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cascalenses

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O Ultimatum Inglês de 11 de Janeiro de 1890

João Aníbal Henriques, 11.01.20

 

 
 
 
Numa outra Europa, numa outra realidade e noutro Mundo, na Conferência de Berlim, ocorrida nos anos de 1884 e 1885, os principais países ditos civilizados combinam entre si a divisão do Continente Africano. E fazem-no, de regra e esquadro na mão, em profundo desrespeito pelos Direitos do Homem… Em 1890, a Coroa Portuguesa recebe da parte do Primeiro-Ministro Inglês um telegrama com uma ignóbil ameaça: abandonar imediatamente os territórios africanos entre Angola e Moçambique…
 
 
por João Aníbal Henriques
 
 
Cumprem-se hoje 130 anos desde que Portugal sofreu uma das maiores injúrias da sua história. Pela mão de Lord Salisbury, o então acizentado Primeiro-Ministro Britânico, chegou a Portugal um telegrama dirigido a Sua Majestade El-Rei Dom Carlos instando a que as forças militares Portuguesas fossem retiradas de imediato dos territórios onde se encontravam entre as actuais fronteiras de Angola e Moçambique.
 
A história vinha de longe e demonstra bem a forma como se organizou a Europa em que hoje vivemos. Em 1884/1885, em Berlim, as principais potenciais Europeias, procurando evitar uma guerra que sabiam que seria devastadora (como foram mais tarde a I e a II Guerras Mundiais), juntaram-se para dividir entre si os territórios africanos.
 
 
 
 
 
E, em profundo desrespeito pelos povos que lá viviam, e que nem sequer são mencionados no dito tratado, fazem-no com regra e esquadro, como se dividissem entre si os despojos de um mero saque corsário a um navio qualquer.
 
De forma complementar, porque o território africano não tinha ainda sido completamente reconhecido e explorado, criam legislação que permite que os países que promovam essa exploração e que ocupem os territórios que ficaram foram das partes assumidamente entregues a cada um deles (as melhores certamente…) passam a deter direitos de posse sobre os mesmos.
 
O Monarca Português, Dom Carlos de Bragança, ciente da importância desta prerrogativa, desenvolve então o chamado “Mapa Cor-de-Rosa” que, em linha com o que havia ficado decidido na Conferência de Berlim, permitia a Portugal ligar os territórios de Angola e de Moçambique, explorando a parcela de espaço que ligava ambas as colónias.
 
 
 
 
O País, sempre desprovido de meios e da riqueza que sempre são necessários para estes grandes projectos, faz literalmente “das tripas coração” e desenvolve um grande projecto de exploração e ocupação do território africano, num ímpeto de descoberta que só é comparável ao período áureo da expansão marítima renascentista.
 
O resultado cedo se fez sentir, porque a Inglaterra, aliada de sempre de um Portugal dependente da bondade externa, logo avançou com o célebre ultimatum para impor a Portugal o abandono dos territórios que legalmente e ao abrigo das decisões tomadas em Berlim, o País se encontrava a explorar e que legitimamente pretendia integrar no espaço territorial Português.
 
Como facilmente se imagina, restava muito pouco espaço de manobra à Coroa Portuguesa e a ordem, desrespeitosamente enviada por correio, foi de imediato cumprida. Ficou abalada a Corte, ficou fragilizado o Rei, ficou diminuído o País. E Portugal demorou cerca de 50 anos a recuperar o brio perante o seu parceiro inglês.
 
 
 
 
Numa época como a actual, na qual se afigura urgente repensar a Europa que temos e em que vivemos, vale a pena analisar com acutilância o significado profundo do Ultimatum Inglês a Portugal. Porque na sua origem mais próxima, ou seja, nos meandros diplomáticos da Conferência de Berlim, se escondem grande parte dos mais significantes segredos da diplomacia Europeia de então. E foi com essa gente, nessa geração e com base nessa forma se ser, de estar e de pensar, que se começou a delinear o projecto da Europa actual.
 
 
E se o desrespeito pelo próximo foi o mais notório dos pilares então contruídos, não é igualmente displicente a falta de respeito dos grandes pelos pequenos e dos poderosos perante os oprimidos.
 
A assinatura do Tratado de Maastricht, em 1992, serviu de mote para a reformatação dos valores e princípios que haviam nascido em 1884-1885. Mas a opressão federalista que marca este tratado (e que nos constrange até hoje) pouco ou nada diverge da prepotência demonstrada pelos que detinham poder no Berlim de então.
 
Desde essa altura até agora tivemos na Europa duas Guerras Mundiais. Conhecemos dezenas de guerras civis e de conflitos de todas as espécies nos quais pereceram milhões de Seres Humanos sem culpa formada.
 
Chegou a hora, 130 anos depois, para repensar esta Europa, para reponderar Portugal e para o fazer em respeito profundo pelos valores maiores que a humanidade não pode deixar de fazer prevalecer.

 

"Era uma Vez em Angola" de Guilherme Valadão

João Aníbal Henriques, 17.07.15

 

 
 
Era uma Vez em Angola” é o título do primeiro romance de Guilherme Valadão. Publicado recentemente pela Bertrand, esta surpreendente incursão no mundo da ficção transporta-nos ao longo de muitos quilómetros num percurso difícil entre as cidades de Lobito e de Luanda, na Angola dos anos 40.
 
Com uma linguagem simples e muito acessível, Guilherme Valadão deixa transparecer a profundidade de uma história em que se sentem os laivos de memória de uma vida – da sua vida – num exercício complexo que conjuga a serenidade de quem muito fez e de quem muito faz, com a ingenuidade própria do rapazinho que dá a cara por este enredo original.
 
Nas páginas de “Era uma Vez em Angola”, que de uma forma quase magnética nos prendem ao destino de um João Botelho ainda muito novo mas já reflectindo os arquétipos mais profundos de um saber ancestral que se vive sem ser necessário aprender, encontramos a emoção própria do desnorte de uma criança que deambula por uma África que nos enche a boca com o pó cru que se levanta com o vento, com as paisagens inesquecíveis que só quem lá esteve sabe descrever e com os sons, sabores e aromas antiquíssimos que acompanham o devir da humanidade que desde sempre ali foi capaz de viver. Quase é possível ouvir, ao virar de cada página, os batuques das comunidades por onde João Botelho passou ou sentir no ar o estrugido do peixe cozinhado tradicionalmente… E a acompanhar a viagem, os laivos omnipresentes dos valores da família, da amizade, do amor e da honestidade profunda, suporte da narrativa onde vamos descobrindo o seu autor e redescobrindo novos ensejos que ajudam a perceber o que é viver.
 
As memórias que Guilherme Valadão mascara por detrás de uma história comovente, descobrem-se progressivamente à medida que a história vai trazendo à superfície os sinais incontornáveis de um conjunto de sonhos pessoais que ele não tem a capacidade de esconder. Está lá e sente-se a riquíssima experiência de vida do autor, as sólidas e estruturantes vivências da sua família e um laivo de esperança que, mesmo no desânimo, ele deixa transparecer.
 
Também lá está, naquilo que o autor dá a entender que é uma ponte entre os tempos e as eras, uma mensagem de futuro, transversal à herança que Valadão quer deixar aos seus netos e que neste livro partilha através de uma interessante estratégia que conjuga o passado e o futuro através de um presente que deve ser permanentemente aproveitado e sofregamente entendido como o mais importante de todos os alicerces.
 
Em suma, “Era uma vez em Angola” transborda de uma África vivida de forma inebriante e seduz pela ligação permanente ao autor e às memórias únicas que se vão descobrindo ao longo do enredo. É uma leitura que envolve quem nunca teve a sorte de ter vivido África e, certamente, que não deixará indiferente quem lá esteve.
 
O livro pode ser adquirido na Bertrand Editora AQUI ou na Wook AQUI