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cascalenses

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A Igreja de São João de Alporão em Santarém

João Aníbal Henriques, 21.01.22
 

por João Aníbal Henriques

No final do Século XII, quando Portugal vivia ainda no ímpeto massacrante da sua afirmação nacional, a região do Ribatejo e a Cidade de Santarém foram peça-chave na definição conclusiva das fronteiras e na capacidade de consolidação do País recém-nascido.

No seu esforço para crescer, as zonas da raia assumiram especial importância, não só porque estrategicamente eram pontos vulneráveis a possíveis ataques, como também porque eram zonas de transição que impunham um controle defensivo arreigado e funcionavam como cadinho para o permanente esforço de crescimento territorial.

Santarém, com a sua História antiga e uma tradição assente na capacidade permanente de readaptação política, social e cultural, foi sempre estrategicamente essencial para a formulação dos equilíbrios que permitiram impor Portugal como nação incontestável na Europa de então.

De especial importância, até porque a sua situação junto ao Rio Tejo lhe dava um estatuto de redobrado relevo no contexto dos núcleos urbanos de Portugal, Santarém estruturou-se urbanisticamente a partir das vicissitudes da sua História política, ganhando desde sempre a capacidade de adaptabilidade necessária para cumprir com sucesso esse desiderato.

 

 

A Igreja de São João de Alporão é disso exemplo paradigmático.

Com uma História longa e quase milenar, foi-se construindo e reconstruindo ao sabor das vicissitudes diversas que a foram afectando. A sua espacialidade, muito condicionada pela posição estratégica que assume na entrada do perímetro amuralhado da cidade, foi determinante na concepção dos variados modelos defensivos da capital escalabitana, dela dependendo as estruturas militares que existiam à sua volta e que foram desaparecendo ao longo dos séculos.

Modelo híbrido em termos arquitectónicos, porque representa de forma evidente uma posição de charneira entre o românico e o gótico, pertenceu nas suas origens à Ordem de São João do Hospital, na senda das suas funções de reconquista do território Cristão.

O seu pórtico de entrada, assente em arcaria de origem românica, confere-lhe o peso da vetustez da sua longa História. Mas a rosácea, encabeçando a transição para o goticismo iluminado, confere-lhe uma certa singeleza que em contraste nos remete para os desafios mais inquietantes daquele período da História de Portugal.

 

 

Havendo provavelmente alguma explicação para este tão vincado carácter duplo do monumento escalabitano, o certo é que o abandono da estrutura original românica e o assumir das orientações góticas na redefinição do seu desenho, dota esta igreja de uma aura quase mística no contexto da arquitectura religiosa de então. Obras inacabadas na sua versão inicial, ou eventualmente um qualquer acidente e/ou cataclismo que tenha obrigado à sua recuperação, o certo é que São João do Alporão se define a partir desta duplicidade estética que afecta de forma indelével a cenografia estética da Cidade de Santarém.

Antes de se transformar no notável Museu de Arqueologia que agora é, a Igreja de São João de Alporão foi adaptada a armazém de mercadorias e posteriormente a teatro, depois da extinção das ordens religiosas ter implicado a sua venda em hasta pública a particulares.

Classificada como Monumento Nacional desde 1910, a Igreja de São João de Alporão nunca perdeu o seu valor simbólico na estruturação religiosa do Ribatejo, tendo ajudado a redefinir a linha de pensamento de índole Cristã quando toda a região recuperou em definitivo a estabilidade política necessária para esse efeito.

A Igreja de Nossa Senhora da Graça em Santarém

João Aníbal Henriques, 20.01.22

 

 

por João Aníbal Henriques

 

Magnificamente implantada no coração da Cidade de Santarém, a Igreja de Nossa Senhora da Graça, comummente designada como Igreja de Santo Agostinho, é um dos mais importantes e impactantes monumentos religiosos do Ribatejo.

O edifício, originalmente construído no Século XIV, é um dos mais belos exemplares da arquitectura gótica em Portugal. Com as suas três naves, iluminadas de forma sublime por um conjunto de janelas em ogiva, apela de forma profunda à concepção mais iluminada de Deus, aqui entendido na inteira perfeição que os raios de luz projectam no espaço.

Na fachada principal, num misto de harmonia e profundidade cénica, o gótico flamejante relembra a audácia expressa igualmente em Santa Maria da Batalha, num cruzamento que sublinha a arcaria da porta com a enorme rosácea duplamente significante no estabelecimento de uma relação profunda com quem vê o monumento a partir da rua mas, sobretudo, para quem dele frui interiormente.

 

 

O espaço onde o edifício foi construído, simbolicamente relevante no contexto da geometria urbana da Cidade de Santarém, pertencia ao primeiro Conde de Ourém, D. João Afonso Telo de Meneses, e a sua mulher D. Guiomar de Vilalobos, que o doaram aos padres mendicantes de Santo Agostinho. Desta maneira, também com um cunho simbólico de relevo, se estabelece a relação entre a fina-flor da aristocracia escalabitana e a deambulante pregação dos frades que aqui se estabeleceram, multiplicando de forma exponencial o apelo à iluminação celestial e estabelecendo uma verdadeira escada de acesso ao céu.

Nesse prisma, é de primordial interesse a interpretação escatológica que deriva do monumento, assente na primeira concepção de um espaço que pretende salvar quem a ele acorre em busca de um laivo de esperança e discernimento…

A Igreja de Nossa Senhora da Graça, nesta vertente de eixo religioso do coração Ribatejano, evoca assim a função mais hermética da Igreja Católica Romana, que assume o apostolado como um desígnio sagrado e, dessa maneira, procura em permanência as estratégias mais céleres para alcançar o sucesso no cumprimento desse desiderato.

Caldeirão alquímico no sentido mais lato da forma que dele emerge, o espaço deste templo organiza-se à semelhança de um portal, orientando o fiel no seu caminho – sempre pessoal e em adoração a Deus – para o céu.

 

 

Aproveitada como panteão privativo da família Telo de Meneses, estando ali sepultados em túmulo duplo o casal de fundadores, a Igreja da Graça é ainda espaço de repouso eterno para Pedro Álvares Cabral, o assumido achador do Brasil.

Pela sua forma, pujança e qualidade histórica e artística, mas também pelo profundo simbolismo que carrega, a Igreja de Santa Maria da Graça, em Santarém, é motivo de grande interesse para todos os que se aventurem na árdua tarefa de conhecer e compreender Portugal.