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cascalenses

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Scala Coeli – Um elevador para o céu no coração de Cascais

João Aníbal Henriques, 30.05.25
 

por João Aníbal Henriques

No coração do casco urbano de Cascais, junto à Igreja Paroquial e à Cidadela, está um dos edifícios mais extraordinários e enigmáticos da vila. O actual Centro Cultural de Cascais, que muitos conhecem ainda como as “Casas do Gandarinha”, foi inicialmente um convento oferecido por D. António de Castro, quarto Conde de Monsanto e Senhor de Cascais, e por sua mulher,  D.Inês Pimentel, à Ordem dos Carmelitas Descalços.

A cerimónia de colocação da primeira pedra, assim que foram firmados os termos da doação por parte dos Senhores de Cascais, aconteceu no dia 1 de Dezembro de 1594, depois de obtida a autorização papal e do arcebispado de Lisboa para esse efeito.

Mas não foi isento de problemas e de polémicas esse momento. Os militares sedeados na Fortaleza de Cascais, preocupados com a proximidade do futuro convento e com os projectos de ampliação da fortificação, tudo fizeram para embargar a obra. Mas não conseguiram e a inauguração aconteceu em 1641, logo após a restauração da independência nacional, quando ficou terminada a capela e o espaço de culto que lhe estava associado.

E no Convento de Cascais, com a sua matriz mariana e dedicado a Nossa Senhora da Piedade, logo se instalaram os primeiros religiosos que, para além do culto regular similar ao de outros espaços semelhantes existentes noutros locais, ali criaram aquela que vem a ser uma das primeiras escolas de filosofia de Portugal.

 

 

Hermética e sensível àqueles que eram os mistérios daquela época, a comunidade de Cascais enveredou por uma linha de pensamento desalinhada com os poderes vigentes e, num ímpeto de inovação espiritual, procurou conhecer os mistérios da vida e da morte, perpetuando correntes de pensamento quase heréticas que juntavam nomes como os de Raimundo Lúlio, Santa Teresa d’Ávila, Santa Isabel de Portugal, Alberto Magno ou São João da Cruz. A sua ciência, misturando os conhecimentos técnicos da época com os valores abstractos da Alquimia, ou seja, a “ciência de Maria”, produziam para o Mundo Profano a célebre “Água de Inglaterra”, que curava praticamente todos os males de que os cascalenses de então padeciam, e para os iniciados deixava as pistas que orientavam os frades na sua busca espiritual pelo Santo Graal, essa porta aberta para a verdadeira sabedoria. Os metais comuns transformar-se-iam em metais preciosos, da mesma forma que o espírito transcende a matéria alcançando a sacralidade superior e diluindo-se na própria essência de Deus.

As paredes velhas do antigo Convento de Nossa Senhora da Piedade, guardam ainda hoje esse segredo maior. E na memória perene de cada uma daquelas pedras, estão ainda as pistas que nos permitem perceber o alcance da Obra que dali se foi espalhando por toda a Terra. Assumindo-se como verdadeira Scala Coeli, o convento de Cascais era funcionalmente um elevador que transmutava as Almas mostrando-lhes o caminho que lhes permitia elevarem-se ao Céu.

Até porque o Ouro e as riquezas materiais, efémeras como é efémero o nosso conceito da linearidade do tempo, são substância de segunda importância quando comparadas com o manancial de vida que floresce do acto de transformar o pão que alimenta o corpo nas rosas que alimentam o espírito…

Por isso, onde hoje se promove a cultura e se constrói saber, viam os Carmelitas Descalços daquele tempo uma imensa escadaria que subiam pacientemente, um passo de cada vez, até chegarem ao Céu.

 

 

Nas escavações arqueológicas que a Associação Cultural de Cascais ali fez durante a década de 90 do século passado, sob a direcção de José d’Encarnação e Guilherme Cardoso, e que precederam as obras de remodelação das novecentistas Casas do Gandarinha para que fossem transformadas no actual Centro Cultural, foram trazidos à luz do dia os vestígios dessas outras vidas e desses outros tempos, num exercício catártico que fez Cascais recuar no tempo até à fatídica noite de 1 de Novembro de 1755 quando o grande terramoto destruiu de forma arrasadora aquele cadinho de saber.

Mas ainda hoje, passados mais de um quarto de século desde que o novo equipamento se abriu à curiosidade dos cascalenses, são poucos aqueles que possuem a chave encriptada que permite desvendar os segredos maiores que aquele Tabernáculo teimosamente continua a esconder.

Como se a vida e a morte, que os frades ali cantaram, fossem mesmo as partes complementares de casa Ser.

VEJA AQUI O FILME SOBRE A SCALA COELI DE CASCAIS:
 

Segredos da Rainha Alquimista de Cascais

João Aníbal Henriques, 21.08.24

 

 
por João Aníbal Henriques
 
Em 1593 a Câmara Municipal de Cascais publicou uma postura que obrigava os homens que participavam na histórica procissão em honra da Rainha Santa Isabel a utilizarem capas e as mulheres mantéus. Quem não o fizesse pagava uma multa de 50 Reis! Esta procissão, ligada às mais profundas práticas devocionais dos Cascalenses, recuperava o culto alquímico pela Rainha Santa promovido pelos frades Carmelitas Descalços que oravam no antigo Convento de Nossa Senhora da Piedade. O Cortejo Alquímico de Cascais está eternizado no painel de azulejos colocados actualmente no Parque Marechal Carmona e passa despercebido a quase todos os que por aqui passeiam. Mas vale a pena olhar com cuidado para este segredo bem guardado de Cascais!
 
 


O Convento de Nossa Senhora da Piedade em Cascais (Casas do Visconde da Gandarinha e/ou Centro Cultural de Cascais)

João Aníbal Henriques, 19.09.22

 

 

 

 

por João Aníbal Henriques

A porta de entrada do auditório principal do Centro Cultural de Cascais abre caminho através de uma história longa e profícua de mais de 426 anos de segredos imensos que urge revelar.

As abóbodas incompletas daquela sala, oferecendo ao espaço uma aura mística que mesmo a utilização actual não consegue toldar, são o que resta da Capela onde rezavam quotidianamente os frades do Convento de Nossa Senhora da Piedade.

 

 

E nas paredes envelhecidas pelos séculos, está ainda a Pietá envolvida pelo silhar de azulejos que confirma a sua origem cultual, bem as placas evocativas dos beneméritos que ao longo dos anos foram contribuindo com a sua esmola e trocando a materialidade dos seus bens pelas Missas eternas que lhes garantiam a saúde da Alma…

 

 

Na denominada Capela do Fundador, ali mesmo à entrada do novo restaurante, parecem ainda ouvir-se as vozes tristes dos que acompanharam os seus entes queridos à sua última morada em cerimónias de uma magnificência terrena que contrastava com a singeleza excruciante de quem nem calçado usava. E nas sepulturas abertas no chão, está marcado o brilho da espada, das esporas e os restos da farda de gala de um dos mais importantes cavaleiros desse velho Cascais, mesmo ao lado dos confessionários onde se partilhavam sob sigilo sagrado as tentações de uma vida onde o pecado sempre teima em vingar.

 

 

Na passagem para o antigo claustro, sob o olhar atento do Camões que nasceu dolorosamente das mãos de Mestre Cutileiro, surge marcado a negro o percurso alquímico do deambulatório onde muitas gerações de religiosos descalços cruzavam as suas ladainhas elevando ao Altíssimo as preces mais pungentes das gentes de Cascais.

 

 

Nos vãos das janelas antigas, que abrem agora para sítio nenhum, pressentem-se os raios de luz que emanavam das representações majestosas de Nossa Senhora da Conceição e de Santa Teresa de Ávila, ali mesmo onde o caldeirão alquímico dos frades-filósofos transformava o cobre em ouro e dava ensejo para a retransformação espiritual da comunidade. E na Sala do Capítulo, onde se tomavam as decisões mais impactantes relativas ao futuro da comunidade, estão ainda as janelas que ofereciam aos irmãos uma visão privilegiada sobre a cidadela relembrando-os da ligação ao poder temporal que ela representava.

O céu e a terra ligados numa ponte mística neste convento de Cascais…

O Convento de Nossa Senhora da Piedade, onde em 1594 nasceram e cresceram os primeiros laivos da ciência em Portugal, é hoje o cadinho da cultura em Cascais. E onde há quatro séculos atrás se salvavam as Almas através do deleite proporcionado pela oração permanente e pela proximidade a Deus, crescem agora os espíritos deslumbrados pelo carácter onírico e pela pujança cromática dos muitos artistas que permanentemente ali encontram um palco privilegiado.

 

 

Nossa Senhora da Conceição e as Memórias do Convento da Piedade em Cascais

João Aníbal Henriques, 10.12.20
No dia de Nossa Senhora da Conceição, Padroeira e Rainha de Portugal e invocação ancestral de Cascais, recuperamos a memória do Convento da Piedade, escola de filosofia e de pensamento, onde nasceu a Identidade Cascalense. Actual Centro Cultural de Cascais, o antigo convento foi cadinho de cultura, é hoje o coração cultural da nossa terra e trabalha diariamente para a consolidação no futuro da Identidade Municipal. Porque a cultura em Cascais conjuga-se no passado, no presente e no futuro.

 

A Filiação Hermética da Alquimia Cascalense

João Aníbal Henriques, 20.07.20

 

A primeira escola de filosofia de Portugal funcionou no antigo Convento de Nossa Senhora da Piedade em Cascais. O edifício, onde actualmente está instalado o Centro Cultural, foi durante muitos séculos cadinho primordial do pensamento e da cultura em Portugal, ali tendo sido produzidas muitas das mais importantes e significantes obras de filosofia, de História e das ciências dos séculos XVI,  XVII e XVIII. Destruído quase por completo durante o grande terramoto de 1755, o edifício foi transformado em Casa de Veraneio pelo Visconde da Gandarinha e guardou na poeira dos novos tempos um dos mais extraordinários segredos de Cascais… Transportado para o Jardim dos Condes de Castro Guimarães, o painel de azulejos do antigo convento passa despercebido a muita gente. Mas naquele recanto encantado, à vista de todos e a comprovar que muitas vezes é no mais óbvio que se encontram as lições mais importantes, fica a prova da filiação hermética de Cascais e sublinha o significado profundo da simbologia alquímica desenvolvida no antigo convento. A “Procissão Triunfal”, misto de teologia e alquimia, retrata a Virgem Maria que segue em Glória num carro puxado a cavalo que esmaga com as suas rodas o dragão telúrico das forças mortais e terrenas. À frente, ostentando de forma vigorosa o Sol e a Luz, numa alusão simbólica à totalidade, os Arcanjos São Miguel e São Gabriel abrem o caminho para os grandes pensadores de todos os tempos: A “Ciência de Maria”, vulgo alquimia, consagra-se na Grande Obra de Santo António de Lisboa, Santa Isabel de Portugal, Santo Alberto Magno, Santa Isabel da Hungria, Arnaldo de Vilanova, etc. fechando o cenário com os anjos que carregam cada qual uma das alfaias sagradas do Hermetismo Carmelitano. Numa época de absurdo absoluto, em que se põem em causa os valores mais essenciais do humanismo português, importa olhar com atenção para este segredo, pois é pegada fundamental na caminhada em direcção ao entendimento iluminado da Sabedoria Divina que se oculta sob esta capa protectora dos ataques inesperados do Mundo Profano. É Cascais, uma vez mais, a tomar a dianteira desta procissão monumental!...


Milagre de Novembro em Cascais

João Aníbal Henriques, 11.11.16

 

 
 
 
Eu sou aquelle, que Cascaes já vi,
eu sou o que Cascaes não vejo já,
de quanto era dantes fumos dá,
e tudo he fumo o que contém em si.
 
Frei António do Espírito-Santo
Mestre de Filosofia do Convento de Nossa Senhora da Piedade em Cascais
1756
 
por João Aníbal Henriques

Eram 9h45 da manhã desse dia 1 de Novembro de 1755 quando a Vila de Cascais viveu o pior cataclismo da sua História. Depois de um início de dia calmo e ameno, que fez sair a população das suas casas para se dirigir às igrejas e capelas para assistir à Santa Missa do Dia de Todos-os-Santos, começaram a ouvir-se ao longe os rugidos tremendos oriundos das entranhas da terra e a sentir-se os primeiros tremores que anunciavam o terror que estava para vir.
 
 
 
 
Assustados, os Cascalenses de então refugiram-se na oração e, de dentro dos espaços sagrados de Cascais, assistiram incrédulos à completa destruição da sua terra. À medida que os abalos iam aumentando, fazendo cair pedras e as paredes velhas, aumentava o clamor do rugido que se ia misturando com a gritaria enlouquecida da população com a visão turvada pelo medo e pela morte. E como se não bastasse, porque a natureza foi especialmente truculenta naquele dia nefasto, num instante transbordaram as águas da Ribeira das Vinhas que encheram a vila e provocaram afogamentos sem igual. O mar, enraivecido também ele pelo desastre que se abatia sobre Portugal, galgara os rochedos e entrava livremente em Cascais, esmagando com a sua força muitos daqueles que procuravam sobreviver à desgraça geral.
 
Não tendo outro local para onde fugir, um grupo de Cascalenses refugiu-se dentro da frágil Capela de Nossa Senhora da Conceição, ali procurando a protecção divina contra a desgraça que imperava ao seu redor. Unidos pela sua Fé, fizeram um voto a Nossa Senhora dos Inocentes pedindo protecção contra o desastre que enfrentavam. E, tendo sido ouvidos pela Senhora da Conceição, que logrou salvar a singela capelinha dos fenómenos desastrosos que por todos os lados a atacavam, salvaram-se todos os que ali se tinham abrigado. Agradecidos pela mercê, criaram uma irmandade que tinha como principal objectivo o cumprimento do voto feito a Nossa Senhora, consignado numa Procissão que aconteceu anualmente até 1920, sempre com a presença de todo o povo de Cascais.
 
 
 
 
O milagre de Nossa Senhora da Conceição dos Inocentes, perpectuado em Cascais através da singela presença do antigo templo, é marca perene da devoção ancestral dos Cascalenses à sacralidade primordial da Senhora da Conceição. Simbolicamente agregada aos arquétipos ancestrais da fertilidade, congregando em seu torno o papel de mãe e protectora que ilumina aqueles que têm Fé na sua mensagem, a ritualidade mística que envolve esta devoção é inquestionavelmente um dos alicerces principais da vivência sagrada da vila de Cascais.
 
 
 
 
Não se conhecendo com rigor a data de construção da capela, mas inferindo que o ano de 1609 que consta no cruzeiro construído ao seu lado poderá corresponder ao início da sua edificação, a Capela de Nossa Senhora da Conceição dos Inocentes, para onde se transferiu o culto religioso depois de o terramoto ter destruído quase por completo todas as restantes igrejas e capelas da vila, apresenta uma planta simples à qual foram adicionados, já em meados do Século XIX, os dois corpos laterais, em linha com aquilo que era a tradição mais antiga da religiosidade de raiz rural que proliferava junto da população.
 
Passando hoje bastante despercebida no caminho de veraneio para o paredão, a Capela de Nossa Senhora da Conceição dos Inocentes carrega consigo uma das principais memórias de Cascais e aquela que é a pedra basilar da Identidade Municipal dos Cascalenses. O milagre de Novembro de 1755, quando se passaram já 261 anos desde aquela manhã faídica, é a prova cabal da ligação dos Cascalenses ao poder da Fé e à inequívoca capacidade que sempre demonstraram ter de viver de forma assumida os valores e os princípios que nortearam o seu devir existencial.