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Dom Diogo de Menezes – Heróis & Traidores em Cascais

João Aníbal Henriques, 20.03.17

 

 
 
Entre 1580 e 1640, Portugal atravessou um dos mais negros períodos da sua História e Cascais desempenhou um papel essencial neste triste episódio. A traição do então Senhor de Cascais, que num acto hediondo vendeu a Nossa Terra à Coroa Espanhola, contrastou com a coragem heróica com a qual D. Diogo de Menezes defendeu Portugal. Pagou muito caro pela sua lealdade e foi indignamente executado na Cidadela de Cascais em 1580, deixando atrás de si uma lenda de glória que o tempo não vai conseguir destruir…
 
por João Aníbal Henriques
 
A perda da independência nacional, em 1580, foi um dos episódios mais negros da História de Portugal. Fruto da imberbe actuação do Rei Dom Sebastião no Norte de África, e dos muitos interesses que desde sempre corporizaram o poder político Português, o país mergulhou na sua maior crise de sempre, entregando o trono de Portugal ao usurpador Espanhol.
 
Apesar do então Senhor de Cascais ser traiçoeiramente partidário das pretensões de Filipe II de Espanha, o povo de Cascais não hesitou em apoiar a causa de Dom António, Prior do Crato, participando activamente na sua aclamação como Rei de Portugal. Até à implantação da república, em 1910, manteve-se na toponímia Cascalense uma homenagem sublime ao monarca Português, consubstanciada numa “Rua D. António I”, representando simbolicamente o leal apoio de Cascais à Causa Nacional.
 
 
 
 
Nessa altura crítica, quando o Rei Dom António escolhia os seus mais fiéis e bravos apoiantes para defender Portugal do avanço das tropas Espanholas, D. Diogo de Menezes, que tinha sido Governador de Ormuz e Vice-Rei da Índia, foi nomeado General e colocado como Comandante da Fortaleza de Cascais.
 
Soldado experiente e bem preparado, D. Diogo de Menezes organizou as suas parcas forças de forma a assegura a inexpugnabilidade da fortificação Cascalense perante o ataque Espanhol. E, quando no dia 27 de Julho, o Duque d’Alba desembarca em Sesimbra, Cascais estava a postos para defender Portugal.
 
Mas o Senhor de Cascais, acompanhado da sua cáfila de meia-dúzia de traidores, empenha-se em entregar aos invasores informações detalhadas sobre a defesa da terra, permitindo ao Duque d’Alba desembarcar inesperadamente na Lage do Ramil, junto ao Farol da Guia. E, não satisfeito com a sua traição, organiza a corja que o acompanha de forma a conseguir abrir as portas da fortaleza, onde D. Diogo de Menezes defendia activamente a Causa Portuguesa.
 
Derrotado pela diferença abissal de forças entre o seu pequeno contingente Cascalense e a enormidade do exército Espanhol, Diogo de Menezes é capturado depois de uma batalha renhida e terrível e invoca as leis da honra e da cavalaria para, em conformidade com a sua alta posição hierárquica dentro das tropas do Rei Dom António, o deixarem regressar a Lisboa para ajudar o monarca. Mas o invasor Espanhol, num acto que subverte a própria honra militar, manda executar o herói Português na própria parada da fortaleza…
 
 
 
 
Conta o historiador espanhol António de Herrera  y Tordesillas que “eram quatro da tarde e estava a praça apinhada de piques e arcabuzes alemães, e no meio dela via-se o cadafalso, onde o sangue nobre ia sujar os brasões de um dos maiores de Espanha, fazendo-o expiar as nódoas estampadas pela venialidade de haver esquecido quem era e o que devia aos seus antepassados e ao reino de Espanha”…
 
E na mesma linha, sublinhando a dignidade heróica de D. Diogo de Menezes na defesa corajosa da liberdade de Portugal, Ferreira de Andrade não hesita em indicar a traição do Senhor de Cascais como um dos actos mais ignóbeis da nossa História, em linha com a falta de dignidade e de honra que caracterizou a decisão brutal do Duque d’Alba: “Assim morreu nesta vila de Cascais um dos mais nobres e honrados fidalgos de então, pelo crime horrendo de ser Português. Uma mancha de sangue marcaria para sempre, como um estigma de ignomínia, os gloriosos feitos do grande general de Filipe II”.
 
D. Diogo de Menezes, heróico defensor da Portugalidade, morreu em Cascais a lutar ao lado dos Cascalenses pela defesa da independência de Portugal.  A sua memória, parte maior da Memória de Cidadania desta Nossa Terra, é pilar estrutural da Identidade Municipal.
 
Promover a memória dos seus feitos e a coragem que demonstrou ter na defesa de Portugal, é assim obrigação de Cascais, onde o seu sangue jorrou perante o desespero dos Cascalenses de então. Porque dos ecos da sua grandeza se retiram lições fundamentais para preparar o futuro das próximas gerações…

Dom Fuas Roupinho e o Castelo de Torres Vedras

João Aníbal Henriques, 28.09.16

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Situado em plenas Linhas de Torres, conjunto de fortificações montado para proteger Lisboa durante a denominada Guerra Peninsular, o Castelo de Torres Vedras é uma das mais interessantes peças patrimoniais de Portugal.
 
Com origem marcada pela chegada dos Romanos, há mais de 2000 anos, a ocupação da colina onde a fortificação se situa representa um passo significativo na definição do fluxo territorial daquela zona. Aproveitando a topografia natural do local, altaneira relativamente ao espaço onde se viria a espraiar a cidade, o castelo define-se na paisagem, apresentando características que lhe advêm de uma história longa e pouco linear.
 
Do tempo dos romanos, quando um certo clima de paz imperava nesta região, são certamente as duas cisternas existentes dentro do espaço fortificado, não se sabendo ainda se existiriam panos de muralhas a envolver estes equipamentos. Sabe-se, no entanto, que durante a ocupação árabe terá sido construído o conjunto de muralhas que lhe concedeu a forma actual, muralhas essas que foram sucessivamente destruídas e reconstruídas devido a ataques, cataclismos naturais e necessidades práticas de adaptação da vida das comunidades que por ali habitaram.
 
De facto, a cidade de Torres Vedras foi conquistada por D. Afonso Henriques, em 1148, logo após a conquista de Santarém. O primeiro Rei de Portugal tê-la-á entregue a D. Fernão Gonçalves Churrichão, que ficou conhecido na História como Dom Fuas Roupinho, que reorganizou o espaço e reconstruiu as antigas muralhas.
 
 
 
 
O lendário nobre Português, de quem se conhece muito pouco a biografia, seria certamente um dos mais próximos companheiros do Rei conquistador e terá estado com ele nos primeiros passos da formação da Nacionalidade. Pensa-se ainda, pela forma como organizou a sua vida pública, que seria Cavaleiro Templário e que terá sido nessa condição que colaborou com o exército lusitano no processo de reconquista Cristã da Península Ibérica.
 
Dom Fuas Roupinho terá sido também o protagonista do chamado “Milagre da Nazaré”. Quando andava a caçar montado no seu cavalo ao longo da costa Oeste de Portugal, o fidalgo ter-se-á entusiasmado com um veado e perdeu completamente a noção do perigo que está associado àquele espaço de falésias. Num laivo de desespero, ao sentir-se condenado a cair pela arriba abaixo, terá apelado a Nossa Senhora em oração e em resposta Ela terá travado o cavalo já mesmo no limite da escarpa, salvando o nobre português de uma morte certa. Agradecido pela graça que lhe foi concedida, Dom Fuas Roupinho mandou erguer no local a Capela da Memória e, quando se preparava para iniciar as obras de construção do altar, os operários ter-se-ão deparado com uma antiga arca contendo as relíquias de São Brás e de São Bartolomeu e uma imagem de Nossa Senhora sentada num banco a amamentar o seu filho Jesus.
 
O impacto desta descoberta, principalmente devido ao facto de a imagem ter sido identificada como uma das mais antigas imagens da Virgem Maria, transportada até ao actual território Português algures no início do Século V, terá sido de tal forma grande que diversos monarcas Portugueses terão peregrinado até à Nazaré, mandando melhorar sucessivamente as edificação originais de Dom Fuas Roupinho e contribuído para o rápido alastramento da devoção ao Sítio da Nazaré.
 
 
 
 
Em Torres Vedras, depois de sofrer vários ataques por parte das forças muçulmanas, o castelo, depois das campanhas de consolidação levadas a cabo pelo senhor, terá conseguido sempre repelir o inimigo, sublinhando assim a sua importância no contexto da formação da própria Nacionalidade. Dom Dinis e posteriormente Dom Fernando, em linha com o que fizeram noutras cidades com importância para a defesa de Portugal, terão mandado efectuar obras de alargamento das muralhas de Torres Vedras, configurando o castelo com as mais modernas tecnologias de guerra que existiam na sua época.
 
Ao longo da sua história, muitos foram os episódios extraordinários que por ali se passaram. Mas dos mais importantes terá sido certamente o facto de ter tomado partido pela forças de Dona Beatriz, durante a crise de 1383-85, facto que levou o exército de Dom João I a atacar a cidade de forma a garantir a sua posse para a Coroa Portuguesa. Depois dessa vitória, o monarca terá escolhido precisamente o castelo como seu local de residência temporária, tendo sido dali que emitiu grande parte das ordens que tornaram possível o nascimento do Portugal moderno. Na “Crónica de Dom João I”, da autoria de Fernão Lopes, o cronista descreve o Castelo de Torres Vedras como sendo uma perfeita fortificação natural, dado que aproveita a topografia e o declive natural do terreno, complementados com as muralhas construídas, tornando-se um espaço quase totalmente inexpugnável: "Este lugar de Torres Vedras é uma fortaleza assentada em cima duma formação mota, a qual a natureza criou em tão ordenada igualdade como se a não fosse feita, artificialmente; a vila com a sua cerca a redor do monte, e na maior alteza dele está o castelo".
 
 
 
Do período Manuelino, quando Torres Vedras recebeu o seu segundo Foral, serão datadas as obras de modernização dos panos defensivos, bem como a porta de entrada no castelo, em forma ogival muito marcante e adornada com a esfera armilar, as armas de Portugal e a cruz da Ordem de Cristo.
Digno de uma nota especial, não só pelo facto de ser ilustrativa da importância estratégica da Cidade de Torres Vedras no contexto Nacional, como também por consolidar a sua relação próxima com os principais mentores do chamado espírito messiânico de Portugal, é também a sua conquista, em 1589, em pleno período filipino, pelas forças apoiantes de El-Rei D. António, conhecido por Prior do Crato. O Rei Português, com o apoio de forças Britânicas, terá desembarcado em Peniche com o intuito de reconquistar Lisboa para a Causa Nacional. Chegado a Torres Vedras já de noite, o monarca ter-se-á instalado no castelo, ordenando aos seus soldados que não se fizessem quaisquer saques junto da população. Estas, no entanto, dado o visível abandono da cidade, que se encontrava praticamente deserta, acabaram por beber bastante vinho, facto que, segundos as crónicas de então, terão provocado várias doenças e mesma a morte a alguns dos soldados sitiantes. O exército Português terá sido derrotado no dia seguinte, mercê do péssimo estado de saúde dos seus homens, quando o Senhor Dom António se dirigia à cidade de Lisboa. A Cidade de Torres Vedras foi então reconquistada sem esforço pelas forças fiéis aos Espanhóis.
 
 
 
 
Depois da destruição massiva provocada pelo grande terramoto de 1755, que fez ruir grande parte dos principais troços de muralha, o castelo de Torres Vedras só volta a ver o seu esplendor recuperado precisamente durante a já mencionada Guerra Peninsular, quando foi integrado nas chamadas Linhas de Torres e representou importante papel na defesa da capital contra os ataques dos exércitos franceses.
 
Durante os Séculos XIX e XX o castelo entrou na posse da autarquia e foi sofrendo várias obras de conservação. Hoje, mantendo o seu carácter altaneiro sobre a paisagem formada pelo casario torreense, faz jus à sua fama de inexpugnável, ostentando as características ameias ali colocadas pela Direcção Geral do Património nos idos dos anos 40.
 
 
 
 
Torres Vedras, ou sejam, as torres velhas do antiquíssimo castelo romano que dão corpo ao seu topónimo, é uma cidade que vale a pena visitar. Porque para além do seu castelo e demais peças extraordinárias de património, mantém bem viva a sua ligação umbilical à (sempre difícil) demanda de Fé que a Ordem de Cristo foi capaz de consubstanciar.