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O Castelo de Mourão no Alentejo

João Aníbal Henriques, 08.09.16

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
É extremamente impactante a impressão que produz uma primeira visita ao Castelo de Mourão. Por um lado, a inexplicável linha de horizonte, misturando os resquícios antigos da paisagem seca do Alentejo de outros tempos com os panos de água do Grande Lago, que lhe conferem a singeleza subtil de uma frescura imaginária que o corpo não sente. Por outro, o estado de imensa degradação, num laivo que roça os travos amargos do abandono  e da ruína, dando conta do enorme desprezo pelas mais importantes peças da memória e da História de Portugal…
 
O Castelo de Mourão, cuja actual construção se iniciou em 1343 com traço de Mestre João Afonso e por ordem d’El-Rei Dom Afonso IV, é uma fortificação de cariz militar situada a poucos minutos da raia fronteiriça. É, aliás, esta condição, que representa a sujeição ao clima de permanente instabilidade que resulta da sua inclusão numa zona de fronteira, que determina a sua importância, bem como muitos dos rocambolescos episódios que a constrangeram ao longo do tempo.
 
 
 
 
Essa proximidade, é também ela determinante para definir os antecedentes da história do local, uma vez que dificilmente se concebe a conflituosidade permanente que existiu neste local desde (pelo menos) a fundação da Nacionalidade, sem que nela tenha existido uma fortificação condigna. Muitas das informações existentes sobre este espaço apontam para a existência de vários momentos de construção anteriores à data apontada, sendo certo que, pela sua localização geograficamente relevante e profundamente simbólica em termos estratégicos, seja razoável aceitar que terá existido por ali alguma construção defensiva pelo menos desde a ocupação muçulmana.
 
Na primeira Carta de Foral atribuída à vila alentejana, datada de 1226, O Rei Dom Sancho II doa Mourão aos Cavaleiros da Ordem dos Hospitalários precisamente com o intuito expresso de “incentivar o seu povoamento e defesa”. Em linha com esta indicação, fácil se torna perceber a importância militar que o local possuía e a natural decisão de ali construir ou reconstruir um baluarte defensivo que pudesse contribuir para a consolidação da Causa Nacional.
 
 
 
 
De qualquer forma, existe uma lápide epigrafada colocada na Torre de Menagem, que indica expressamente a data de 1343 para a construção desta estrutura: "ERA DE MIL CCC OITENTA E 1 ANOS PRIMO DIA DE MARÇO DOM AFONSO O QUARTO REI DE PORTUGAL MANDOU COMEÇAR E FAZER ESTE CASTELO DE MOURÃO E O MESTRE QUE O FAZIA HAVIA NOME JOÃO AFONSO QUAL REI FOI FILHO DO MUI NOBRE REI DOM DENIS E DA RAINHA DONA ISABEL AOS QUAIS DEUS PERDOE O QUAL REI É CASADO COM A RAINHA DONA BEATRIZ E HAVIA POR FILHO HERDEIRO O INFANTE DOM PEDRO”.
 
Uma das histórias mais interessantes, acontecida pouco tempo antes do início das obras do castelo, decorreu em 1313, quando o Rei Dom Diniz, num esforço hercúleo para consolidar as fronteiras, entrega a Vila de Mourão a Dom Raimundo de Cardona com a indicação expressa de este não construir ali uma fortificação. Terá tal decisão resultado do facto de já existir por lá uma estrutura defensiva suficiente para os projectos reais? Ou terá somente resultado de um pensamento estratégico por parte do Rei, percebendo que era ainda volátil a linha de fronteira e que não convinha estar a construir estruturas que posteriormente pudessem vir a ser utilizadas contra Portugal? Não se sabe ao certo. Mas, como o inesperado quase sempre impera nestas terras de deslumbramento, falta dinheiro ao novo Senhor de Mourão e a opção que este toma, em claro desobedecimento à vontade do Rei, passa pela venda em leilão da vetusta vila raiana. O comprador, um tal Martim Silvestre, natural de Monsaraz, adquire Mourão pela singela importância de 11.000 Libras em 19 de Abril de 1317. Mas poucos dias depois, a 15 de Maio desse mesmo ano, o feliz comprador recebe ordem Real para que lhe revenda a vila pelo mesmo valor pela qual a comprou, determinando que Mourão tem uma importância definitiva na determinação da linha de fronteira da qual dependia a própria independência de Portugal.
 
Depois de vicissitudes diversas que dão forma ao devir histórico de Mourão, e de diversas intervenções que vão actualizando a componente militar da estrutura defensiva, o castelo vai conhecendo uma progressiva perda da sua importância estratégica, facto que se reforça depois da consolidação da restauração da independência Nacional em 1640. São dessa época a adaptação dos seus panos de muralha às novas exigência da moderna artilharia, e pouco tempo depois, a destruição visível causada pelo grande terramoto de 1755.
 
 
 
 
Daí até agora, e apesar de continuar a existir um conjunto de vestígios que vale a pena visitar, como a antiga Casa dos Guardas e os antigos Paços do Concelho, para além da velha cisterna que resiste sob os pés dos visitantes, a marca maior do Castelo de Mourão é o abandono e a ruína.
 
Classificado como Imóvel de Interesse Público em Julho de 1957, só vinte anos depois, em 21 de Junho de 1977, é o castelo doado por escritura pública ao Município de Mourão pelo seu então proprietário Marcos Lopes de Vasconcelos Rosado.
 
Mas apesar disso, e de obras pontuais efectuadas para reforçar a estrutura e impedir a sua completa ruína, o Castelo de Mourão é hoje pouco mais do que um espectro semi-derruído daquilo que foi noutros tempos. Ressalva especial para o enquadramento cénico que a Barragem do Alqueva lhe trouxe e para a maravilhosa e mística paisagem que o que dele resta impõe a quem o visita.
 
Que pena Portugal não perceber a importância de um património riquíssimo como este! 

O Castelo de Montemor-o-Novo e a Vergonha de Portugal...

João Aníbal Henriques, 15.01.14
 
 
 
por João Aníbal Henriques
 
Ligado, de forma perene, às memórias de Vasco da Gama e à preparação da viagem marítima para a Índia, o Castelo de Montemor-o-Novo é um dos mais emblemáticos e maiores castelos de Portugal.
 
Situado no alto e um morro sobranceiro à planície alentejana, o castelo tem uma História antiga que provavelmente se perde nas brumas antigas da pré-História. Ali terá existido um castro que foi mais tarde romanizado, transformando-se então no centro de uma das mais importantes malhas viárias do império. Nele convergiam as Estradas de Évora e Mérida e, por outro lado, as que levavam a Olissippo e ao estuário do Rio Tejo, chamando-se nessa época Castrum Malianum. É esse facto, aliás, que explica o reforço do amuralhamento primitivo da cidade, reforçando a importância estratégica da sua localização.

 
 
 
O carácter de Montemor-o-Novo reforçou-se ainda nos inícios da Idade Média quando o território foi conquistado pelos Muçulmanos. É neste período que  a cidade conhece a presença de Almansor que, mais tarde, acabaria por ficar definitivamente marcado na toponímia do local, dando nome ao ribeiro que ainda hoje corre no local.

 
 
 
Em termos de desenvolvimento urbano, a importância de Montemor-o-Novo é bem patente no rápido e fulgurante aumento da população que, extravasando as muralhas do seu castelo, rapidamente de estende pelas colinas que o envolvem. Desde meados do Século XIX, com a pacificação do território e a progressiva degradação das condições de salubridade dentro das muralhas, foi a povoação medieval quase completamente abandonada em prol da afirmação da nova cidade extra-muros.
 
No seu regresso à Portugalidade, Montemor-o-Novo  foi reconquistado definitivamente pelo Rei Dom Sancho , em 1201, depois de Dom Afonso Henriques a ter reconquistado uma primeira vez em 1160. Trinta anos depois, em 1190, a cidade foi novamente tomada pelos Árabes que aí se mantiveram até à sua expulsão definitiva.
 
Para assegurar o seu repovoamento e defesa, o rei conquistador concedeu-lhe o primeiro Foral em 1203, documento esse que foi reconfirmado pelo Rei Dom Manuel I já no Século XVI (1503).
 
 
 
 
Palco de cortes por diversas vezes, foi em Montemor-o-Novo que o Rei Dom Manuel I tomou a decisão de enviar Vasco da Gama na sua viagem marítima até à Índia, sendo, por isso, aí que reside aquela que será porventura uma das decisões mais importantes para o devir histórico da própria humanidade. Como se diria mais tarde “de Montemor-o-Novo se mudou o Mundo e as suas gentes”…
 
Foi também em Montemor-o-Novo que nasceu São João de Deus (1495-1550), fundador da Ordem dos Hospitalários que ainda hoje se encontra espalhada por todo o Mundo.
 
 
 
 
Em termos de património, foi a cidade alvo de diversas campanhas de recuperação e actualização que, para além de alterarem de forma profunda a sua paisagem, acabaram por determinar o galopante estado de degradação que o terramoto de 1755 acabaria por acentuar.
 
Apesar disso, a Praça de Montemor-o-Novo resistiu ao ataque de Junot, durante as Invasões Francesas, tendo sido quartel-general das hostes liberais durante a Guerra Civil que opôs Portugueses contra Portugueses em pleno Século XIX.
 
Classificado como Monumento Nacional desde 1951, e apesar da sua extraordinária importância na percepção de Portugal e da sua História, o Castelo de Montemor-o-Novo continua num estado de degradação que é, de todo, incompatível com as potencialidades que apresenta.
 
 
 
 
Continuamente apresentado como palco de grandes campanhas de estudo e de intervenções arqueológicas, quase sempre acompanhadas de projectos para recuperação e musealização do espaço, o certo é que as muralhas continuam a apresentar um estado de ruína e de abandono que representam uma autêntica vergonha Nacional.
 


Dentro do recinto, e para além da recuperada Igreja de Santiago, faz dó visitar as ruínas do Paço Real, da Igreja de São João Baptista ou da Igreja de Santa Maria do Bispo… Uma verdadeira tristeza…