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cascalenses

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Os Potes Mouros das Alcobertas em Rio Maior

João Aníbal Henriques, 09.09.16

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Os denominados Potes Mouros, situados na Freguesia de Alcobertas, no Concelho de Rio Maior, são um dos mais extraordinários e enigmáticos sítios arqueológicos do Ribatejo. A estranheza que produzem junto de quem os visita pela primeira vez, resulta do seu enquadramento na paisagem, marcada pelo tom avermelhado do grés onde assentam, mas também pela pouca informação existente sobre tão inesperado local.
 
Conhecidos um pouco por todo o território Nacional, e normalmente associados a contextos arqueológicos datados do período muçulmano, os Potes das Alcobertas são diferentes por se enquadrarem num conjunto imenso, do qual hoje se conhecem actualmente apenas 35 mas que se sabe que ainda há pouco tempo eram perto de 100, tendo sido progressivamente destruídos devido à utilização do local como pedreira em meados do Século XX.
 
 
 
 
Sem espólio associado, o que permitiria avançar com datações mais exactas, foram encontrados na década de 60 do século passado e imediatamente despertaram o interesse das comunidades envolventes. Na correspondência camarária associada a este achado, os potes são atribuídos ao período romano, embora sem que tal obedecesse a qualquer espécie de estudo científico e/ou a conclusões preliminares que tivessem sido analisadas nessa época. Pouco tempo depois, o arqueólogo Afonso do Paço chama-lhes pela primeira vez 'silos', apercebendo-se da sua função de armazenamento de cereais, apontando a existência de tampas que teriam como função selar cada um dos recipientes, preservando os grãos da humidade ou da entrada de animais.
 
É também Afonso do Paço quem, em estudos posteriormente realizados no local, avança com as primeiras teorias relativas à sua morfologia tipicamente de origem muçulmana, ressalvando o facto de se saber que os ditos silos teriam tido utilizados ininterrupta pelo menos até ao Século XV. Mas aponta também, por ser importante na indefinição relativa à cronologia do local, o facto de não ter sido encontrado qualquer espécie de espólio associado, nem tão pouco restos de quaisquer espécies de cereais.
 
 
 
O carácter único do local, com os seus túneis escavados no grés e com a estranha morfologia do espaço envolvente, transformam aquele recanto numa espécie de magnífico cenário de um filme, no qual a memória do local, cruzada com os laivos de uma história que provavelmente recua mais de 1000 anos no tempo, nos oferecem a possibilidade de efectivamente perceber como era a subsistência ancestral no actual território Português.
 
Os Potes Mouros das Alcobertas, que a Junta de Freguesia local e a Câmara Municipal de Rio Maior recentemente recuperaram, estão hoje transformados num excelente espaço museológico. Os bons acessos e as condições envolventes, são atractivo suficiente para uma visita que vale a pena fazer!

 

 

A Capela do Espírito-Santo de Teira e o Castro de São Martinho em Alcobertas

João Aníbal Henriques, 06.09.16

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Existem espaços e monumentos de tal maneira simples na sua formulação estética, que dificilmente deixam antever a complexidade que traduzem e a importância que têm no registo histórico ao qual pertencem.
 
A sua singeleza, normalmente associada à pureza extraordinária das comunidades que os construíram, traduz assim um apelo quase inaudível aos sentidos, obrigando o visitante a um exercício quase onírico para os perceber…
 
É o que acontece na Freguesia das Alcobertas, no Concelho de Rio Maior, com a singelíssima Capela do Espírito-Santo e, um pouco mais adiante, com o que resta do maltratado Castro chamado de São Martinho.
 
 
 
 
A capela, simples na sua forma chã e pragmaticamente inserida na tipologia própria da arquitectura de índole religiosa das zonas rurais Portuguesas, integra-se num largo de bonitas proporções no qual assumem especial importância um grande crucifixo construído em 2001, e o painel de azulejos onde consta uma perspectiva do antigo Castro de São Martinho, profundamente marcante na definição sagrada do templo Alcobertense.
 
Datada do Século XX, a capela vem substituir uma antiga ermida dedicada a São Martinho que existia no topo do monte onde outrora se ergueria o antigo castro neolítico. Tendo lendariamente sido destruída por um raio, a imagem do santo foi transportada monte abaixo até à nova capela construída no centro da povoação de Teiras. Diz ainda a lenda que a dita imagem, durante muito tempo e por vontade própria, se escapulia durante a noite para o local onde outrora se erguia a sua capela, teimando em não ficar na nova capela do Espírito-Santo onde reiteradamente a colocariam.
 
Com fachadas brancas a condizer com o apelo à simplicidade que o culto do Espírito-Santo obriga, a capela apresenta uma só nave, também ela de aspecto singelo, e um único óculo colocado sobre a porta principal, deixando uma nota de luz no seu interior. O sino, colocado num suporte simples de pedra calcária, completa o conjunto, dando um carácter airoso ao enquadramento simbólico deste espaço sagrado.
 

São Martinho e o Espírito Santo

 
 
Na memória colectiva associada a este espaço, numa linha de continuidade que assenta numa profunda sabedoria popular, possivelmente de tradição oral e que se perpectua ao longo de várias gerações, existe uma forte ligação aos cultos ancestrais que outrora foram desenvolvidos no velho castro.
 
 
 
Se a devoção actual ao Espírito-Santo, numa lógica de Quinto Império Sebastianista, apela ao desapego material, reiterando a máxima de que a Portugalidade exige despojamento das vestes sujas pelas agruras da vida para que seja possível vestir os trajes iluminados de uma existência situada em planos etéreos muito superiores, por outro lado, a devoção ancestral a São Martinho, o tal santo cujo mal-estar por estar colocado na nova capela é por demais  evidente, aponta também ela para uma ritualística de pobreza que, dadas as condições naturais do local onde estes monumentos se encontram, parece ter sido a pedra angular as muitas vidas que por aqui se sucederam ao longo de muitos séculos.
 
Diz a lenda de São Martinho que, sendo ele soldado romano em trânsito por uma estrada gelada numa das imensas serranias do império, terá sido interpelado por um paupérrimo pedinte que, transido de frio, lhe pediu ajuda para sobreviver ao Inverno. O Santo, sem pensar duas vezes, despiu as suas vestes e colocou-as sobre o corpo do desgraçado, ficando ele próprio sujeitos às inclemências do tempo. Mas Deus, reconhecendo o gesto nobre daquele soldado, terá mudado a estação e recriado uns dias de calor estival, dando assim condições a São Martinho para poder regressar são e salvo à sua terra.
 
É esta a origem do denominado “Verão de São Martinho”, bem como do quadro geral de despojamento que caracteriza o culto do Espírito Santo na capela de Teira.

A Anta das Alcobertas e Santa Maria Madalena em Rio Maior

João Aníbal Henriques, 08.08.16

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Sendo sete os esteios que suportam o monumento funerário megalítico que dá fama à localidade das Alcobertas, no Concelho de Rio Maior, são também sete os pecados que Jesus Cristo retira do corpo ultrajado de Maria Madalena, a ainda mal compreendida seguidora do Mestre e principal promotora da religião Cristã depois de ter sido ela a primeira a encontrar o Salvador depois da sua Ressureição…
 
 
 
A Anta-Capela das Alcobertas, situada no coração do Ribatejo e num recanto onde são muitos (e muito interessantes) os vestígios arqueológicos que atestam vivências ancestrais que decorreram no mesmo espaço, é um dos mais emblemáticos e interessantes casos de sobreposição de cultos ao longo de vastíssimos períodos da História. Construída aproveitando a estrutura megalítica anterior, a nova capela, por sua vez integrada na Igreja das Alcobertas, já do Século XVIII, tem dedicatória a Santa Maria Madalena, recuperando o ideário profano e os arquétipos mais ancestrais da religiosidade de Portugal.
 
De acordo com a lenda (da qual existem várias versões que nos chegaram por via da tradição oral das comunidades locais), foi Santa Maria Madalena que fez nascer e crescer os megálitos que dão forma ao monumento mais antigo. Noutras versões, e perante a vontade do povo em destruir uma estrutura que consideravam ser de origens pagãs, foi a dita santa quem zelou pela sua sucessiva reconstrução, num processo que terá servido para torcer a vontade popular que, dessa maneira, com a intercessão Divina, lá terá aceite manter a velha estrutura no seu lugar.
 
 
 
 
Seja qual for a sua efectiva História, o certo é que o carácter sagrado deste espaço está bem vincado ao longo de muitas gerações. O espaço funerário original, datado do período Neolítico, compõe uma ligação simbólica entre os mundos dos vivos e dos mortos que ainda hoje sustenta a religiosidade local. Mais importante do que os credos, as crenças e os cultos, neste espaço o que verdadeiramente importa é a ligação, numa recuperação evidente e simultaneamente sublime, da significação mais profunda da própria palavra ‘Religião’ – Religare – que aqui assume foros de uma perfeita identidade. Ligados ancestralmente à sublimação da vida, relegando para um plano secundário os aspectos mesquinhos relacionados com o dia-a-dia e com a vida mais perene, os crentes que acedem à Capela de Santa Maria Madalena completam uma autêntica viagem no tempo sem que saiam do mesmo espaço. No cerne da antiga anta, naquele que é hoje o altar consagrado à Santa que partilhou com  o Filho de Deus uma vida ascética em torno da vontade do Pai, congregam-se certezas inabaláveis que subsistem na solidez estrutural da pedra que compõe as suas paredes. É esta perenidade, que transmite a quem a visita uma sensação de profundo conforto espiritual, que compõe a ligação quase umbilical que dá corpo à máxima de Jesus e que Maria Madalena carrega como estigma ao longo da sua vida da Terra e que perdura como laivo de memória ao longo dos tempos: a de que somos todos irmãos.
 
Apesar as diferenças de perspectiva, de opinião, de vontade e mesmo de Fé, o certo é que as pedras que sustentam a anta-capela são consistentes com a sua vocação de suporte daquilo que é verdadeiramente importante e essencial. Não se conhecendo a época da sua cristianização, nem tão pouco sendo isso importante na definição do seu carácter sagrado, até porque ao longo dos longos milénios que compõem a sua existência, este espaço terá eventualmente sido alvo de muitos outros cultos e/ou crenças que se complementam e que fecham o ciclo da sacralidade da própria localidade das Alcobertas, o certo é que o impacto deste recanto contrasta de forma muito evidente com a singeleza das suas características morfológicas.
 
 
 
 
Reforçando a importância da capela-anta, está o também conturbado processo de construção, reconstrução e recuperação da igreja que a envolve, e da qual a velhinha estrutura é hoje um minúsculo altar-lateral. Com uma estrutura de orientação barroca, o edifício do Século XVIII terá substituído a antiga ermida do Século XV que terá existido no mesmo local. Problemas diversos, a que eventualmente não será alheia a fraca qualidade de construção ao longo da sua história, terão servido de mote a transformações sucessivas no templo que lhe conferiram o aspecto que actualmente conhecemos. Mas, mesmo com a arcaria monumental da entrada, com a altaneira torre do relógio (que conheceu acrescentos em época recente), com a magnífica capela baptismal existente e com a cuidada aparência da sua nave central, o certo é que continua a ser o diminuto espaço da estrutura antiga aquele para onde convergem a curiosidade e a fé ancestral de quem por ali passeia.
 
 
 
 
Os mitos antigos da Portugalidade, com os cultos pré-históricos da mãe ancestral, numa ligação entre a virgindade e a pureza originais e a fertilidade da própria terra (da qual depende a prosperidade das muitas comunidades diferentes que ocuparam este mesmo espaço), estão aqui linearmente dispostos, congregados numa Maria Madalena dividida entre a meretriz arrependida que as Escrituras nos trazem  e a Santa primordial que a História de Jesus Cristo impõe à realidade simbólica que a cerceia.
Misto de mistério profundo e de sonho onírico, a anta-capela das Alcobertas  representa uma descoberta essencial no devir histórico do Portugal de todos os tempos. O de que a realidade é fugaz e que aquilo que é mais perene não depende sequer da passagem do tempo…
 
É este um dos mais significativos monumentos de Portugal.
 

 

 

O Milagre do Sal em Rio Maior

João Aníbal Henriques, 29.08.14

 

 

por João Aníbal Henriques

 

Quando em 1177 Pêro e Aragão e sua mulher Sancha Soares vendem uma parte das Salinas de Rio Maior à Ordem do Templo, facto confirmado através de documento que é a mais antiga prova documental da existência daquele equipamento, estavam longe de imaginar que marcavam de forma efectiva a história daquele recanto extraordinário de Portugal.

 

Apesar desta referência, no Século XII as Salinas de Rio Maior já deveriam ser uma exploração antiga. De facto, quer pela sua estrutura funcional, quer pelas técnicas utilizadas para a captação da água e seu posterior tratamento, tudo indica que as mesmas já existiam pelo menos durante o período de ocupação Árabe da Península Ibérica (Século VIII – Século XII), sendo aceitável que até já existissem em épocas anteriores.

 

 

 

Produto de primeira importância para a vida, o sal que nasce naturalmente de uma mina de sal-gema existente no subsolo da Serra dos Candeeiros foi sempre parte essencial do esforço de sobrevivência da vida humana. Por este motivo, é crível que tenha sido ponto de interesse para o Ser Humano moderno desde que ele chegou à região.

 

Testemunho antigo de um mar pré-histórico que terá existido no local, razão que explica a alta concentração de potássio e a qualidade deste sal, existem vestígios de outras pequenas explorações mais antigas em torno do espaço actual que, mercê do fluxo permanente de água no poço que agora se usa, foram preteridos pela localização actual.

 

 

 

 

O incontornável Pinho Leal, no seu “Portugal Antigo e Moderno”, refere inclusivamente uma lenda que explica a localização actual das Marinhas do Sal. Segundo ele, uma pastora que por ali guiava o seu rebanho terá sentido sede e procurado água numa nascente situada imediatamente a Leste da povoação designada como Fonte da Bica. Ao provar a água, constatou que a mesma era muito salgada, tendo informado a sua família que imediatamente acorreu ao local. Experimentada a mesma e escavado um poço no ponto onde encontramos o actual, verificaram o fluxo daquele manancial e mudaram para ali a exploração.

 

Ainda no “Portugal Antigo e Moderno”, Pinho Leal refere que no final do Século XIX cada talho de sal valia em média 144$000 Reis, montante elevado para aquela época e que atesta bem a importância da jazida e do produto na Europa de então. É ainda ele que, reiterando informação antiga, explica que estas salinas são únicas na Península Ibérica e que eram tidas como as mais importantes dessa altura, sendo reconhecidas a nível internacional.

 

Classificadas como Imóvel de Interesse Público desde 1997 (Decreto n.º 67/97, DR, 1.ª série-B, n.º 301 de 31 Dezembro 1997), as Salinas de Rio Maior são hoje um dos pontos mais interessantes e incontornáveis no panorama turístico do Centro de Portugal.

 

Recentemente, depois de o sal ter perdido valor e de a economia ter abalado profundamente a estrutura de recolha e tratamento do sal, as salinas conheceram um período de algum desânimo e declínio que se traduziu na diminuição da sua produção e da degradação das suas estruturas de trabalho. No entanto, depois de constituída a Cooperativa dos Produtores de Sal, o sítio foi redinamizado, tendo sido recuperadas as antigas casas de madeiras onde se recolhia o sal e reconfigurada toda a envolvência num interessante espaço comercial.

 

 

 

No meio das ruelas ladeadas pelas cabanas de madeira de aspecto rústico, nasceram cafés, lojas de velharias, restaurantes e espaços onde se vende sal e artesanato local, num esforço de modernização e de adequação da oferta às exigências do Mundo actual digno de uma nota especial. Preservando as memórias locais e as técnicas e tradições antigas, as salinas tornaram-se um espaço etnográfico da maior importância e de grande interesse para todos os que visitam Portugal.

 

Por ali se encontram, para além dos sacos de sal embalados de forma atractiva e muito actual, os queijinhos de sal, inventados de forma genial por um dos comerciantes do local, réplicas das pás e demais instrumentos utilizados na extracção e as bonitas telhas muçulmanas que dão forma aos telhados da região. Interessante, para além das velhas estruturas de madeira suportadas por troncos de oliveiras que preservam a sua forma rústica original, é a manutenção do sistema complexo de fechaduras em madeira, inventadas e desenvolvidas para evitar a utilização de materiais feitos de metal que estão muito expostos à oxidação reforçada aqui pela presença permanente do sal.

 

Para além de tudo isto, que só por si seria motivo suficiente para uma visita ao local, os restaurantes ali instalados oferecem uma ampla carta de refeições tradicionais, confeccionadas com base em receitas antigas e com ingredientes de qualidade excepcional.

 

Em torno das salinas, num percurso que se estende por mais de 7 kms, existe uma ciclovia que permite ao visitante conhecer o espaço em redor, nomeadamente a flora e a fauna do Parque Natural da Serra d’Aire e dos Candeeiros, e que se complementa com uma série de percursos pedestres que garantem passeios verdadeiramente excepcionais.

 

 

O património histórico, composto por fontes e fontanários que traduzem uma espécie de homenagem à água que prodigamente nasce com grande qualidade em toda a região, cruzam-se com inúmeras igrejas, capelas e pequenas ermidas, permitindo compreender a linha que dá forma a um culto verdadeiramente ancestral. Importa ressalvar que, ao mesmo tempo que na Aldeia das Alcobertas, uma das capelas da principal igreja do local reutiliza uma antiga anta que foi integrada no espaço cultual, um pouco a Sul de Rio Maior encontramos a Asseiceira, com as suas pouco conhecidas aparições Marianas, a que se juntam, um pouco mais a Norte, o espaço incontornável da Cova da Iria, com o Santuário Mariano de Fátima que fecha uma espécie de ciclo de património imaterial.

 

 

Os milagres, que em Rio Maior são desde sempre parte constante do devir diário da população, traduzem-se aqui na sua expressão mais singela da branca aparição. No sopé da montanha, longe do mar e da costa onde seria coisa natural, o sal nasce da terra, oferecendo vida e saúde a quem estiver mal.

 

Para quem visita o espaço pela primeira vez, a visão dos montículos brancos espalhados por estas marinhas tão especiais, representa um exercício quase onírico de magia que reforça o carácter telúrico da região. Pena é (ou talvez não) que ainda sejam poucos aqueles que conhecem este recanto tão especial!