Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

cascalenses

cascalenses

Os Paços do Concelho de Benavente

João Aníbal Henriques, 03.02.17

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Quando a Ordem Militar de Calatrava, em 1199, instalou nos limites da cerca do seu Castelo de Coruche um novo povoado, criando assim condições para albergar condignamente os povoadores estrangeiros que eram essenciais à consolidação da Independência Nacional, estava longe de imaginar que a futura vila viesse a assumir um papel preponderante na afirmação arreigada da cultura ribatejana.
 
Situada nas margens do Rio Sorraia, afluente do Tejo que funcionou até época recente como uma das principais vias de comunicação de ligação a Lisboa, a Vila de Benavente fez assentar o seu devir quotidiano na sua localização estratégica e na imensa fertilidade das suas terras. Com uma economia assente na produção agrícola, canalizando para a capital a generalidade dos bens alimentares que produz, o concelho flui historicamente a partir dos ciclos da natureza e dos ritmos impostos pela exploração da terra.
 
Os touros, desde sempre presentes no ideário comunitário do lugar, são acrescento com um cunho de sacralidade ancestral, à produção hortícola, com ensejo especial para o tomate e melão, e sobretudo à produção de cereais que durante muitos séculos representaram a grande riqueza municipal. A Identidade Local, essencialmente vincada no milenar orgulho de ser ribatejano, espraia-se na forma como se organiza o povoado, determinando a construção dos principais edifícios e a colocação de monumentos e equipamentos públicos.
 
 
 
 
Foi o que aconteceu, depois da demolição do velho edifício onde se situavam os Paços do Concelho, com a construção do edifício da Câmara Municipal. Espacialmente projectado para recriar um largo fronteiro suficientemente amplo para que nele se pudessem continuar a correr os touros, o actual edifício, onde se instalaram também o tribunal, a cadeia e outras repartições públicas, define-se pela enorme impacto que tem na povoação, assumindo a sua arquitectura de cenário para reforçar a sensação de poder e ordem que dele emana.
 
Num primeira fase, logo após a sua construção, em 1875, o velho Pelourinho de Benavente, construído por ocasião da entrega à Vila da Carta de Foral manuelina, foi recolocado em posição descentrada relativamente ao edifício municipal, mantendo assim limpa a linha de horizonte que permitia usufruir do traço neoclássico da sua fachada e assegurando a existência de espaço suficiente para que ali se continuassem a realizar os espectáculos taurinos. Depois, quando perdeu o seu uso como espaço de administração de justiça, acabou por verem-lhe retiradas as ferrarias que sustentavam o suporte onde se colocavam as balanças oficiais para garantir a justiça nas actividades comerciais que evoluíam nas imediações.
 
 
 
 
Em 1909, quando aconteceu o grane sismo que praticamente destruiu por completo o casario da velha vila, o edifício municipal sofreu danos avultados cuja recuperação determinou a realização de obras de reconstrução que alteraram algumas das suas características originais. No exterior, foi nessa altura construída a torre metálica que ostenta o relógio e que, pela sua singeleza, é hoje um dos símbolos mais conhecidos de Benavente.
 
 
 
 
Marca primeira na definição espacial da vila, o edifício dos Paços do Concelho orienta desta forma a própria estrutura de Benavente. Na medida em que se ia processando a reconstrução da localidade depois do enorme cataclismo que representou o terramoto, as gentes locais, que foram sendo alojada provisoriamente em barracas montadas no actual terreiro da Igreja Matriz, era para ele que convergiam as atenções daqueles que procuravam fazer valer os seus direitos e dos que defendiam as suas propriedades. Símbolo maior da justiça, é nele que se determinam as novas dinâmicas sociais que hão-de dar corpo à Benavente da actualidade.
 
As alterações impostas por este acontecimento, num ano funesto em termos daquilo que foram as mudanças políticas que caracterizaram a vida em Portugal entre 1910 e meados dos aos 30, trazem a Benavente uma nova forma de ser e de estar que lhe garantirá a diferença e a capacidade de adaptação às adversidades que há-de ser essencial na modernização da vila e do seu concelho.
 
Visitar Benavente na actualidade, mais do que um exercício exploratório da beleza singela da vila ou sua modesta monumentalidade, é sobretudo um desafio ao nível da capacidade de entendimento das suas gentes, numa mescla em que a tradição se mistura com a modernidade, definindo uma forma completamente diferente de estar e de viver. O edifício dos Paços do Concelho, tal como o Cruzeiro do Calvário, são testemunhas inultrapassáveis desse estado!
 
 

O Cruzeiro do Calvário em Benavente

João Aníbal Henriques, 03.02.17

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 

 

Localizado no antigo Rossio do Moinho de Vento, nas margens do Rio Sorraia e junto ao centro histórico de Benavente, o Cruzeiro do Calvário é uma das mais significantes obras da monumentalidade sagrada do Ribatejo. Construído em 1644 pela Irmandade dos Passos, num movimento assumido de caridade comunitária, representa os equilíbrios sócio-económicos que se geraram na localidade, mercê da influência que a Igreja Católica teve na definição dos arquétipos de pensamento ancestrais dos que ali habitavam. Em seu torno, depois de concretiza a ritualística que fomentava o espírito comunitário e agregava os benaventinos numa praxis comum, desenvolviam-se então as acções de apoio aos mais necessitados. Mas, ao contrário do que acontece com o mecenato comum nessa épocas nas grandes metrópoles urbanas, aqui o acto de partilha converge para um ritual de partilha que o cruzeiro atestava. A condição de vida, numa sujeição a Cristo que o Senhor dos Passos personificava, desenvolvia-se assim de forma natural como sendo parte integrante da própria existência. A diferenciação social, tão importante ainda hoje na definição social do Ribatejo, ressurge desta forma no seio da comunidade mas, ao contrário do que acontece noutros lugares, assumindo aqui uma cumplicidade cuja origem divina ninguém ousa questionar… Perdido actualmente nos limites da vila, numa entrega ao destino a que não é alheia uma paulatina anomia que vai grassando entre as novas gerações, o Cruzeiro do Calvário mantém incólume a sua importância, definindo-se como monumento maior para quem quiser conhece e perceber a História de Benavente. 

Nossa Senhora da Oliveira e a Igreja Matriz de Samora Correia

João Aníbal Henriques, 30.11.16

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
A inovação de Nossa Senhora da Oliveira, misto de várias lendas que congregam uma orientação devocional ancestral, surge em diversos recantos de Portugal. Sendo maioritariamente do Século XVIII, no que ao território nacional diz respeito, a lenda remete para histórias antigas que provavelmente conjugam práticas e rituais pré-Cristãos que foram sendo progressivamente integrados no culto Católico.
 
 
 
 
No caso de Samora Correia, onde a Senhora da Oliveira surge associado à lenda do aparecimento de Nossa Senhora a uma criança paraplégica a quem ajudou a curar-se, a lenda faz perdurar uma atípica ligação aos ritos relacionados com o sofrimento e a dor. De facto, Nossa Senhora da Oliveira é originariamente uma inovação que se fundamenta na Paixão de Jesus, na Palestina, onde o sofrimento extremo do Senhor é elemento indissociável da libertação da própria humanidade. E é esta inovação, que está amiúde relacionada com o sofrimento intolerável da Mãe de Cristo pelo calvário sofrido pelo seu Filho, que estabelece a relação sincrónica com a criança ribatejana bafejada com o dom da libertação do seu suplício precisamente pela Senhora da Dores (ou das Dores) simbolizada pela omnipresente oliveira.
 
 
 
 
A Mãe de Cristo, por extensão Mãe da Humanidade no seu todo, congrega no seu sofrimento a dor do seu Filho, reforçando dessa maneira a entrega total à causa da salvação da humanidade. Na Bíblia, Nossa Senhora surge descrita precisamente como o fruto privilegiado dessa árvore importantíssima para a qualidade de vida no médio-Oriente, dizendo-se mesmo que a sua glória é igual ao fruto da oliveira. A santidade de Nossa Senhora cumpre-se assim numa abordagem curativa, dela dependendo o povo para o desvanecimento das suas chagas.
 
A ligação a São Tiago, que também lendariamente terá trazido consigo a imagem de Nossa Senhora da Oliveira que se encontra em Guimarães, estabelece também ele relação com a invocação ribatejana, em virtude de a Igreja Matriz de Samora Correia, construída em 1721 pelo Padre Henrique a Silva Araújo, sobre as ruínas demolidas de um templo anterior, pertencer originalmente à Ordem e Santiago da Espada, cuja inovação surge em paralelo com a da Senhora da Oliveira.
 
Do espólio da igreja faz parte um importantíssimo património azulejar contemporâneo da sua construção que, apesar de bastante maltratado pelo terramoto de 1755 e, posteriormente, pelo grande terramoto que afectou a região do Ribatejo em 1909, apresenta ainda um nível artístico digno de uma atenção muito especial. Quase inteiramente dedicado a São Tiago, cujas armas da ordem militar se encontram pintadas no tecto da igreja, os painéis de azulejos foram assinados com a sigla P.M.P., retratando o “Mata Mouros” como monge-guerreiro, numa alusão directa ao esforço da reconquista Cristã e ao papel que ela teve na consolidação da Identidade Nacional.
 
 
 
 
Na fachada da igreja, a cerca de 14 metros de altura, nasceram (julga-se que de forma espontânea) uma oliveira e uma figueira, que do alto da sua vetustez, fazem parte da imagem de marca do monumento. Estando previsto o seu corte durante as obras de recuperação que recentemente tiveram lugar no templo, foi amplamente criticado pelo povo de Samora Correia que conseguiu que se mantivessem como parte integrante do mesmo.
 
Classificada como Imóvel de Interesse Público desde 1957, a Igreja de Nossa Senhora da Oliveira de Samora Correia, impõe-se na paisagem da cidade e no conjunto patrimonial ribatejano, apresentando um conjunto de incongruências ao nível da definição espacial e da sua localização que são bastante ilustrativas da realidade religiosa e comunitárias deste recanto de Portugal.
 
 
 
 

 

Parte integrante do antigo terreiro do Palácio dos Infantado, cuja fachada principal está para ela virada, a Igreja Matriz de Samora Correia é inultrapassável numa visita ao Ribatejo e é peça essencial na compreensão daquilo que foi sempre a enorme ligação de Portugal à figura de Nossa Senhora. 

O Palácio do Infantado em Samora Correia

João Aníbal Henriques, 28.11.16

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
O Ribatejo, com a sua lezíria verdejante e as águas pressentidas do Tejo sempre no horizonte, exerce um ancestral atractivo sobre as comunidades humanas. Desde tempos imemoriais, provavelmente desde que existe um homem sobre a Terra, que a actual província do Ribatejo é habitada, nela tendo ficado os vestígios e as marcas de muitos milhares de anos e de gerações sobre gerações que nela se deleitaram ao longo do tempo.
 
É, pois, essa mesmo a explicação para o nascimento de Samora Correia. Elevada à categoria de cidade em 2009, e mantendo-se como cabeça de uma das principais freguesias do Concelho de Benavente, Samora Correia acompanha o processo de reestruturação e açoreamento do Rio Tejo, em cuja margem esquerda está implantada, alcançando assim as condições que permitem u assentamento humano mais permanente. A partir do Século XII, quando Dom Sancho I entregou o seu território nos domínios da Ordem Militar de Santiago da Espada, Samora Correia conheceu as suas primeiras grandes construções, nomeadamente o Baluarte de São João Baptista e a primeira versão daquela que é hoje a sua Igreja Matriz.
 
 
 
 
As terras de Samora eram, naqueles idos antigos em que Lisboa era ainda uma miragem longínqua afastada pelas águas do rio, basicamente reserva de caça dos grandes senhores de Portugal, que durante bastante tempo foram a razão de ser da importância daquela terra.
 
A criação da Casa do Infantado, no tempo de Dom João IV, com o objectivo de garantir rendimento para os filhos segundos do monarca, marca o principal ponto de viragem na História de Samora Correia. A partir dessa altura, o seu território passa a receber a visita constante das principais figuras da vida Nacional, tornando-se espaço incontornável na definição da Identidade de Portugal.
 
O Palácio do Infantado, também conhecido como Palácio de Dom Miguel ou Palácio da Companhia das Lezírias, é o principal monumento de Samora Correia, representando de forma óbvia o devir quotidiano da terra e das suas gentes.
 
 
 
 
Construído na segundo metade do Século XVI por iniciativa de Dom Francisco de Bragança (1691-1742), filho do Rei Dom Pedro II, o palácio era sobretudo um porto de abrigo para os dias de caçada real de que tanto gostava o infante. Embora apresentasse uma formulação espacial diferente daquela que ostenta hoje, com um único piso que se prolongava em frente da Igreja de Nossa Senhora da Oliveira, o palácio era já o pólo central do processo determinante de exploração do actual território ribatejano, consolidando uma estratégia de ocupação e de exploração do solo que culminará, alguns anos depois, com a criação das lezírias tal como hoje conhecemos.
 
Tendo sobrevivido ao terrível terramoto de 1755, que praticamente devastou a região de Lisboa, o palácio surge nas memórias Paroquiais como tendo sido a morada principal do Infante D. Francisco.
A ligação ao partido conservador e absolutista de Dom Miguel, também ele um apreciador do cenário de caça propiciado por Samora Correia, surge já em pleno Século XIX, quando as forças do Remexido chegam ao local onde são presas pelos defensores do novo regime constitucional.
 
 
 
 
Em termos de cataclismos, o Palácio do Infantado sobreviveu ainda ao terramoto de 1909, que arrasou quase por completo as habitações muito precárias do povo de Samora Correia, tendo sido posteriormente destruído por um enorme incêndio que nele lavrou no ano de 1976. Depois dessa data e de uma série de campanhas de obras que se prolongaram até 1998, foi totalmente reconstruído tendo angariado a forma que hoje se lhe conhece.
 
Pólo central da vida cultural da Cidade de Samora Correia, o Palácio do Infantado, com a sua localização privilegiada no largo fronteiro à Igreja Matriz e em pleno coração do núcleo histórico consolidado da povoação, é hoje espaço incontornável numa visita do Ribatejo, ali sendo possível perceber com mais rigor a forma como se consolidou toda aquela tradicional região.