada do seu (nosso) Estoril. 
 
 
 

As Armas de Cascais

João Aníbal Henriques, 04.10.16

Cascais.png

 

Representando a História e os principais valores associados à actividade piscatória no Concelho, o Brasão de Cascais foi aprovado pela Comissão Administrativa de Cascais em Abril de 1934.

 

A constituição heráldica das armas do Concelho, assente na Portaria nº 7839 desse mesmo ano, define com muita clareza os contornos do símbolo oficial de Cascais: "De prata com um castelo de vermelho, aberto e iluminado de prata, sobre uns rochedos de negro, saindo de um ondado de prata e de verde. O ondado coberto de uma rede de ouro. Coroa mural de prata de quatro torres. Listel branco com os dizeres Câmara Municipal de Cascais a negro. Bandeira vermelha. Cordões e borlas de prata e de vermelho. Lança e haste de ouro. Selo circular tendo ao centro as figuras das armas sem indicação dos esmaltes, tudo dentro de círculos concêntricos, com os dizeres Câmara Municipal de Cascais”.

 

A descrição oficial da simbologia municipal, explicada no próprio website oficial da Autarquia (www.cm-cascais.pt), diz que “o castelo representa a praça-forte, que impusera Cascais enquanto sentinela avançada de defesa da entrada do Tejo e, consequentemente, de Lisboa. Já o esmalte vermelho do castelo é a cor que, heraldicamente, significa vitória, ardis e guerras, e representa ainda a vida, a alegria, o sangue e a força. Por sua vez, a prata do campo das armas demonstra humildade e riqueza, qualidades dos naturais da região. O negro dos rochedos representa a terra e significa firmeza e honestidade, qualidades que também sempre distinguiram os naturais de Cascais. Note-se que o ondado de prata e o verde são as cores indicadas para simbolizar o mar, tanto mais que heraldicamente o verde corresponde à água e significa esperança e fé. Finalmente, a rede representa a vida activa dos cascalenses e o seu sustento, tendo a cor escolhida sido o ouro, que significa fortuna, poder e liberalidade. Refira-se, ainda, que o vermelho da bandeira teve por base a cor do castelo, o elemento principal das armas. A prata da coroa mural obedece à norma estabelecida para simbolizar as vilas”.

 

Apesar da importância destes símbolos na definição da Identidade Municipal de Cascais, com implicações práticas no devir quotidiano dos Cascalenses, têm sido vários os executivos municipais que optaram por recriar símbolos não oficiais que, utilizando estratégias de marketing que respondem a interesses propagandísticos distintos, acabam por desvirtuar e desformatar a imagem municipal.

 

O primeiro a proceder desta forma foi o Presidente José Luís Judas. Com o objectivo de demarcar a sua gestão do período precedente, optou por alterar o logotipo de Cascais. Embora mantendo o brasão oficial de forma integrada no novo desenho, acrescentou um facho de fogo cujo significado ainda hoje Cascais tem dificuldade em interpretar. Depois, com a chegada do Presidente António Capucho, tudo mudou novamente. Provavelmente com o mesmo objectivo de diferenciação relativamente ao período precedente, lá caiu definitivamente a heráldica oficial do município que foi substituída por um quadrado encarnado no qual surgia a letra C. E quando ele saiu, mantendo-se no entanto à frente dos destinos do Concelho a mesma coligação de partidos por ele criada, o logotipo foi alterado novamente, possivelmente respondendo à mesma necessidade de afirmação propagandística que enformara as alterações anteriores. Desta vez desaparece o quadrado e o nome Cascais surge em negativo sobre um rectângulo cinzento, com as letras esburacadas por pequenos círculos aleatoriamente colocados.

 

Dir-se-á que é somente uma questão de gosto e que as alterações sucessivas representam unicamente a passagem do tempo. Mas não é. Cada uma destas operações tem significativos custos associados que, sendo pagos pelos Cascalenses, não trazem nenhum benefício ao Concelho. Por outro lado, ao alterarem os símbolos que nos representam, deturpam a Identidade de Cascais, conduzindo a uma anomia generalizada que impede a representação efectiva dos Cascalenses.

 

O Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, aludindo à importância dos símbolos para a Identidade de Portugal, refere que “A diluição espiritual e cultural de um povo significará inevitavelmente a perca da sua identidade e a sua fusão num hoje sem futuro”.

 

Ninguém quer que isto aconteça na Nossa Terra!...

 

propaganda de cascais.jpg

 

 

 

Nossa Senhora da Conceição da Abóboda em Cascais

João Aníbal Henriques, 03.10.16

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
O dogma da Imaculada Conceição faz parte dos mais ancestrais arquétipos da Portugalidade. Praticamente desde a fundação da nacionalidade, provavelmente recuperando laivos de Fé que nos chegam desde o princípio dos tempos, que a Senhora da Conceição está directamente ligada aos mais importantes acontecimentos que regem a História de Portugal.
 
 
 
 
Em termos oficiais, foi no dia 8 de Dezembro de 1325, a pedido da Rainha Santa Isabel e por proposta do Bispo Dom Raimundo de Coimbra, que Nossa Senhora da Conceição foi decretada Padroeira de Portugal. Anos mais tarde, depois da Restauração da Independência Nacional, o Rei Dom João IV consagrou Portugal a Nossa Senhora da Conceição, sendo que desde essa altura, num reconhecimento perene à sua intervenção relativamente ao destino de Portugal, nenhum monarca Português voltou a usar a Coroa, colocada na imagem venerada em Vila Viçosa.
 
Também em 1385, na chegada ao trono da Dinastia de Avis, é Nossa Senhora da Conceição que corporiza a devoção principal de Portugal. Dom João I, Mestre de Avis, bem como o seu braço direito, o Condestável D. Nun’Álvares Pereira, dedicam a Nossa Senhora as suas vitórias e consagram-lhe o País numa profunda devoção. O Mosteiro de Santa Maria da Batalha, por um lado, e o Convento do Carmo, por outro, utilizam como sustentáculo de Fé precisamente o despojamento total relativamente à materialidade e uma entrega plena à Divindade. O Condestável, do alto do imenso poder político e económico que havia conquistado, entrega mesmo a sua vida, os seus bens e a sua própria identidade a Nossa Senhora, tendo morrido como simples Frei Nuno de Santa Maria, num exercício de despojamento total que representa a consagração profunda de Portugal ao seu novo estado.
 
 
 
 
Em Cascais, são vários os espaços de culto dedicados a Nossa Senhora da Conceição e geralmente relacionados com espaços de raiz rural, nos quais a memória colectiva preserva lembranças de antigos milagres onde a principal marca é a transmutação da matéria. Numa abordagem eminentemente alquímica relacionada com a importância de Nossa Senhora na defesa dos mais pobres e dos mais desesperados, numa linha que entronca nos milagres atribuídos à Rainha Santa, simultaneamente mulher do Rei Dom Dinis e zeladora dos interesses (leia-se conhecimentos) templários preservados em Portugal através da Ordem de Cristo, Nossa Senhora da Conceição intervêm directamente junto da comunidade Cascalense, interferindo positivamente no seu quotidiano e provocando alterações profundas na prática religiosa desta Nossa Terra.
 
Na localidade da Conceição da Abóboda, junto a Polima, na Freguesia de São Domingos de Rana, Nossa Senhora apareceu a uma pobre e esfomeada pastora que por ali andava a tomar conta do seu rebanho. Pedindo-lhe que se dirigisse à vizinha localidade de Freiria, enquanto ela própria zelava pelos animais do rebanho, Nossa Senhora indicou à pastora um forno de pão ao qual se deveria dirigir para pedir alimento. Ali chegada, a pastorinha explicou à forneira que a Senhora lhe tinha aparecido e pedido que colocasse para si um pouco de pão no forno. Esta, zombeteira e não acreditando na criança, põe no forno uma bola minúscula de massa que, depois de cozer se transforma num enorme pão. Não o querendo entregar, repete a operação com uma quantidade de massa ainda mais reduzida, mas o fenómeno volta a repetir-se de igual maneira. E numa terceira tentativa, colocando no forno uma míseras migalhas de farinha que dão origem ao maior pão jamais cozido naquele forno, a padeira apercebe-se da estranheza do que estava a acontecer e convence-se de que fora efectivamente a Senhora da Conceição que ali estava a intervir.
 
Simultaneamente, perto do local onde havia ficado o rebanho, um fidalgo local andava a caçar lebres. Um acidente, no entanto, fez com que a sua espingarda tivesse rebentado com um tiro mas, milagrosamente, sem lhe provocar qualquer espécie de ferimento. Tentando perceber o que se passava, o senhor encontra a pastorinha e a forneira que lhe contam o que se havia passado, tendo ele mandado erguer uma pequena ermida no local onde aparecera Nossa Senhora, como agradecimento pela sua intervenção miraculosa no acidente que sofreu.
 
 
 
 
A Capela de Nossa Senhora da Conceição da Abóboda é, assim, um testemunho físico extraordinário da ligação precoce que o povo de Cascais tem à Padroeira de Portugal, numa expressão de singeleza profunda que segue em linha com o apelo ao despojamento que o culto mariano expressa na sua origem sagrada.
 
De linhas simples e com elementos decorativos de índole profundamente rural, a capela apresenta uma só nave, onde sobressai a pedra tumular datada de 1579 mandada construir por Frei Gonçalo de Azevedo e o remate do arco de acesso ao Altar no qual se podem ver as cruzes da Ordem de Malta, à qual pertencia o frade fundador. No corpo da capela, merece especial destaque a imagem de Nossa Senhora do Ó, de origem desconhecida mas certamente de origem ainda medieval, entroncando no culto provavelmente pré-Cristão que evolui até chegar precisamente à Senhora da Conceição.
 
 
 
 
A singeleza da velhinha Capela de Nossa Senhora da Conceição da Abóboda contrasta de forma extraordinária com a grandeza do significado profundo que ela agrega e, sobretudo, com a sua importância na definição da Identidade Cascalense. Assumindo que a própria Nacionalidade depende das bases de sustentação ao nível da cultura e da espiritualidade, facilmente se percebe que a Capela da Abóboda é peça essencial do património municipal de Cascais.
 
Deve ser conhecida, reconhecido e valorizada.
 
A bem de Cascais!