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Estertor de Memórias em Cascais

João Aníbal Henriques, 16.02.17

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Na década de 90, quando cobriram Cascais com uma imensa toalha de betão, era usual dizer-se que “podia ser pior”… E a coberto disso, porque de facto pode ser sempre muito pior, utilizando a mediocridade como bitola e renegando a excelência que foi sempre a principal imagem da Nossa Terra, foram matando a Identidade e a Memória de Cascais. O Projecto de Requalificação da Entrada Nascente de Cascais, que foi ontem apresentado publicamente, representa um retrocesso a esses tempos de má memória. Podia ser pior? Claro que sim. Mas o que se pretende fazer na entrada principal da vila é o assumir definitivo da vocação suburbana de Cascais, abandonando para sempre os parâmetros de excelência de outros tempos e de outras gentes. E já não será possível voltar atrás…
 
O projecto de requalificação da entrada de Cascais é antigo. Praticamente desde a inauguração do hipermercado, em 1973, que os Cascalenses defendem uma intervenção no espaço visando a recuperação dos valores urbanísticos tradicionais e a recriação de uma dinâmica arquitectónica que promova as memórias antigas que subsistem no local.
 
Ao contrário do que refere o esforço de propaganda associado à apresentação pública que ontem decorreu, este projecto é mais um que vem juntar-se aos vários que já foram desenvolvidos e que, para sorte dos Cascalenses, acabaram por nunca se concretizar. Desta maneira, perdidas no meio das ruínas que enchem todo o local, sobrevivem ainda os últimos resquícios de uma memória que Cascais não pode dar-se ao luxo de apagar.
 
 
 
 
O projecto agora apresentado, e que ficará em discussão pública sujeito às sugestões e críticas dos Cascalenses, pretende desenvolver um conjunto de operações urbanísticas que visam o reparcelamento da propriedade e a relocalização do hipermercado. Para os seus autores, a requalificação da principal entrada de Cascais passará pelo enterramento do estabelecimento comercial e pela reformatação de todo o terreno envolvente através da construção de um novo empreendimento que substituirá as ruínas patrimoniais que sobrevivem no local.
 
Mas, se é óbvia a necessidade de intervir neste espaço, até porque a vocação turística municipal é incompatível com o estado de ruína generalizada em que todo o quarteirão se transformou, as opções agora assumidas são profundamente atentatórias do registo de qualidade que os Cascalenses defendem.
 
 
 
 
Em primeiro lugar porque assumem como área de intervenção somente o quarteirão situado entre a Avenida de Sintra, a Avenida Marginal, a Avenida Marechal Carmona e a Rua Henrique Seixas, deixando de fora toda a margem esquerda da avenida, o espaço antigamente ocupado pela Quinta das Loureiras, onde está hoje o CascaisVilla, e os terrenos vazios circundantes. Esta opção, não só impede a recriação de um plano geral que efectivamente requalifique a entrada de Cascais, como constrange, em termos dos parâmetros urbanísticos que hão-de servir de referência nas intervenções a realizar no futuro nos espaços agora deixados de fora, a práxis urbanística que para aqui se defende.
 
Depois, porque para tornar possível a reformatação urbana que pretendem, os autores deste plano defendem a demolição dos últimos exemplares da arquitectura de veraneio que ainda ali sobrevivem, substituindo-os por incaracterísticos edifícios habitacionais suburbanos que não representam a memória do local nem supõem a sua recuperação em prol da identidade de Cascais. Dirão certamente que os edifícios não estão classificados oficialmente, que estão em avançado estado de ruína, etc. E é verdade. Porque embora façam parte do “Levantamento do Património Cascalense”, adquirido pela Autarquia no ano 2000, o actual executivo municipal optou por incluir como anexo ao PDM somente os edifícios classificados, impedindo novos processos de classificação e a consequente recuperação da memória municipal que a eles estaria associada.
 
E, mais importante ainda, despreza por completo o valor identitário dos imóveis situados fora do quarteirão agora intervencionado (infelizmente a Casa da Quinta das Loureiras, onde funcionou o St. George’s School, foi demolida em má hora para construção do CascaisVilla), criando as condições políticas para que todos eles venham a ser substituídos por novos empreendimentos de características semelhantes àquelas que agora se defendem para este local.
 
 
 
 
E seria tão fácil desenvolver neste espaço um projecto verdadeiramente qualificador, minorando o impacto do que de pior lá existe e integrando e promovendo as peças que representam a nossa memória e a nossa identidade...

Em suma, a intervenção que se pretende fazer na entrada de Cascais não requalifica o espaço. Moderniza-o, introduzindo elementos que facilitam a fruição visual para quem chega à vila através da Avenida Marginal, mas despreza a oportunidade de intervir para recuperar uma das mais importantes memórias da Nossa Terra. E ao ser assim, e assumindo a explicação já antiga de que “podia ser pior”, condena a entrada de Cascais a uma mediocridade própria de uma qualquer terreola suburbana, arrastando definitivamente consigo a grandiosidade extraordinária que sempre definiu o charme empolgante e a vocação de excelência de Cascais.
 
E é uma pena que seja assim. Porque a Cascais já não restam muitas oportunidades. 

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