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cascalenses

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A Ermida de Nossa Senhora da Cabeça em Évora

João Aníbal Henriques, 17.06.22
 

por João Aníbal Henriques

Existem espaços que se impõem na paisagem. Na maior parte das vezes é a vetustez magnífica da sua fachada ou a opulência da sua decoração que determinam essa capacidade de adaptar a envolvência à sua própria personalidade.

Nas vilas e cidades históricas portuguesas, quase sempre resultantes de um vínculo de índole religiosa que foi determinante no seu nascimento e na sua consolidação no seio da comunidade humana que as habitou, são os espaços sagrados que, através do impacto que têm na construção identitária da localidade, assumem este papel de cadinho maior a partir do qual se organiza tudo o resto.

 

 

Mas não é nada disto que acontece no final da Rua Mendo Estevães, em pleno centro história da mítica Cidade de Évora. O templo, enganosamente intitulado como “ermida”, ou seja, apontando para uma origem num ermo remoto e dado principalmente à interioridade meditativa humilde e despojada, é um espaço de aspecto robusto e solidamente construído dentro do velho casco urbano.

No entanto, nem a monumentalidade da sua construção, nem também o facto de recuperar a sacralidade ancestral que já noutras eras prosperava naquele local, foram suficientes para o impor na paisagem, antes passando quase despercebido perante quem por ali deambula ao sabor dos calores tórridos das tardes estivais.

 

 

A Ermida de Nossa Senhora da Cabeça foi consagrada em 1681 e, nessa altura, conheceu um período de aparente grande pujança e prosperidade. A robustez monumental da sua galilé, reforçada por eventuais estruturas de apoio das quais subsistem vestígios nas pedras velhas que suportam o seu terraço, foi mais tarde complementada com um magnífico painel de azulejos dedicado ao Coroamento da Virgem, que complementa os painéis azulejares da autoria de António de Oliveira Bernardes que decoram o seu interior.

A inovação a Nossa Senhora da Cabeça, de origem espanhola, está profundamente arreigada na piedade popular. Como é comum neste tipo de situações, um ingénuo pastor que calcorreava os ermos da Serra Morena, na Andaluzia, terá ouvido nos desérticos montes por onde andava com o seu rebanho, o som de uma campainha que o parecia chamar. Seguindo esse ruído, entrou numa gruta situada na cabeça de um morro no fundo da qual estava uma formosíssima imagem de Nossa Senhora profusamente iluminada. Ajoelhando-se, o pastor questionou a figura sobre a razão de ser de tal milagre. E Nossa Senhora, com uma voz suave e envolvente definida pela sua geração sagrada, pediu-lhe que contasse nas redondezas a natureza deste milagre, construindo no local uma ermida em sua memória onde todos pudessem ir rezar.

 

 

Na ermida eborense, lançando sobre a envolvente duas sombras cruas, a representação do Sol e da Lua reforçam a sua significação milenar, acentuando a dicotomia entre as sombras e a luz e comprovando a sua origem ancestral. Embora não se sabia exactamente a data de fundação da ermida, e assumindo-se que a consagração já mencionada é somente um dos momentos da sua mais longa existência, pressupõe-se que a sua origem se perca na sacralidade ancestral associada aos cultos longínquos que foram professados naquele mesmo espaço.

E a apontar nesse sentido estão os vários materiais reutilizados na actual construção, comprovando que outros edifícios (ou diferentes formulações do mesmo) terão co-existido naquele lugar ao longo dos séculos.

 

 

Discreta na sua implantação urbana, a Ermida de Nossa Senhora da Cabeça é um magnífico exemplo da arquitectura sagrada de Portugal, mostrando que as principais devoções, quase todas resultados directo da evolução do pensamento e da Fé nas comunidades que as professaram, são superiores aos séculos, Às épocas e às eras, impondo-se no imaginário popular como alicerce principal da sua religiosidade.

E, se por fora parece mera capela perdida no seio da multiplicidade de tempos semelhantes que profusamente enxameiam as ruas de Évora, por dentro a qualidade da sua decoração demonstra bem que era espaço de primeira importância para as gentes do local.

A Ermida de São Miguel em Évora

João Aníbal Henriques, 19.10.21

 

 

por João Aníbal Henriques

São Miguel é o forte e sempre leal defensor dos oprimidos. É ele quem determina o desfecho das grandes lutas interiores, derrotando o mal e promovendo a ascenção dos pecadores em direcção ao céu. Guardião primordial do Trono Celeste, São Miguel é aquele que mais se aproxima do esplendor do Pai, mantendo a liderança dos anjos fiéis e garantido a vitória final contra o mal.

 

 



 

Em Évora, junto ao denominado Páteo de São Miguel, existe uma singela capela que esconde um preciso e ímpar segredo. A Ermida de São Miguel, fundada originalmente no Século XII logo depois da tomada da cidade aos Mouros, apresenta actualmente um traço arquitectonicamente pouco interessante, mercê de várias adaptações e transformações sofridas ao longo dos Séculos, mas guarda consigo a História extraordinária da mítica devoção do primeiro Rei Português ao mais forte de todos os Arcanjos.

Diz a lenda que quando Dom Afonso Henriques se preparava para resgatar a cidade de Santarém à mourama, apareceu no céu aos soldados lusos o braço armado de São Miguel e uma asa. Em virtude desse sinal, o monarca teria decidido ali mesmo criar uma Ordem Militar de Cavalaria que honrasse esse testemunho e que motivasse o exército Português a erguer a sua força através da Fé.

A Ordem Militar de São Miguel da ALA (ou da ASA), cresce assim na sombra da formação mítica da nacionalidade, emprestando-lhe uma aura de misticismo e de intervenção celeste que explica muito do fervor que os pequenos grupos de soldados lusitanos detinham quando empreendiam (e quase sempre venciam) as muitas pelejas que foram necessárias para criar o Estado Independente de Portugal.

Depois da Conquista de Évora, em 1165, Dom Afonso Henriques entrega o velho castelo (provavelmente não mais do que uma pequena fortificação precária situada numa das zonas mais altas da cidade) à Ordem Militar de São Bento de Calatrava, conferindo-lhe igualmente o dever de zelar pela reformulação da estrutura defensiva de Évora e, concomitantemente, pela construção de um templo dedicado ao Arcanjo São Miguel.

A construção, originalmente marcada pela singeleza que sempre surge associada a momentos de grande crise e alvoroço político, manteve o estilo chão tradicional daquela zona do Alentejo e foi-se reformatando aos gostos das várias épocas que se sucederam.

A abside manuelina, que a reconstrução seiscentista deixou intacta, é um dos poucos motivos de interesse formal do edifício, que se estende à escultura Joanina do arcanjo padroeiro.

Classificada como Imóvel de Interesse Público desde 1939, a Ermida de São Miguel passa actualmente despercebida ao visitante mais distraído. Não só pela simplicidade com que se impõe no seio da monumentalidade extraordinária da cidade, como também pela sua integração no espaço de animação ali concretizado pela Fundação Eugénio de Almeida.

O segredo que guarda, e que poucos eborenses conhecem é, no entanto, muito maior do que a própria cidade, a região ou mesmo Portugal… porque encerra em si próprio o ensejo maior de um alicerce espiritual que deu forma à devoção e que permitiu consagrar o novo País numa Europa convulsa e avessa a esses feitos.

São Miguel Arcanjo, expoente máximo da devoção, encerra a força e a determinação necessárias para que se cumpra Portugal.É nele que reside a esperança e a Fé que Agostinho e outros congéneres colocaram na recupação do esplendor Nacional.

A Igreja de Nossa Senhora da Graça em Évora

João Aníbal Henriques, 20.10.19

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
 
Os “Meninos da Graça” como é conhecida em Évora a Igreja Renascentista de Nossa Senhora da Graça, são míticas figuras Atlantes. E, cumprindo o desígnio maior de zelar pela memória de Portugal, estão ali na qualidade de guardiões das quatro partes do Mundo descobertas pelos Portugueses. Todo o templo, resquício inesperado do substracto místico e mítico de Portugal, transparece em lendas e em mistério, rendendo homenagem maior aos feitos enormes que noutras eras e noutros tempos caracterizaram este País tão especial…
 
 
Considerada por muitos como o mais antigo templo renascentista do Alentejo, a Igreja de Nossa Senhora da Graça, situada no coração da egrégia cidade de Évora, é um dos mais interessantes monumentos de Portugal.
 
Integrando o antigo Convento dos Frades Eremitas Calçados de Santo Agostinho, a igreja que agora conhecemos foi construída depois da instalação da Ordem em Portugal, no ano de 1511, com traço de Miguel de Arruda e esculturas de Nicolau de Chanterene.  Terá vindo ocupar o lugar de um templo de menores dimensões e de pouca exigência arquitectónica que os frades construíram naquele lugar logo depois da sua chegada a Évora, sendo provavelmente sido na década de 1520 que se iniciaram as obras que lhe conferem o aspecto actual.
 
 
 
 
Integrando de forma sublime todos os detalhes que definem o período renascentista em Portugal, a Igreja da Graça leva quase ao extremo a sua inquietante demanda pelos símbolos maiores da nacionalidade, apelando de forma directa ao alicerce raramente assumido do inconsciente colectivo de Portugal. A temática marítima, em voga na época em que a igreja foi edificada, cruza-se com as lendas maiores do Globo Terrestre, espécie de brinquedo temático que se consagra por inteiro a Portugal, como se o Universo todo conspirasse de uma forma global para canalizar para este recanto encantado os destinos maiores da humanidade em geral. Resultam daí as escapadelas ao ideário Atlante, numa sede quase mística do desconhecido e do inexplorado, um pouco em linha com a mítica demanda do Santo Graal e, em Portugal, com a espera eterna pelo Rei Desejado.
 
Este caminho, feito nas sombras visíveis de uma sociedade ainda maioritariamente dependente dos equilíbrios e das certezas medievais, assume especial relevo se nos reportarmos ao Alentejo de então. A região, marcada de forma telúrica por uma dependência extrema relativamente às agruras da natureza, sustenta o seu edifício simbólico no tronco maior que dá relevo à inovação da Senhora da Graça, ou seja, àquela que contra tudo e contra todos, se materializa na miraculosa capacidade de tudo fazer.
 
 
 
 
A Atlântida, continente mítico elevada de forma eterna à plenitude maior do saber e da sabedoria, consubstancia-se na Igreja da Graça através de toda a simbologia que dá forma ao edifício. Mas também, porque o Céu e a Terra são ambos necessários para a compreensão integral de Deus, nas práticas seguidas e cumpridas de forma sentida pelos frades que ocuparam este convento durante muitas gerações. É a eternidade, composta pela mistura integral entre o finito e o infinito, que nos surpreende quando nos deparamos com a fachada granítica e imponente desta igreja. Uma eternidade que é sustentada pelo conhecimento superior e pela sabedoria daqueles que regressaram de um lugar diferente. O ideal celeste, condicionado pelas necessidades próprias da vida terrena, resulta aqui numa amálgama de símbolos que se interligam num plano de consciência que tem necessariamente de estar alterada para ser verdadeiramente entendida e compreendida.
 
 
 
 
O ímpeto cenográfico da Igreja da Graça, de carácter fortemente impactante na pujante vida cultural eborense da época renascentista, dá corpo ao reforço deste movimento arquitectónico e artístico em Portugal. Na sua evolução para o maneirismo, o templo congrega o carácter humanista profundo que enforma a acção dos seus mecenas originais, El-Rei Dom João III e o seu primo o Bispo Dom Afonso de Portugal.  São eles, mercê da formação que tiveram no contexto da Europa em que viveram, que canalizam para este espaço de Évora os meios que permitem a construção de um tão vetusto templo. E com esse acto, aparentemente singular, dão um contributo extraordinário para a viragem cultural que definirá Portugal ao longo dos séculos seguintes.
 
A importância da Igreja da Graça é, por isso, muito superior ao seu valor patrimonial. Ela é o testemunho mais evidente da forma como Portugal, assente num conjunto de valores espirituais profundamente difundidos por todo o território, foi capaz que os plasmar na sua realidade física, social e política e, dessa maneira, concretizar o sonho imenso dos descobrimentos. Atesta, numa linha de continuidade que nos carrega até à actualidade, que o espírito transcende de facto a matéria, tornando possíveis os milagres e enfatizando que as fronteiras são pouco mais do que meros obstáculos que se interpõem durante a vida de cada um.
 
 
 
 
Única na sua formulação física e patrimonial, mas também na mensagem que carrega, a Igreja de Nossa Senhora da Graça, em Évora, é pilar axial essencial para compreender a Portugalidade.

 

A Igreja Paroquial de Santiago (ou de São Tiago) em Évora

João Aníbal Henriques, 05.10.19

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Situada no coração da cidade e envolvida de perto pelas principais atracções turísticas de Évora, a Igreja de Santiago passa normalmente despercebida a quem por ali deambula. Mas não deveria ser assim… o templo, de origens ancestrais, é um dos mais interessantes repositórios das memórias e das histórias desta urbe alentejana, sendo bem demonstrativo da forma como as eras, as culturas e as gentes aqui confluíram numa amálgama de vida que não pode deixar ninguém indiferente.
 
A documentação histórica aponta o ano de 1302 como o da fundação do primeiro templo Cristão no local onde hoje se ergue a Igreja de Santiago. Cercada pelas antigas muralhas da cidade, bem perto do antigo fórum romano e da principal via estruturante da economia da região é provável, no entanto, que naquele espaço tenham existido outras construções que a precederam e que são responsáveis pelos muitos vestígios que se podem ver no local.
 
 
 
 
Desde a colunata de origem romana até à própria formulação espacial ao templo, que denota claramente uma influência de origem islâmica, são muitas as pistas que nos permitem suspeitar da ancestralidade maior da origem sacra deste espaço tão especial, marcado de forma impactante pela profusão de estilos decorativos e de cores que se cruzam e se sobrepõem em camadas bem ilustrativas daquilo que foram os seus mais de 800 anos de História que se sobrepõem em camadas sucessivas de memórias.
 
Na sua componente Cristã, Católica, Apostólica e Romana, a Igreja de Santiago de Évora nasce por isso no Século XIV, permanecendo sem grande história durante cerca de 200 anos. Durante esse período foi, muito provavelmente, somente um dos muitos templos que servia a prática religiosa dos eborenses, num plano de discrição que resulta naturalmente do recato que a sua localização impõe. Apesar disso, enquanto espaço de morte, foi permanentemente destino privilegiado de vários habitantes ilustres da cidade, nomeadamente ligados ao Clero, tal como o atestam as muitas lápides sepulcrais que subsistem no seu interior, em linha com a ligação sempre perene à cúpula organizativa da própria Ordem de Santiago da Espada.
 

 

 
 
Mas o principal foco de interesse para quem visita esta igreja, marcante do ponto de vista estético e fulcral na definição daquilo que foram as principais intervenções efectuadas no seu interior, são as paredes repletas de pinturas murais polícromas, que fecham uma intervenção maior que reformatou o espaço interior e dotou o templo de uma cabeceira estrutural de grandes dimensões e que define hoje o monumento.
 
São desta época também os painéis de azulejos que cobrem as laterais do Altar-Mor e da nave principal da igreja, da autoria de Gabriel del Barco e de Oliveira Bernardes, que ajudam a enquadrar o mote barroco que passou a caracterizar a essência decorativa do espaço. Importa destacar, pela implicação de enquadramento cénico que tem, sublinhado pelo carácter de província da igreja, a talha dourada dos altares, que se mistura com o esplendor das evocações artísticas de âmbito semi-profano que dão corpo à estrutura decorativa da mesma, num apelo quase herético a realidades que aparentemente se supõem longínquas do Alentejo da época em questão.
 
 
 
 
O apelo à Força, simbolicamente associada à exaltação do Altíssimo, surge misturado numa verdadeira amálgama figurativa onde as figuras Atlantes assumem papel de destaque enquadratório. Talvez seja por isso, na senda da já referida tradição maior que transparece da evolução das épocas e das gentes que fruíram daquele espaço, que o epitome maior que desde sempre surge como uma espécie de sina desta igreja, seja o da ritualidade da morte, ainda hoje marcante para quem habita em Évora, e que ali se consubstancia num conjunto bastante vasto de referências culturais, religiosas e simbólicas numa simbiose que se próxima de sobremaneira da estrutura de pensamento do Alentejo de todos os tempos.
 
 
 
 
O balcão fronteiro ao templo, num varandim de pequenas dimensões que compacta a sacralidade do lugar ao pouco espaço existente naquele recanto da cidade, contribui também ele para reforçar esse ideia inicial, sendo maioritariamente um apelo à visita ao espaço interior, ao mesmo tempo que faz prevalecer o absurdo deleite pelo contraste e pelo oposto. Esta dualidade, também ela visível na estrutura pétrea do templo, associa a ideia do equilíbrio como parte essencial da preservação do carácter sagrado da vida, aqui se espelhando na forma como o crescimento comunitário de quem por ali cumpriu os seus ritos de Fé, se foi construindo a partir de uma continuidade que obrigava a cedências de princípio na dogmática que dá forma a cada uma das épocas em que o templo existiu.
 
A Igreja de Santiago, mais do que mais um mero templo desta mítica Cidade Alentejana, é acima de tudo um monumento que estabelece pontes entre as várias eras e os tempos que a sua História atravessou. Acolhe no seu seio a singularidade de um espaço de características intrinsecamente chãs mas, por outro lado (e até em antagonia) de um local onde a complexidade da vida se espraia em cada elemento.
 
 
 
 
O seu estado de conservação muito precário também ele contradiz a importância  e o interesse desta igreja. Urge uma intervenção prévia de consildação e interpretação do espaço, antes da definição de uma intervenção de fundo que garanta a recuperação dos seus elementos estruturantes mais importes.
 
Até lá, tal como vem acontecendo ao longo de (pelo menos) o último milénio, acolhe diariamente as naves que transportam os eborenses à sua última morada e que ali recolhem os últimos raios de uma luz que certamente foi ensejo daqueles que a foram construindo ao longo do tempo!...