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Scala Coeli – Um elevador para o céu no coração de Cascais

João Aníbal Henriques, 30.05.25
 

por João Aníbal Henriques

No coração do casco urbano de Cascais, junto à Igreja Paroquial e à Cidadela, está um dos edifícios mais extraordinários e enigmáticos da vila. O actual Centro Cultural de Cascais, que muitos conhecem ainda como as “Casas do Gandarinha”, foi inicialmente um convento oferecido por D. António de Castro, quarto Conde de Monsanto e Senhor de Cascais, e por sua mulher,  D.Inês Pimentel, à Ordem dos Carmelitas Descalços.

A cerimónia de colocação da primeira pedra, assim que foram firmados os termos da doação por parte dos Senhores de Cascais, aconteceu no dia 1 de Dezembro de 1594, depois de obtida a autorização papal e do arcebispado de Lisboa para esse efeito.

Mas não foi isento de problemas e de polémicas esse momento. Os militares sedeados na Fortaleza de Cascais, preocupados com a proximidade do futuro convento e com os projectos de ampliação da fortificação, tudo fizeram para embargar a obra. Mas não conseguiram e a inauguração aconteceu em 1641, logo após a restauração da independência nacional, quando ficou terminada a capela e o espaço de culto que lhe estava associado.

E no Convento de Cascais, com a sua matriz mariana e dedicado a Nossa Senhora da Piedade, logo se instalaram os primeiros religiosos que, para além do culto regular similar ao de outros espaços semelhantes existentes noutros locais, ali criaram aquela que vem a ser uma das primeiras escolas de filosofia de Portugal.

 

 

Hermética e sensível àqueles que eram os mistérios daquela época, a comunidade de Cascais enveredou por uma linha de pensamento desalinhada com os poderes vigentes e, num ímpeto de inovação espiritual, procurou conhecer os mistérios da vida e da morte, perpetuando correntes de pensamento quase heréticas que juntavam nomes como os de Raimundo Lúlio, Santa Teresa d’Ávila, Santa Isabel de Portugal, Alberto Magno ou São João da Cruz. A sua ciência, misturando os conhecimentos técnicos da época com os valores abstractos da Alquimia, ou seja, a “ciência de Maria”, produziam para o Mundo Profano a célebre “Água de Inglaterra”, que curava praticamente todos os males de que os cascalenses de então padeciam, e para os iniciados deixava as pistas que orientavam os frades na sua busca espiritual pelo Santo Graal, essa porta aberta para a verdadeira sabedoria. Os metais comuns transformar-se-iam em metais preciosos, da mesma forma que o espírito transcende a matéria alcançando a sacralidade superior e diluindo-se na própria essência de Deus.

As paredes velhas do antigo Convento de Nossa Senhora da Piedade, guardam ainda hoje esse segredo maior. E na memória perene de cada uma daquelas pedras, estão ainda as pistas que nos permitem perceber o alcance da Obra que dali se foi espalhando por toda a Terra. Assumindo-se como verdadeira Scala Coeli, o convento de Cascais era funcionalmente um elevador que transmutava as Almas mostrando-lhes o caminho que lhes permitia elevarem-se ao Céu.

Até porque o Ouro e as riquezas materiais, efémeras como é efémero o nosso conceito da linearidade do tempo, são substância de segunda importância quando comparadas com o manancial de vida que floresce do acto de transformar o pão que alimenta o corpo nas rosas que alimentam o espírito…

Por isso, onde hoje se promove a cultura e se constrói saber, viam os Carmelitas Descalços daquele tempo uma imensa escadaria que subiam pacientemente, um passo de cada vez, até chegarem ao Céu.

 

 

Nas escavações arqueológicas que a Associação Cultural de Cascais ali fez durante a década de 90 do século passado, sob a direcção de José d’Encarnação e Guilherme Cardoso, e que precederam as obras de remodelação das novecentistas Casas do Gandarinha para que fossem transformadas no actual Centro Cultural, foram trazidos à luz do dia os vestígios dessas outras vidas e desses outros tempos, num exercício catártico que fez Cascais recuar no tempo até à fatídica noite de 1 de Novembro de 1755 quando o grande terramoto destruiu de forma arrasadora aquele cadinho de saber.

Mas ainda hoje, passados mais de um quarto de século desde que o novo equipamento se abriu à curiosidade dos cascalenses, são poucos aqueles que possuem a chave encriptada que permite desvendar os segredos maiores que aquele Tabernáculo teimosamente continua a esconder.

Como se a vida e a morte, que os frades ali cantaram, fossem mesmo as partes complementares de casa Ser.

VEJA AQUI O FILME SOBRE A SCALA COELI DE CASCAIS:
 

Regresso do Presidente da República a Cascais Após Viagem aos Açores em 1941

João Aníbal Henriques, 22.05.25

 

por João Aníbal Henriques

Em Julho e Agosto de 1941, num contexto internacional marcado pela II Guerra Mundial, a República Portuguesa teve necessidade de afirmar a importância do Arquipélago dos Açores para a soberania nacional. Para tal, cumprindo aquele que era um desiderato sempre adiado desde a viagem efectuada àquele território pelo Rei Dom Carlos e pela Rainha Dona Amélia, o então Chefe de Estado, o General Óscar Fragoso Carmona, fez uma visita oficial preparada com minúcia e muito cuidado e apoiada por uma campanha de comunicação nunca vista em Portugal.

Com o perigo eminente de um ataque alemão àquela que era estrategicamente uma das mais importantes rotas de fuga numa Europa em guerra, os Açores eram igualmente visitados pelos interesses particulares de ingleses e americanos que Portugal tinha de rebater, afirmando-se historicamente como o país proprietário daquele território ultramarino. A visita do General Carmona foi, deste modo, a forma encontrada para propagar junto de todo o Mundo a soberania portuguesa sobre os açores e, no contexto da guerra, reforçar a importância de Portugal enquanto parceiro estratégico das potencias beligerantes mesmo mantendo a sua bem conhecida neutralidade política.

 


Tendo corrido da melhor forma e cumprido integralmente os propósitos para os quais havia sido concebida, a visita do Presidente da República aos Açores fez manchetes em toda a comunicação social nacional e internacional, levando consigo a mensagem subliminar do Estado Português, e enchendo de orgulho e de esperança os portugueses que viam nos dirigentes do Estado Novo a solução mais pragmática para os muitos problemas que afectam cronicamente Portugal desde há demasiadas décadas.

Como no resto do País, Cascais vibrou de forma entusiasmada como os ecos desta viagem. E os cascalenses, cientes do facto de a sua vila ter sido escolhida pelo histórico presidente para sua residência oficial, impavam de orgulho perante o sucesso alcançado por aquele que eles consideravam um deles.

O mais entusiasmado dos cascalenses com o êxito da iniciativa foi José Florindo d’Oliveira, o dirigente de sempre da Propaganda de Cascais que, politicamente muito próximo dos ideais propagados pelo Estado, aproveitava todas as oportunidades para contribuir activamente para que a sua terra fizesse parte do grande plano de salvar Portugal. E nesta ocasião, mesmo contra as opiniões oficiais que pediam às entidades locais que se alheassem da viagem do Presidente da República aos Açores, Florindo d’Oliveira teimou em organizar a sociedade civil cascalense para receber de forma gloriosa o General Carmona no seu regresso à Cidadela de Cascais depois de tão retumbante êxito alcançado em terras açorianas.

Em conluio com o Presidente da Câmara Municipal de Cascais, José Roberto Raposo Pessoa, organizou uma festa de boas-vindas ao Chefe de Estado marcada de forma brilhante por um convite feito a todos os cascalenses que possuíssem automóveis, de forma a que se concentrassem à entrada do território municipal, junto à Fortaleza de São Julião da Barra, acompanhando em desfile a entrada do General Carmona em Cascais e acompanhando-o ao longo da Avenida Marginal, em cortejo embandeirado, até à residência oficial na Cidadela.

 


Dizia Florindo d’Oliveira num panfleto que encheu todas as caixas de correio do Concelho de Cascais: “Preparemo-nos para festivamente aguardar a chegada do Exmº. Senhor Presidente da República! Depois da triunfal visita aos Açores o Chefe da Nação tornou-se ainda mais querido aos nossos corações! A admiração que temos por Sua Excelência, o respeito que nos inspira o alto cargo, que tão elevadamente desempenha, aumentam com as manifestações de carinho, admiração e respeito que todos os nossos concidadãos lhe tributam. Recebamos grandiosamente, na volta ao seu lar nesta nossa vila, o Exmº. Senhor General Carmona e a Sua Exmª. Família! Regosijarmo-nos pela sua feliz viagem é abraçar também o Portugal Insular, pela nobreza com que recebeu o Chefe da Nação comum! Gritar bem alto que muito queremos ao preclaríssimo Chefe da Nação é dizer ao Mundo o nosso amor a Portugal!”

 


E o povo de Cascais respondeu à altura ao apelo de Florindo d’Oliveira e José Raposo Pessoa, literalmente entupindo a Avenida Marginal, entre a entrada por Carcavelos e a Cidadela de Cascais, com milhares de automóveis ostentando orgulhosamente centenas de bandeiras de Portugal, e acompanhados ao longo da estrada e enchendo os passeios, por milhares de Cascalenses que gritavam apoteoticamente pelo seu vizinho Presidente.

A reacção do Chefe de Estado não se fez esperar e no mesmo dia, através de telegrama enviado para a Câmara Municipal e para a Sociedade Propaganda de Cascais, o General Óscar Carmona agradece de forma sincera e reconhecida a iniciativa da Sociedade Propaganda, da Câmara Municipal, na pessoa do seu Presidente e dos Vereadores, e de todas as entidades públicas e privadas que contribuíram para a organização deste evento, sublinhando o quão importante havia sido para ele e para a sua esposa essa grande manifestação de carinho por parte dos cascalenses. Diz ele que foi “uma manifestação que lhe calou muito no seu espírito e que jamais esquecerá!”

Nas contas apresentadas no final do evento, verifica-se que o investimento dos cascalenses no mesmo ascendeu  a 602$50, a que se somaram cerca de 300$00 que foram pagos directamente pela Junta de Turismo de Cascais para impressão dos cerca de 10.000 convites distribuídos à população, e mais 600$00 relativos à oferta de foguetes e morteiros lançados durante a festa e que foram pagos pelo Grupo Desportivo Estoril Plage.

 

 

 

Fotografias do AHMC – Arquivo Histórico Municipal de Cascais

O Louvor ao Trabalho do Campo na Aldeia de Murches em 1940

João Aníbal Henriques, 21.05.25
 

 

por João Aníbal Henriques

Em 1940, enquanto o Mundo se envolvia numa guerra de dimensões até essa altura inimagináveis, Portugal comemorava de forma sentida a grandeza da sua história através da alusão ao 800º centenário da Batalha de Ourique, em 1140, e o 3º centenário da Restauração da Independência Nacional, em 1 de Dezembro de 1640.

Pensada de forma a exaltar o passado glorioso do Império Português, e respondendo assim de forma indirecta às pressões das grandes potenciais internacionais que desejavam libertar as antigas colónias ultramarinas de forma a poderem controlar elas próprias as imensas riquezas que elas possuíam, este programa de comemorações assumia uma efectiva missão civilizadora, reforçando a identidade histórica do país e promovendo propagandisticamente o nacionalismo defendido pelo Estado Novo.

 


Cascais, desde sempre terra de Reis e de Pescadores, não se coibiu de apoiar e colaborar com a iniciativa, desde logo se empenhando numa série de iniciativas que compunham um programa comemorativo local e complementar às grandes eventos que estavam a ocorrer a nível Nacional. A sociedade civil cascalense, encabeçada pela Associação Comercial, pela Sociedade Musical, pela Associação de Bombeiros e pela Sociedade Propaganda, desenvolveu assim um conjunto inesperados de projectos nos quais participaram as entidades públicas de âmbito local e central.

Com o empenho muito particular de José Florindo de Oliveira, que na quantidade imensa de pedidos de apoio que endereça às mais variadas entidades públicas e privadas faz sempre questão de mencionar que os festejos de Cascais se inserem no vasto programa nacional comemorativo dos centenários, realizam-se em 1940, na aldeia de Murches, as festas de “Louvor ao Trabalho do Campo”. Explicando que com a inspiração que recebeu daquele que ela considera “o maior trabalhador de Portugal”, o Presidente do Conselho de Ministros, Doutor António d’Oliveira Salazar, pretende “ir ao encontro das necessidades e das dificuldades da boa gente do nosso campo, sem o ar ou o motivo e atitude de quem vai fazer uma esmola”, Florindo d’Oliveira  quer ajudar a comunidade agrícola que nessa altura ainda existia no Concelho de Cascais, e que tinha sido afectada por um péssimo ano agrícola que lhes havia condicionado de forma brutal os seus sempre muito precários rendimentos.

Diz ele que que ir “muito alegremente levar-lhes o conforto e o auxílio possível, tendo como protesto para tal fim uma festa de trabalho” com a apresentação de carros de lavoura, gados, alfaias, usos e costumes, de forma a evitar que os poucos que subsistem deixem de amanhar, cultivar e semear as poucas terras produtivas que subsistem em Cascais.

 


Para tal, escolheu a aldeia de Murches para receber este evento, não só porque tinha em seu torno um moinho e uma azenha, como porque tinha uma bem preservada capela dedicada a Santa Iria que lhe permitia juntar uma componente religiosa sempre muito importante para dignificar os festejos populares. Dizia ele, em correspondência trocada com o Secretariado de Propaganda Nacional, que queria aproveitar o cenário bucólico deste recanto campestre cascalense, para que a festa seja em tudo bem portuguesa, a bem da vivência das nossas aldeias e gritando de forma entusiasmada a parangona que serve de assinatura aos festejos nacionais: “Viva Portugal!”

Logo pela manhã, depois de um desfile etnográfico feito pelos alunos das escolas das aldeias vizinhas, todos os participantes reuniram-se junto à Capela de Santa Iria, em Murches, com as componentes da Mocidade Portuguesa que eram dirigidas pelo Comandante Joaquim Segurado. A solenidade dos festejos, sobretudo aqueles que contaram com a participação massiva da juventude de Cascais, foram primorosamente preparados de forma a impressionarem aqueles que a eles assistiram. Florindo d’Oliveira considerava que a solenidade ajudava a impressionar e a fixas no espírito os valores que presidiram à organização do certame e, desta maneira, a promover a mensagem que está subjacente ao próprio programa das comemorações.

A encerrar essa primeira manhã, uma salva de morteiros acentuou o carácter oficial da iniciativa, enquadrando a visita de honra à capela, onde a Mocidade de Portuguesa fez a guarda de honra ao altar, e que antecedeu a distribuição de prémios junto das crianças participantes. As meninas receberam um corte de vestido e um mapa de Portugal e os rapazes mais bem classificados receberam uma nota de vinte Escudos e o mesmo mapa de Portugal.

Os festejos religiosos seguiram-se presididos pelos priores de Alcabideche e de Cascais, e neles terão participado centenas de populares que ali acorreram oriundos das mais variadas paragens em torno de Lisboa.

 


A finalizar a festa e para regozijo de todos os participantes, realizou-se uma parada pecuária com enfoque nas especialidades equina, bovina, ovina e suína, que se dividiu ao longo das ruas que de diversas origens levavam ao adro da capela. Na primeira secção participaram garanhões de 3 a 10 anos de idade e cavalos castrados de 4 a 15 anos de idade. Na segunda secção estiveram éguas de criação e de trabalho. Na terceira secção brilharam juntas de bois mirandeses, conhecidos como “ratinhos” atrelados a carros ornamentados. Na quarta secção foi possível ver vacas taurinas e novilhas, que antecederam a quinta secção onde surgiam os rebanhos de ovinos compostos por ovelhas de raça burdaleira e saloia. Na última secção viam-se varrascos, com procos reprodutores de origem inglesa que se misturavam com porcos bízaros de origem local.

O júri que classificou os gados, os carros e as crianças que participaram nos festejos e que decidiu que prémios lhes ia entregar, era composto por Francisco Romano Esteves, Dr. Sousa Amado, Tenente Silva Reis, Dr. Alfredo Branco e Dr. António Sérgio Pessoa. A Comissão de Honra, em que participaram os grandes nomes das personalidades mais importantes de Cascais, como Armando Villar, António Muchaxo ou Abreu Nunes, era presidida pelo Capitão José Roberto Raposo Pessoa que nessa altura desempenhava funções como Presidente da Câmara Municipal de Cascais.

Integradas no programa extra-oficial do programa de Comemoração dos Centenário Nacionais, as Festas de Louvor ao Trabalho do Campo, em Cascais, destinavam-se a levar aos povos das aldeias cascalenses a ideia patriótica de uma Pátria enaltecida pelos feitos dos seus antepassados, apoiando assim os esforços que estavam a ser desenvolvidos em termos globais pelo Governo da Nação.

Fotografias do Arquivo Histórico Municipal de Cascais - AHMC

 

 

As Festas do Divino Espírito-Santo em Cascais

João Aníbal Henriques, 20.05.25
 

por João Aníbal Henriques

A ligação ancestral de Cascais à Igreja Católica, Apostólica e Romana existe desde tempos imemoriais. Logo em meados do primeiro século, quando os seguidores de Jesus abandonaram a designação de “Nazarenos” pela qual tinham ficado conhecidos, para assumirem a condição de Cristãos, que a palavra sagrada se espalhou rapidamente através da imensa rede de estradas que dava forma ao então Império Romano. E é crível, até porque a arqueologia nos oferece provas cabais da existência de redes comerciais entre o extremo Ocidental e a Cidade de Roma, que a nova doutrina tenha chegado depressa e sido estabelecida neste território.

Para além da Páscoa, numa extensão das práticas espirituais que vinham desde a época Judaica e que se adaptaram à nova religião que surgiu com a Morte e a Ressureição de Nosso Senhor Jesus Cristo, um dos momentos altos do calendário votivo entre os Cristãos era a comemoração do Pentecostes, ou seja, a celebração da descida do Espírito-Santo sobre os Apóstolos ao quinquagésimo dia após a Ressureição de Cristo.

Como refere João da Cruz Viegas num dos seus opúsculos sobre a História de Cascais, a “Páscoa do Espírito-Santo é festejada cinquenta dias depois da Páscoa Cristã e oito dias antes do Domingo da Santíssima Trindade, comemorando a descida do Espírito-Santo sobre os doze Discípulos de Cristo, pelas nove horas da manhã, quando estavam em oração com Maria Santíssima e outras santas mulheres no Cenáculo, casa situada no Monte Sião onde Jesus Cristo tinha celebrado a sua última Páscoa com os Apóstolos”.

 

 

De acordo com  as Sagradas Escrituras, o Espírito-Santo desceu sobre os doze Apóstolos como línguas de fogo, ganhando eles assim o dom de entender e falar vários idiomas simultaneamente, ganhando a graça de fazerem milagres e enchendo-se com a sensação avassaladora da imensa sabedoria que lhes foi entregue. Simbolicamente associado ao acontecimento, é a pomba branca que a Cristandade passou a utilizar para perpectuar na memória esta alteração paradigmática do rito fundacional daquela que haveria de se tornar na mais importante de todas as religiões professadas no Mundo durante dois mil anos.

Em Cascais, onde os primeiros templos Católicos acompanham a formação da própria nacionalidade, as festividades comemorativas do Pentecostes deverão ter existido pelo menos desde o Século XVI, quando no antigo Convento de Nossa Senhora da Piedade se instalou uma comunidade Carmelita que tinha no culto ao Espírito-Santo um dos seus pilares de Fé. Originalmente com um cunho muito simples, organizado em torno de um grupo de cascalenses que percorria as ruas da vila com uma bandeira evocativa da efeméride e que recolhia os donativos dos moradores para o pagamento das despesas com o “bodo” destinado a alimentar condignamente os habitantes mais pobres, depressa evoluíram para rituais mais elaborados, como o atestam em termos comparativos os festejos que ocorriam simultaneamente noutras partes do País e, aqui mesmo ao lado, na aldeia serrana do Penedo, em plena Serra de Sintra.

Nessa segunda fase, uma vez mais em continuidade com os velhos rituais ancestrais e provavelmente pagãos que eram concretizados nestas paragens desde a época Pré-Histórica, juntou-se aos festejos a figura de um boi que, muito enfeitado, percorria as ruas da vila de forma a mostrar aos desfavorecidos a qualidade da oferta que iriam receber.

Este ritual de partilha, concertada sobre uma espécie de pacto-social em que participavam os mais abastados habitantes locais, que dessa forma partilhavam com os menos afortunados a sua prosperidade no âmbito de um ritual religioso que esbatia a ideia de uma “caridadezinha” que muitas vezes inibia por vergonha os que verdadeiramente necessitavam dessa ajuda para sobreviver, garantia que todos tinham acesso à quantidade mínima de nutrientes que são necessários para preservar a saúde e o bem-estar da comunidade, nomeadamente das proteínas que raramente chegavam ao prato da maior parte dos cascalenses mais pobres.

 

 

Escolhendo para coroar como Imperador a crianças mais humilde, pura e pobre que encontrassem na terra, e que simbolicamente, devido aos seus predicados, se tornava naquelas festividades o cerne de toda a devoção dos cascalenses, a festa do Espírito-Santo terminava sempre com um jantar onde participavam as mais importantes personalidades locais, que pagavam integralmente a sua refeição e que, dessa maneira, se associavam ao ritual de viabilização do bodo dos pobres que seguidamente lhes era oferecido.  Muitas das senhoras de Cascais, num acto de abnegada devoção, adquiriam doses do bodo para elas próprias oferecerem aos mais pobres e guardavam consigo porções de pão benzido que utilizavam ao longo do ano para consagrar as efemérides mais relevantes.

João da Cruz Viegas, no opúsculo atrás referido, menciona os cascalenses ilustres que no jantar de 1903 se juntaram no antigo “Hotel Globo”, situada por cima da Mercearia Pedada, cumprindo este ritual que tão importante era para a Identidade da Nossa Terra: “Comendador Manuel Vieira d’Araújo Viana, que era o juiz da festa naquele ano; Dom Fernando Castelo Branco (Pombeiro), Administrador do Concelho; Rodrigo Luís Caldeira, Secretário da Câmara Municipal; Francisco da Silva Vedras; António Mendes Lopes, farmacêutico; João Desidério Nunes; João Campos; Alexandre Inácio; Domingos Vardasca; Júlio Ovidio Morgado; Domingos Teixeira dos Santos; e Manuel Pereira Dias”.

Este último, que ainda em vida passou a Cruz Viegas estas informações, explicou-lhe ainda que nesse ano de 1903 foram vinte e três os festeiros encarregues de fazer cumprir a tradição e que a despesa acumulada, que serviu de base à preparação do bodo popular, ascendeu a um total de 284$000 Reis.

Interrompidos provisoriamente depois da implantação do regime republicano, os Festejos do Espírito-Santo foram retomados em Cascais ao longo da década de 40 do Século XX por iniciativa de José Florindo de Oliveira e de Eugénio da Assunção que, como em quase tudo o que acontecia na vila durante aquela época, contaram com a entusiástica participação de Armando Penin Gomes Villar, então Presidente da Propaganda de Cascais e de Alberto Mourato que com ele assumiu a responsabilidade de pagar um boi para compor o bodo seco oferecido à população.

 

 

Nas Festas de 1943 o bodo foi servido aos pobres de Cascais nas instalações do antigo hospital anexo à sede da Santa Casa da Misericórdia, numa cerimónia que foi presidida pela Senhora Dona Maria do Carmo Fragoso Carmona, mulher do então Presidente da República, coadjuvada pela D. Albertina de Melo e por Dona Rosa de Melo. O juiz da festa desse ano, Guilherme Cardim, juntou-se ao bodo com o tesoureiro, Pedro Valentim Nava, que com as senhoras degustaram sopa, cozido à portuguesa e vinho, ao som da banda filarmónica do Grupo Desportivo Estoril-Plage. Nesse dia fez-se distribuição de carne ao hospital da Santa Casa da Misericórdia, à Casa dos Pobres, à Casa de Trabalho de Nossa Senhora da Assunção, à Maternidade Maria Amália Vaz de Carvalho, e do bodo molhado aos dois únicos presos que estavam encarcerados na cadeia da vila. Para as crianças que frequentavam a Creche José Luís foi entregue arroz e massa, sendo que por toda a vila foi distribuído larga quantidade de pão bento.

No jantar final, ocorrido no dia 13 de Junho, estiveram presentes Guilherme Cardim, Pedro Valentim Nava, João da Cruz Viegas, Padre Moysés da Silva, Joaquim Nunes Ereira, João António Gaspar, Francisco Avelino de Sousa Amado, Frederico da Costa Pinto, Joaquim Canas Jardim, Dom António Castelo Branco, Professor Francisco Cruz, Alberto Mourato, António Santa, Eugénio Bernardino d’Assunção, António Ricoca, Pedro Aguiar, Abílio Maria, Carlos de Sousa, Júlio Pedro d’Assunção, Manuel Paulino, António da Silva Neves Júnior, Sebastião Bonifácio, Osvaldo Faria, Ventura Ledesma Abrantes, João Victor Gaspar, José Afonso Vilar Júnior, Filipe Nobre de Figueiredo, Francisco Silva, Aníbal Contreiras, António Ferreira dos Santos, Miguel dos Reis, José Cartaxo, Silvino Duarte, José Apolinário Duarte, António Miguel Muchacho, Joaquim António Gaiteiro, Domingos Nunes, Serafim Nunes, Gabriel Muchacho, Fernando José Dias e João Marinha Arraia.

A partir do ano de 1944, por iniciativa de Armando Villar, os festejos passaram a incluir uma comissão de “Mordomos de Honra” que, contribuindo materialmente para a festa, evitavam que a mesma decorresse sem a dignidade que todos consideravam essencial para o sucesso do evento. Nessa primeira edição foram “Mordomos de Honra” o Reverendo Padre Moysés da Silva; o Presidente da Câmara Municipal, José Raposo Pessoa; o Presidente da Junta de Turismo, Augusto Teles Abreu Nunes; o Presidente da Junta de Freguesia, D. José Avilez; o Administrador da Estoril Plage, Guilherme Cardim; Joaquim Nunes Ereira, pela Propaganda de Cascais; e João da Cruz Viegas. Fizeram ainda parte as senhoras D. Felícia Gonçalves Villar, D. Felismina Canas Cardim, D. Lucinda da Silva Abreu Nunes, D. Laura Carnoto d’Oliveira, D. Maria José Magalhães Pessoa, D. Maria Isabel Avilez, D. Rosalina Pedroso Muchaxo e D. Tomásia Canas Ereira.

 

 

Na edição de 1948, com Ricardo Espírito-Santo Silva como juiz e José Afonso Villar jr. como tesoureiro, os festejos contaram com a presença e apoio de Gabriel Muchaxo, Joaquim Sabino Pedroso, Silvino Duarte, António Silvestre Gonçalves, Alfredo Luiz Paulo, Francisco Casaleiro, Conde Murça, Condessa de Monte Real, Casa de Palmela, D. Nuno Almada, Condessa de Azambuja, Conde Jorge de Monte Real,  Condessa de Linhares, D. Maria Inez Carmona, Conde das Alcáçovas, Conde de Cabral, José Ribeiro Espírito-Santo Silva, Eduardo Guedes de Sousa e Dona Amélia de Melo. À festa juntaram-se ainda Armando Villar (então Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Cascais), o médico Dr. Álvaro de Lacerda e Melo, Amadeu Stoffel, António Casimiro d’Almeida, António Muchaxo, Guilherme Cardim, José Teixeira Roxo e Manuel Paulino.

As Festas do Divino Espírito-Santo de Cascais são uma das mais antigas tradições desta vila de Reis e de Pescadores, traduzindo a um só tempo a vivência religiosa e social da terra e das suas gentes. Conhecê-las e compreendê-las, integrando-as na dinâmica própria de cada momento da História de Cascais, é um passo importante para ajudar a projectar o futuro dinâmico e coeso pelo qual todos ansiamos.

 

Fotografias do Arquivo Histórico Municipal de Cascais e do Arquivo Histórico da Sociedade Propaganda de Cascais

 

Os Tronos de Santo António de Cascais em 1952

João Aníbal Henriques, 15.05.25

 

 

por João Aníbal Henriques

A ligação de Cascais a Santo António é ancestral. Já antes da instalação na Cidadela do regimento Dezanove de Infantaria, que tinha Santo António como orago, existia na Capela de Nossa Senhora da Vitória uma imagem do Santo Taumaturgo que haveria de ter um papel de decisiva importância na consolidação da Identidade Cascalense.

Em 1952, numa iniciativa conjunta da Sociedade Propaganda de Cascais e da Junta de Turismo do Estoril, foi realizado um muito popular concurso de tronos dedicados a Santo António que encheram as ruas de Cascais de cor e de movimento dando o mote para o clima de grande devoção que toda a vila dedicou ao santo lisboeta. Com imensa participação popular, e um júri que incluía os dirigentes da propaganda e do turismo e ainda elementos da direcção do Casino Estoril, a iniciativa passou por vários dos principais arruamentos da vila e teve prémios de valor considerável que foram dos 500$00 aos 50$00, distribuídos em quatro escalões consoante a avaliação efectuada pelos cascalenses.

 


Agraciado com o primeiro prémio foi a dupla formada pelos cascalenses José Luiz e António Jorge Rodrigues Cardoso, que receberam 500$00 pelo trono que montaram no nº 95 da Rua Visconde da Luz. Em segundo lugar ficaram Maria Matilde dos Santos Branco e Maria Luiza Brígida, moradoras na Rua dos Navegantes, nº 46, tendo recebido um prémio de 400$00. Em terceiro lugar, com um prémio de 200$00, ficou Guilherme Luiz Antunes da Conceição, com o seu trono montado na Rua Nova da Alfarrobeira, 9. O penúltimo premiado foi Maria Teresa Dâmaso de Jesus, moradora no número 11 da Rua Alexandre Herculano e tendo recebido 100$00. E o quinto premiado foi José Manuel Assis Santa, que recebeu 50$00 pelo trono que montou em sua casa no Beco Torto, nº 14.

A cerimónia de entrega dos prémios aconteceu no Casino Estoril no Domingo, dia 22 de Junho, tendo comparecido as mais altas individualidades da vida municipal, para além de uma comitiva representante dos comerciantes da baixa de Cascais.

 


Eurico Braga e Francisco Romano Esteves, em nome da organização, fizeram os discursos e entregaram os prémios, sublinhando sempre a importância destas iniciativas para o reforço da participação cívica dos cascalenses nos interesses da sua terra.

Depois de um interregno de várias décadas, a antiga tradição cascalense foi retomada em 1983, desta feita numa organização totalmente dirigida pela Sociedade Propaganda de Cascais e por iniciativa da dupla formada pelos directores António de Sousa Lara e Benjamim Quaresma Dinis, contando sempre com a presença, o entusiasmo e o apoio de Armando Penin Villar.

 


 

Nesse ano os festejos iniciaram-se com a procissão, que saiu da porta da Cidadela em direcção à Igreja de Nossa Senhora da Assunção, e que culminou, às 17h00, com a actuação da Orquestra Ligeira do Exército no palco do Largo Luís de Camões.

O êxito da iniciativa, bem patente nas notícias dadas pelo Jornal da Nossa Terra e pelo Jornal da Costa do Sol, contou ainda com o patrocínio da Câmara Municipal de Cascais e do C.I.A.A.C – Centro de Instrução de Artilharia Antiaérea de Cascais.

 
 
Fotografias AHMC - Arquivo Histórico Municipal de Cascais

 

 

As Primeiras Festas do Mar em Cascais

João Aníbal Henriques, 13.05.25
 

por João Aníbal Henriques

A primeira edição das Festas do Mar de Cascais aconteceu em Julho de 1936. Com um enquadramento e objectivos substancialmente diferentes daqueles que actualmente caracterizam os festejos, foram sempre, mesmo assim, a expressão maior da ligação ancestral que Cascais tem com a sua baía e com o mar.

Na versão de 1936, pensada e organizada por José Florindo de Oliveira, então Presidente da Comissão de Propaganda de Cascais, as Festas do Mar surgem enquadradas pelos desafios que afectavam a Europa e o Mundo naqueles anos. Em clima de pré-guerra, com a consolidação do socialismo e do comunismo em vários países, pressentia-se já a necessidade de Portugal recuperar o registo de prestígio que o havia caracterizado muitos anos antes. E a pressão sobre as colónias, nessa altura já assumidamente ameaçadora por parte das grande potenciais mundiais, obrigava a um exercício de recuperação dos símbolos e dos valores ligados ao mar.

No ofício enviado em 1936 ao Ministro do Mar, no qual a direcção da Propaganda de Cascais pede autorização para arrancar com a edição inaugural dos festejos, estão expressos os objetivos que presidem à iniciativa. Diz nesta carta o cascalense Florindo d’Oliveira: “Com os nossos respeitosos cumprimentos e com um pedido de desculpa por esta maçada e abuso, pedimos licença a V.Exª. para vos expormos um assunto, que para nós se nos afigura d’um elevado fim Nacional, e que, dentro do seu objectivo se nos afigura uma boa lição aos homens da doutrina do internacionalismo, aos da foice e do martelo e ainda aos cegos que por aí andam divulgando destruidoras doutrinas. Ao internacionalismo há pois que opor uma grande barreira de Nacionalismo”.

 

 

No pedido enviado ao Ministro Manuel Ortins Torres de Bettencourt, Florindo d’Oliveira explica que a Baía de Cascais foi o berço do grande navegador Afonso Sanches e que, na senda do papel muito relevante que ele teve na Epopeia Marítima Nacional, desejava que as festas de Cascais fossem lançadas simbolicamente associadas à Cruz de Cristo, que durante essa época gloriosa era a marca que identificava as naus e as caravelas portuguesas que davam novos mundos ao Mundo: “Que nas velas de todas as embarcações inscritas na Capitania do Porto desta vila,  quer de recreio, quer de pesca ou outras, seja pregada a Cruz de Cristo, para que ela faça ofuscar ou desaparecer para sempre da nossa terra o símbolo do comunismo”.

E assim, com o apoio directo e empenhado do então Ministro da Marinha e também do Presidente da República, o Marechal Óscar Fragoso Carmona, que nessa altura residia precisamente no Palácio Real da Cidadela de Cascais, a primeira edição das Festas do Mar aconteceu em Cascais em Julho de 1936.

De entre as muitas iniciativas que fizeram parte do programa destas festas, onde não podiam faltar os concursos de natação e as regatas de barcos à vela e remos, organizadas pelo Grupos Dramático e Sportivo de Cascais e pelo Clube Naval de Cascais, salienta-se um grande cortejo com as embarcações militares da Armada Portuguesa que, transportando a bordo todas as entidades oficiais, navegaram pelas águas da baía acompanhando a frota de pesca costeira, todos hasteando bandeiras com a tradicional Cruz de Cristo e homenageando assim os navegadores que corporizaram os descobrimentos portugueses.

 

 

Ao longe, balouçando suavemente ao sabor da brisa estival e do marulhar das ondas da baía, um dos barcos de guerra transportava a Banda de Música da Armada, que ia encantando os milhares de festeiros que assistiram à iniciativa a partir da esplanada que existia junto ao Passeio Dona Maria Pia de Sabóia. E o ponto alto dessa tarde, que muito entusiasmou os cascalenses ali presentes, foi o sinal dado pelos Bombeiros de Cascais de “navio em perigo” lá para os lados da Boca do Inferno. De imediato, num exercício em que participaram todas as entidades presentes, saiu para o mar uma enorme comitiva que tinha como objectivo prestar auxílio ao navio pretensamente em dificuldade, num exercício que entusiasmou de sobremaneira os que assistiam à iniciativa a partir de terra.

A corporação de Bombeiros de Cascais, com o Comandante Joaquim Theotónio Segurado à cabeça, participou no exercício com carros porta-cabos, foguetes e demais apetrechos de salvamento, transformando a iniciativa num exercício sensacional e raro que a todos impressionou.

Simultaneamente, ao longo de toda a tarde e prolongando-se noite afora, a esplanada do Clube Naval encheu-se de animação, com serviço de chá e pastelaria, bufete e arraial popular animado pela banda da Sociedade Musical de Cascais que deu o mote para o baile que entrou directamente nas memórias identitárias da vila de Cascais.

 

 

As receitas destas primeira edição das Festas do Mar foram prontamente distribuídas com o acordo unânime de todos os organizadores: 70 % reverteu directamente para o apoio aos pescadores que haviam sido afectados pelos grande temporais que tinham devastado o mar de Cascais durante a última Primavera;  20% foi entregue ao Instituto de Socorros a Náufragos que, criada por iniciativa do Rei Dom Carlos, era desde então uma das principais instituições da sociedade civil de Cascais; e os restantes 10% seguiram para os cofres da Comissão de Propaganda de Cascais, entidade que carregava consigo a responsabilidade de zelar pela animação e pelo espaço público na vila e, dessa maneira, pela angariação dos meios que se afiguravam necessários para manter Cascais como a mais charmosa e cosmopolita de todas as terras portuguesas.

 

 

Em 1936, quando o Mundo vivia aterrorizado com as convulsões políticas que haverão de culminar na eclosão da II Guerra Mundial (1939-1945), Cascais preocupava-se com a união da sua sociedade civil, salvaguardando que todos contribuíam directamente para a criação das condições necessárias ao cumprimento do seu comum desiderato. Na organização desta primeira edição das Festas do Mar participaram directamente o Presidente da República, o Ministro da Marinha, o Delegado Marítimo de Cascais, o Administrador do Concelho, o Presidente da Câmara Municipal, o Presidente do Clube Naval, o Presidente da Associação Comercial de Cascais, os directores da Sociedade Propaganda da Costa do Sol, o Proprietários das armações de Cascais (Alberto Graça), Guilherme Salgado, que era na altura o representante junto da câmara Corporativa, os elementos da Comissão de Propaganda, os pescadores e proprietários de barcos, nomeadamente José Crespo, Filipe Figueiredo e D. José d’Avillez e o demais povo de Cascais. As festas contaram ainda com o apoio directo do Diário de Notícias que, através de parangonas de propaganda da iniciativa, juntaram em Cascais a imensidão de público que transformou este certame num inquestionável sucesso.

Interrompidas durante a guerra e reatadas periodicamente durante muitos verões de Cascais, as Festas do Mar são hoje o ponto mais alto da época estival cascalense. Evoluindo ao longo dos anos de acordo com o gosto e o enquadramento das várias épocas, as Festas do Mar foram sempre e continuam a ser o mais vibrante e marcante de todos os eventos organizados em torno do magnífico cenário da nossa baía!

Fotografias de João Cabral da Silva, António Passaporte e Arquivo Histórico Municipal de Cascais

Castelo de Vide – A Jóia Preciosa de Portugal

João Aníbal Henriques, 12.05.25
 

por João Aníbal Henriques

Castelo de Vide é uma das mais harmoniosas e bonitas vilas de Portugal. Popularmente designada como a “Sintra do Alentejo”, devido à sua proximidade com a Serra de São Mamede e com a frescura pungente do manto verde formado pela espessa vegetação que a envolve, não lhe acrescenta absolutamente nada. E, na prática, menoriza o encanto próprio de umm lugar único e especial que possui atractivo próprio e um resgisto romântico que deriva da sua própria História e das tradições arreigadas que ainda hoje caracterizam as suas gentes.

Conquistada ao mouros em 1148, acompanhando o nascimento da própria nacionalidade, Castelo de Vide é, conforme o seu topónimo indica, um núcleo urbano que depende de forma directa da influência e da protecção do seu castelo. As velhas muralhas, construídas, reconstruídas e adaptadas vezes sem conta, foram o cenário vigoroso que acompanhou a localidade ao longo de vários episódios cruéis que em vários cenários de guerra foram moldando aquilo que é hoje esta vila encantada.

 

 

Localizada em zona muito próxima da fronteira, com todas as implicações que tal situação traz sempre consigo, situa-se suficientemente longe das grandes rotas políticas da época medieval para conseguir passar incólume e distraidamente protegida do excesso de atenção que moldou o carácter de outros locais. É esse o motivo que explica, por exemplo, a sua profunda ligação à Fé Judaíca, cuja comunidade ali encontrava o registo de discrição suficiente para que conseguisse preservar alguma da paz e da prosperidade pela qual todos ansiavam. A sua sinagoga, coração indelével da judiaria onde se situava durante a Idade Média, funciona como cerne da estrutura urbana da vila, marcando com o seu cunho vivencial as dinâmicas sociais que construíram e formataram o burgo que actualmente conhecemos.

O Castelo, altaneiro e altivo, possivelmente pela importância que reiteradamente teve ao longo de muitos momentos da História enquanto defensor principal das fronteiras do Alentejo, é também ele peça única no património histórico nacional. Não cumprindo os cânones que definiam os projectos de construção destas estruturas ao longo das fronteiras do País, foi-se adaptando à paisagem e à sempre difícil orografia do local onde se encontra implantado, recriando-se em torno das possibilidades que tinha para se afirmar enquanto pólo de defesa do reino.

 

 

É muito possível, não só devido à estrutura paisagística como à presença em seu torno de diversos vestígios de ocupação humana ao longo de períodos longínquos da História, que Castelo de Vide tenha sido edificado sobre núcleos habitacionais mais antigos que ali procuraram a segurança que resultava do seu posicionamento estratégico. A pré-existência de comunidades humanas estabelecidas desde a Pré-História terá sido determinante na definição dos principais pontos de destaque da vila, nomeadamente das suas igrejas, capelas e demais espaços de culto que, agregados a práticas e crenças ancestrais, acabaram por definir aquilo que vira a ser o profundo sentido de Fé que caracterizou sempre a vila em todos os momentos da sua longa existência.

Tal é notório, por exemplo, na construção da Igreja Matriz de Castelo de Vide. Com o orago de Santa Maria da Devesa, numa designação que os especialistas indicam ser uma corruptela de “defesa”, pelo carácter imposto pela natural existência do local, a actual Igreja (que muitos consideram ser “a maior do Alto Alentejo”) é datável de 1789 e foi concluída e consagrada em 1873. Mas na sua origem, de acordo com as fontes medievais, teria estado uma pequenina ermida que possuiria o mesmo orago que já existiria documentadamente naquele local pelo menos desde 1311. O mesmo acontece com os restante oragos existentes dentro do principal núcleo urbano da vila, nomeadamente com aquele relacionado com o culto a Santiago Maior e a São João Baptista, que recuperam os arquétipos de pensamento religioso de outros credos e de outras eras.

 

 

O acidentado da sua topografia é, desta forma, muito mais a causa que determina a sua expressão urbana do que uma consequência que deriva do natural desenvolvimento de uma qualquer povoação. É ela que define as linhas estruturais da vila e, como consequência directa disso, é dela que depende a forma como durante toda a sua longa História, se organizam social e politicamente os espaços, dotando cada lote edificado das condições necessárias para responder cabalmente às necessidades daqueles que nelas habitam.

A beleza cenográfica de Castelo de Vide, marcada pela sua paisagem idílica e pelo recorte romântico da sua várias linhas de muralhas, cruza-se com o fulgor cromático dos seus telhados e com o intricando desenho das suas ruelas medievais.

 

 

Na expressão maior da sua singeleza, onde as fontes e bicas de água anunciam uma fertilidade que se pressente nos nomes das ruas e nas tradições antigas que ainda estão bem vivas no devir quotidiano da sua comunidade, Castelo de Vide impõe-se como jóia que efectivamente é e que muito contribui para a consolidação da vocação turística nacional.

Conhecer Castelo de Vide, calcorreando calmamente as suas ruelas e transpondo os portais seculares que marcam os vários espaços no seu núcleo histórico, é autenticamente regredir no tempo, até a um Portugal acabado de nascer e ávido de se afirmar como nação no contexto europeu de então.

 

 

O Dia da Árvore de 1982 em Cascais

João Aníbal Henriques, 09.05.25
 

por João Aníbal Henriques

Corria o ano de 1982 e o governo municipal de Cascais pertencia à Aliança Democrática. Com Carlos Rosa como presidente da Autarquia, do executivo municipal fazia igualmente parte António de Sousa Lara que acumulava o cargo com a sua profissão de professor universitário, investigador e dirigente da Sociedade Propaganda de Cascais.

E foi no âmbito de uma estreita parceria entre a Câmara Municipal de Cascais e a Sociedade propaganda que nesses anos de boas relações institucionais se desenvolveram diversos projectos que alteraram de forma pragmática e efectiva o tecido social, económico e cultural do Cascais de então.

 

 

Para além dos concursos de montras, dos concursos hípicos, dos festejos das principais efeméridas que de alguma forma estavam relacionadas com a história da vila, nesse ano de 1982 estas instituições lançaram em conjunto um vasto programa de plantação de árvores ao longo dos principais arruamentos da vila.

Sob a orientação do mítico Armando Penin Vilar, proprietário da Quinta das Patinhas e um dos principais impulsionadores da empresa que geria os destinos do jogo na região, e que durante muitos anos se entregou de Alma & Coração à defesa da causa pública e dos interesses dos cascalenses, a Sociedade Propaganda de Cascais encetou e dirigiu os trabalhos de plantio de muitas das árvores que ainda hoje enchem de sombra os arruamentos cascalenses. Figura de destaque em todo o processo, o sempre muito activo e saudoso Benjamim de Quaresma Dinis que, em equipa com António de Sousa Lara, concebeu a grande maioria dos planos de revitalização de Cascais naquela época.

 

 

Em ofício dirigido às principais forças vivas da sociedade civil cascalense, a Câmara Municipal e da Sociedade Propaganda apelavam à participação de todos neste acto simbólico que consideravam ser essencial para o projecto global de recuperação da dinâmica da vila depois dos muitos problemas que tinham resultado da revolução e que de alguma maneira haviam contribuído para a degradação do espaço público e para a fuga de Cascais de muitos empreendedores portugueses e estrangeiros que contribuíam decisivamente para o antigo charme que caracterizava a povoação. O cerne da intervenção, centrada no plantio simbólico das árvores nos arruamentos da vila, era o de motivar os cascalenses para participarem na identificação dos problemas que afectavam Cascais e para que, em conjunto com as instituições municipais, criarem ideias, projectos e estratégicas que devolvessem à vila a pujança que havia tido noutros tempos.

Em ano de eleições autárquicas, que uma vez mais colocam nas mãos dos cascalenses os destinos desta sua terra, importa relembrar estes projectos, não só pela importância que tiveram noutros tempos, como também pelos ensinamentos que deixam pistas para a definição do futuro que queremos para Cascais.

Sem redes sociais e sem os facilitismos de comunicação que hoje temos, o Cascais de há 40 anos seguia bem longe do vazio dos discursos que hoje enchem as discussões que acompanham o acto eleitoral, juntando sensibilidades diferentes, opções político-partidárias por vezes divergentes e origens sociais díspares em torno do Amor que os unia em torno dos reais interesses desta Nossa Terra! Porque de mãos sujas na terra das nossas ruas, todos eram iguais na apreciação das coisas boas que iam surgindo para melhorar a vida da comunidade cascalense.

Outros tempos.

 
 
 
Fotografias de João Cabral da Silva

 

Quando Cascais Comemorou os seus Campeões Mundiais

João Aníbal Henriques, 09.05.25

 

por João Aníbal Henriques

Em 1982 a Selecção Nacional de Hóquei em Patins sagrou-se Campeã Mundial da Modalidade na sequência de um jogo de emoções fortes que colocou os representantes de Portugal frente a frente com a fortíssima Selecção Espanhola.

Da equipa vencedora, que comemorou o título em Barcelos, no Norte de Portugal, faziam parte três ilustres jogadores que eram naturais do Concelho de Cascais. José Leonilde dos Santos Leste, João Sobrinho e Victor Manuel dos Santos Carvalho, conhecido como “Xana”, contribuíram de forma decisiva para o resultado de Portugal e ajudaram a promover o país e a região em todo o Mundo e a Câmara Municipal de Cascais, em parceria com a Sociedade Propaganda e demais instituições da sociedade civil cascalense, não quiseram deixar passar o grandioso momento sem homenagearem publicamente esses três grandes vultos do desporto municipal.

 


Numa cerimónia formal organizada pelo Vice-Presidente da Sociedade Propaganda, Benjamim de Quaresma Dinis e pelo então Presidente da Câmara Municipal de Cascais, Carlos Alberto Rosa, as forças vivas de Cascais uniram-se ao então Secretário de Estado dos Desportos, João Serra e Moura, e atribuíram aos jogadores homenageados a placa de honra do município de Cascais. Estiveram presentes, para além dos já referidos, os vereadores José Augusto da Silva Fialho, do CDS, a Vereadora Maria Olga Salgueiro Sande Filipe Ferreira, do PS, e o Vereador João Vanzeller da APU. De salientar ainda a presença do mítico e saudoso Padre Miguel, dos Salesianos do Estoril, que havia sido o primeiro orientador técnico dos homenageados no início da sua prática desportiva, e que se mostrou particularmente comovido com a justíssima homenagem aos seus antigos alunos salesianos.

O Presidente da Câmara Municipal, num discurso igualmente marcado pelo registo de enorme satisfação sentida por todos os cascalenses pelo grande feito alcançado por estes seus conterrâneos, veio reforçar o papel extraordinário desempenhado pelos Salesianos do Estoril e, sobretudo, pelo Padre Miguel, no desenvolvimento da excelência através de uma aposta firme e determinada na promoção do desporto junto dos mais jovens munícipes de Cascais.

 


O Salão Nobre dos Paços do Concelho, apinhado de gente de Cascais que aplaudiu emocionadamente os campeões, encheu-se assim de um orgulho que extravasou até o feito alcançado no hóquei em patins, transformando-se num verdadeiro catalisador que uniu os cascalenses em torno da ideia de mérito e de excelência que havia sido alcançada.

Uma memória muito feliz do Cascais de 1982 que nos permite recuperar as recordações de várias personalidades que tanto contribuíram para a excelência da Nossa Terra!

 

 
 
 
Fotografias César Cardoso

 

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