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El-Rei Dom Sebastião: O Desejado de Portugal

João Aníbal Henriques, 20.01.20
 
 
 
 
Cumprem-se hoje 466 desde o nascimento de Dom Sebastião de Portugal. O Desejado de Alcácer Quibir, que carrega consigo o fado maior que explica o fado de Portugal, transcende largamente o homem que foi Rei, pois enquadra, contextualiza e explica muito daquilo que é a essência mais profunda de Portugal. 466 anos depois do seu nascimento, urge celebrar o Desejado, porque nele subsistem, mesmo tantas agruras depois do seu misterioso desaparecimento, as esperanças maiores de um País inteiramente inquietante.
 
 
por João Aníbal Henriques
 
 
El-Rei Dom Sebastião, filho do Príncipe Dom João e neto d’El Rei Dom João III, nasceu num dos mais conturbados e controversos momento dinásticos de Portugal. A morte dos vários filhos do Rei e a inexistência de descendência por parte dos que sobreviveram, condicionou de tal maneira as possibilidade de sucessão no trono que, até ao nascimento de Dom Sebastião, a única possibilidade viável seria a da entrega do trono à Princesa D. Maria Manuela que, por força das contrariedades, sendo casada com o Rei D. Filipe II de Espanha, naturalmente representaria a entrega da independência de Portugal ao nosso vizinho do lado.
 
Dom Sebastião foi assim, mesmo antes do seu nascimento, o Rei desejado, aquele no qual Portugal inteiro depositava as suas esperanças e do qual se esperava a restauração do esplendor perdido de um País que ainda pouco tempos antes havia conseguido mudar o Mundo e enriquecer de forma desmesurada.
 
E as contrariedades, agravadas por ser ele filho único de um pai que faleceu dias antes do seu nascimento, originando um movimento fervoroso de misticismo em torno do seu bom parto, aumentaram ainda mais quando morreu igualmente o seu avô, El-Rei Dom João III, quando o novo príncipe tinha apenas três anos de idade.
 
Terá sido, aliás, este clima de super-protecção e quase endeusamento, que terá conferido ao príncipe o seu conhecido e reconhecido mau feitio e uma soberba sem igual. Rezam as história da História, numa crónica prenhe de detalhes, que Dom Sebastião era uma figura de muito difícil trato. Não recebia ninguém, não se permitia dar ouvidos a nada e decidia tudo a seu bel-prazer do alto do seu pedestal sagrado, numa atitude de autismo profundo que condicionada de forma grave a sua noção do Mundo e de tudo aquilo que o rodeava.
 
Depois de um período sem grandes histórias, que correspondeu à sua infância e às regências da sua avó Catarina da Áustria e do seu tio-avô o Cardeal Dom Henrique, Dom Sebastião subiu ao trono quando atingiu os quatorze anos de idade, numa cerimónia lendariamente marcada pela intervenção do matemático Pedro Nunes, de Alcácer do Sal, que alegadamente terá tentado adiar este acto por ter visto nos astros que a data  lhe era aziaga…
 
Os dez anos que durou o reinado foram marcados por um declínio paulatino de Portugal. O Rei, muito condicionado pela sua visão distorcida da vida e do Mundo, sonhou quimericamente com os grandes feitos das conquistas de outros tempos e a sua faceta religiosa, possivelmente resultante da pressão sofrida durante toda a sua infância, impunham-lhe a determinação de se transformar num novo cruzado. Extemporâneo e teimoso, dedicou a grande maior do seu tempo a rezar e a preparar uma incursão gloriosa no Norte de África, arrastando consigo, até porque a Corte não ousava contrariá-lo, as riquezas e o prestígio que ainda restavam ao País que ele governava.
 
Da sua privada resta também muito pouco. Tímido e introvertido, características que agravava com uma soberba sem igual, El Rei Dom Sebastião abominava as mulheres que considerava sempre serem a personificação do diabo. E, nessa luta contra a natureza e contra si próprio, agravava a componente mística da sua personalidade, mergulhando num cenário de irrealidade que o impediu de aceitar as normais rotinas de casamento e, por consequência, a descendência pela qual todo o povo ansiava.
 
 
 
 
A quimera africana, em linha com a megalomania egocêntrica que caracterizou todo o seu reinado, culminou, como todos sabem, na fatídica batalha de Alcácer Quibir que dizimou quase por completo a aristocracia de Portugal e deixou órfão o País inteiro. Ninguém viu morrer Dom Sebastião às mãos dos mouros naquela peleja. Até porque, sendo nobres os que foram e nobres igualmente os poucos que conseguiram regressar, parecia mal e era imoral deixar morrer o Rei sem por ele morrer primeiro… e por isso ninguém viu, ninguém soube nem ninguém sabe o que aconteceu ao jovem, inquieto e perdulário Rei de Portugal.
 
O Dom Sebastião que hoje recordamos não é exactamente aquele que nasceu há 466 anos, nem tão pouco o que pereceu de forma inglória no Norte de África. Por detrás desta figura, literalmente encoberto pelo nevoeiro de muitas eras e desfigurado pelo mais iniciático mito da Portugalidade, está o Quinto Império de Portugal, aquela ideia inconcreta do que há-de vir e que se afigurará num esplendor total para gáudio de todos e para glória da Nação.
 
O império salvífico que assim se esconde, conhecido de uns poucos, ansiado por outros tantos e pressentido por todos, não se traduz por palavras nem se concretiza na matéria vil do desencanto. É um sonho, que como tal comanda a vida e que, no caso concreto de Dom Sebastião, se traduz numa demanda geracional e secular por algo de bom que nunca chega mas que se sabe que está ali mesmo, escondida de forma harmoniosa por detrás da cortina de nevoeiro que nos envolve a Alma.
 
Esta é a Alma de Portugal. Esta é a demanda do Graal que corporiza a Lusitânia gloriosa que tantos sonharam. Este é a Via Verdadeira em direcção ao reinado pleno de quem conhece o segredo primordial…
 
Diz-se em Sintra que “quem nasce em Portugal é por missão ou por castigo”, e que mais importante do que o que temos ou fazemos, o que somos é que define a diferença entre o bem e o mal.
 
Dom Sebastião não existe. E apesar de ter nascido naquela madrugada fria de um Janeiro qualquer, perdeu-se na História e deu corpo a uma história que é a maior de Portugal.
 
Paz à sua Alma!

 

O Ultimatum Inglês de 11 de Janeiro de 1890

João Aníbal Henriques, 11.01.20

 

 
 
 
Numa outra Europa, numa outra realidade e noutro Mundo, na Conferência de Berlim, ocorrida nos anos de 1884 e 1885, os principais países ditos civilizados combinam entre si a divisão do Continente Africano. E fazem-no, de regra e esquadro na mão, em profundo desrespeito pelos Direitos do Homem… Em 1890, a Coroa Portuguesa recebe da parte do Primeiro-Ministro Inglês um telegrama com uma ignóbil ameaça: abandonar imediatamente os territórios africanos entre Angola e Moçambique…
 
 
por João Aníbal Henriques
 
 
Cumprem-se hoje 130 anos desde que Portugal sofreu uma das maiores injúrias da sua história. Pela mão de Lord Salisbury, o então acizentado Primeiro-Ministro Britânico, chegou a Portugal um telegrama dirigido a Sua Majestade El-Rei Dom Carlos instando a que as forças militares Portuguesas fossem retiradas de imediato dos territórios onde se encontravam entre as actuais fronteiras de Angola e Moçambique.
 
A história vinha de longe e demonstra bem a forma como se organizou a Europa em que hoje vivemos. Em 1884/1885, em Berlim, as principais potenciais Europeias, procurando evitar uma guerra que sabiam que seria devastadora (como foram mais tarde a I e a II Guerras Mundiais), juntaram-se para dividir entre si os territórios africanos.
 
 
 
 
 
E, em profundo desrespeito pelos povos que lá viviam, e que nem sequer são mencionados no dito tratado, fazem-no com regra e esquadro, como se dividissem entre si os despojos de um mero saque corsário a um navio qualquer.
 
De forma complementar, porque o território africano não tinha ainda sido completamente reconhecido e explorado, criam legislação que permite que os países que promovam essa exploração e que ocupem os territórios que ficaram foram das partes assumidamente entregues a cada um deles (as melhores certamente…) passam a deter direitos de posse sobre os mesmos.
 
O Monarca Português, Dom Carlos de Bragança, ciente da importância desta prerrogativa, desenvolve então o chamado “Mapa Cor-de-Rosa” que, em linha com o que havia ficado decidido na Conferência de Berlim, permitia a Portugal ligar os territórios de Angola e de Moçambique, explorando a parcela de espaço que ligava ambas as colónias.
 
 
 
 
O País, sempre desprovido de meios e da riqueza que sempre são necessários para estes grandes projectos, faz literalmente “das tripas coração” e desenvolve um grande projecto de exploração e ocupação do território africano, num ímpeto de descoberta que só é comparável ao período áureo da expansão marítima renascentista.
 
O resultado cedo se fez sentir, porque a Inglaterra, aliada de sempre de um Portugal dependente da bondade externa, logo avançou com o célebre ultimatum para impor a Portugal o abandono dos territórios que legalmente e ao abrigo das decisões tomadas em Berlim, o País se encontrava a explorar e que legitimamente pretendia integrar no espaço territorial Português.
 
Como facilmente se imagina, restava muito pouco espaço de manobra à Coroa Portuguesa e a ordem, desrespeitosamente enviada por correio, foi de imediato cumprida. Ficou abalada a Corte, ficou fragilizado o Rei, ficou diminuído o País. E Portugal demorou cerca de 50 anos a recuperar o brio perante o seu parceiro inglês.
 
 
 
 
Numa época como a actual, na qual se afigura urgente repensar a Europa que temos e em que vivemos, vale a pena analisar com acutilância o significado profundo do Ultimatum Inglês a Portugal. Porque na sua origem mais próxima, ou seja, nos meandros diplomáticos da Conferência de Berlim, se escondem grande parte dos mais significantes segredos da diplomacia Europeia de então. E foi com essa gente, nessa geração e com base nessa forma se ser, de estar e de pensar, que se começou a delinear o projecto da Europa actual.
 
 
E se o desrespeito pelo próximo foi o mais notório dos pilares então contruídos, não é igualmente displicente a falta de respeito dos grandes pelos pequenos e dos poderosos perante os oprimidos.
 
A assinatura do Tratado de Maastricht, em 1992, serviu de mote para a reformatação dos valores e princípios que haviam nascido em 1884-1885. Mas a opressão federalista que marca este tratado (e que nos constrange até hoje) pouco ou nada diverge da prepotência demonstrada pelos que detinham poder no Berlim de então.
 
Desde essa altura até agora tivemos na Europa duas Guerras Mundiais. Conhecemos dezenas de guerras civis e de conflitos de todas as espécies nos quais pereceram milhões de Seres Humanos sem culpa formada.
 
Chegou a hora, 130 anos depois, para repensar esta Europa, para reponderar Portugal e para o fazer em respeito profundo pelos valores maiores que a humanidade não pode deixar de fazer prevalecer.