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cascalenses

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A Cabra, o Cabrão e o Balão na Tradição Académica de Coimbra

João Aníbal Henriques, 19.01.17

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Existem tradições que ainda são o que eram. Em Coimbra, o ritual diário das aulas na sua avoenga universidade é marcado desde há muito pelo som produzido pelo balir da cabra e do cabrão, numa vivência profundamente marcada na identidade da cidade e impregnada do sabor firme da Portugalidade.
 
A torre da Universidade de Coimbra, construída entre 1728 e 1733, com projecto de António Canevari, vem substituir as instalações mais antigas e mais baixas que tinham sido projectadas por João de Ruão. A sua função de orientadora da cidade universitária, integra-se na fachada do pórtico principal, ostentando de forma gloriosa um dos símbolos-máximos da Cidade de Coimbra e de Portugal.
 
 
 
A lenda da Cabra, necessariamente anterior à construção do sino actual, está intimamente ligada à criação das principais rotinas no seio da universidade coimbrã e o seu toque, desde logo associada ao cumprimento de obrigações por parte dos milhares de alunos que por ali passaram ao longo dos séculos, assume-se como verdugo que impõe disciplina quando assim deve ser. É, por isso, um misto de raiva académica aquele que acompanha o som compassado do velho sino, no qual se mistura a nostalgia que a vida de estudante sempre acarreta.
 
As praxes e os rituais, hoje tão polémicos pelas implicações que traduzem, mas geralmente mito menos exigentes e cruéis do que aqueles que deram forma à academia coimbrã noutros tempos, são organizados ao toque da cabra que, do alto da torre setecentista, se espraia pelos cantos e recantos da cidade.
 
Ao nascer do dia, quando toca pela primeira vez o sino instalado com a face virada para a baixa da cidade e para o rio, a cabra toca acompanhada de um outro sino mais recente. De som mais grave e num compasso diferente, o cabrão anuncia os tempos novos que o novo dia que vai começar vai trazer. Datado de 1824, o cabrão acompanha ainda o sino virado a nascente, denominado balão e datado de 1561.
 
 
 
 
O designativo de “cabra”, atribuído pela turba estudantil mercê das implicações restritivas que o toque do sino tem na sua vida quotidiana, acompanha de forma inexoravelmente a mística da universidade e os próprios desígnios da Cidade de Coimbra. Provando que a tradição é por vezes muito mais importante do que a própria realidade, e que dela depende a identidade mais profunda e os próprios arquétipos de pensamento de uma determinada comunidade, o toque da cabra confere à comunidade que por ali passou um laço firme de coesão que o passar dos anos não consegue esbater.
 
Subir os quase trinta e quatro metros de altura da torre da Universidade de Coimbra, vindo de perto o conjunto sineiro da Cabra, do Balão e do Cabrão, é uma experiência única que altera a percepção que temos da universidade, apresentando aos olhos do visitante o esplendor soberbo de uma paisagem marcada de forma profunda e inabalável pela saudades.
 
 
Coimbra e o Choupal, prenhes de histórias que compõe a própria História de Portugal, é hoje ponto de visita obrigatório para quantos queiram conhecer e perceber este país tão especial.