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cascalenses

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Dom Fuas Roupinho no Castelo de Porto de Mós

João Aníbal Henriques, 13.02.17

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Ao contrário do que é comum afirmar-se, a matemática nem sempre produz resultados absolutos. Por vezes, a soma de duas partes não origina a multiplicação linear do resultado, antes desenvolvendo um factor potenciador que reforça o carácter inesperado desse mesmo resultado...
 
É o acontece na Cidade de Porto de Mós, na Região Centro de Portugal, onde o horizonte surge bem vincado pelo perfil inesperado do seu castelo. Tendo ficado a história da sua origem definitivamente perdida no tempo, até porque não se conhece com exactidão a data que marca a construção da estrutura actual, o Castelo de Porto de Mós ocupa um local estrategicamente essencial para a defesa da povoação circundante e de todo o território Nacional. Antes dele, existiria no mesmo sítio uma antiga fortificação de origem árabe, que foi conquistada logo em 1148 pelos exércitos chefiados por Dom Afonso Henriques, e que, por seu turno, veio sobrepor-se a uma estrutura anterior, provavelmente remontando ainda ao período neolítico.
 
 
 
 
O castelo que hoje ali vemos, cuja base estrutural foi definida durante o reinado de Dom Sancho I, é o resultado da soma de diversos contributos de várias civilizações que nos antecederam e, também, de vários estilos arquitectónicos e artísticos. Mas, tal como acontece com a matemática, a soma de todos estes contributos é amplamente maior do que cada uma das partes que o compõem…
 
Reza a lenda que o Castelo de Porto de Mós foi entregue, logo em 1148, ao ilustre fidalgo Dom Fuas Roupinho. Desconhecido documentalmente (ainda) o fidalgo Português foi um dos principais conselheiros do fundador da Nacionalidade, tendo simultaneamente assumido o papel de primeiro Almirante da Esquadra Portuguesa. Fernão Gonçalves Churrichão de seu nome verdadeiro, entrou na História devido à sua participação no denominado ‘Milagre da Nazaré’, consolidando o prestígio e o poder que já detinha por ter sido membro activo e importante da Ordem dos Cavaleiros do Santo Sepulcro, ou seja, dos Cavaleiros Templários.
 
Quando caçava na Nazaré, durante o período em que assumiu funções como Senhor de Porto de Mós, Dom Fuas Ropuinho terá sido envolvido por uma espessa cortina de nevoeiro que, toldando a sua vista, o impediu de perceber que cavalgava de forma intrépida em direcção ao precipício que exista junto às falésias. Ao dar conta da desgraça eminente, e ao perceber que estava num local muito próximo da uma gruta onde se venerava uma imagem de Nossa Senhora, terá pedido a sua ajuda e intervenção que foi imediatamente concedida. A Virgem fez estancar o cavalo à beira do precipício, onde deixou uma marca bem visível na rocha, evitando a morte certa do fidalgo Português. A devoção que desenvolveu por essa imagem, bem como a Fé profunda que tinha no seu poder junto da sua própria vida, fez com que ali mandasse construir uma capela dedicada a Nossa Senhora da Nazaré, que se situa precisamente sobre a velha gruta onde o cavalo foi mandado parar pela mãe de Jesus.
 
O veado que Dom Fuas caçava naquele importante dia da sua vida enquanto Senhor de Porto de Mós, é interpretado em termos simbólicos como sendo a própria figura do Demo, num impulso de tentação com o qual terá tentado destruir o piedoso Templário. É, por isso, uma luta prolixa entre o bem e o mal aquilo que trata esta lenda, cujas reminiscências mais profundas, perdidas provavelmente para sempre no devir histórico de Portugal, alavancam a lei dos contrastes que explica e enriquece a Identidade Nacional.
 
 
 
É, por isso, num cenário miraculoso que o Cavaleiro Templário faz nascer a sua lenda e é sobre ela, assente num imaginário colectivo que carrega consigo velhas tradições ancestrais, que Dom Fuas Roupinho dá corpo ao mais profundo, significante e importante legado que corporiza a formação da Nacionalidade, resgatando das profundezas das antigas tradições da sabedoria a chama com a qual aquece o caldeirão alquímico sobre o qual se construiu Portugal. De facto, o novo País nasce em ligação estreita e profunda com o ideário mariano de matriz Cristã. Mas, na sequência daquilo que foi a cristianização do actual território Nacional, grande parte dos valores, doutrinas e ritualísticas associados à nova práxis religiosa, são afinal resultado da evolução natural de várias ideias arquétipas que, mesmo sendo Pré-Cristãs, integram em si precisamente os mesmos princípios que hão-de orientar o surgimento da mais revolucionária das religiões Ocidentais. Entre o Cristianismo e as religiões que o antecederam, tal como entre o Castelo de Porto de Mós e as fortificações e construções que antes dele ali existiram, existe uma linearidade evolutiva que ao contrário do que é comum dizer-se, pautou-se pelo respeito e pela confiança, num cenário de evolução no qual a palavra cisão não fazia qualquer sentido.
 
A soma das partes, também na vida de Dom Fuas é maior do que as partes em si próprias, fomentando um potencial de significado que transcende largamente a história da sua própria vida.
 
No caso de Porto de Mós, diz a lenda que Dom Fuas Roupinho não teve tarefa fácil. Depois de receber o encargo de defender a localidade de eventuais investidas inimigas, não conseguiu evitar que os exércitos muçulmanos viessem a recuperar o domínio da sua fortificação. Mas ele, provavelmente fazendo uso dos conhecimento que detinha pela sua condição de Cavaleiro Templário, terá encontrado um estratagema que lhe permitiu recuperar a praça pouco tempo depois do malogrado acontecimento, num laivo miraculoso cujos ecos perduram ao longo do tempo…
 
 
 
Em termos estruturais, o Castelo de Porto de Mós que hoje vemos já pouco tem a ver com a estrutura medieval inicial. Sucessivas campanhas de obras, que assumem o cenário idílico onde o mesmo se ergue, com vista sobre a serra e o Vale do Lena, vão progressivamente retirando à edificação a sua carga militar e transformando o velho castelo num magnífico palácio onde se privilegiava a apreciação das artes e das letras. A sua fachada actual, com os torreões cobertos de telha verde que se transformou no ex-libris da localidade, foi construída no Século XV pelo 4º Conde de Ourém, filho dos primeiros Duques de Bragança. E é novamente nessa ligação quase genética ao imaginário Nacional, que Porto de Mós recupera o carácter vincado da sua importância simbólica e a originalidade de uma existência onde a lenda se volta a misturar com a realidade.
 
Isto porque, em 1385, Porto de Mós tomou partido pelo Mestre de Avis. E, em consequência disso, foi ali que estiveram aquarteladas as tropas nacionais nas vésperas de seguirem para Aljubarrota, onde por intercessão de Nossa Senhora, e sob a orientação estratégica de Dom Nun’Álvares Pereira, alcançaram uma das mais significantes vitórias militares em toda a História de Portugal. Por reconhecimento ao seu Condestável, o novo Rei Dom João I, simultaneamente Mestre de Avis e pai da Ínclita Geração que haveria de dar novos mundos ao Mundo e oferecer a Portugal a sua vocação hermética, oferece Porto de Mós a Nun’Álvares Pereira que ele, enquanto Grande-Construtor de universos, lega por seu turno à sua filha e genro, precisamente os primeiros Duques de Bragança. Mantém-se visível e actuante, desta maneira, a consagração de Porto de Mós à mais profunda tradição iniciática de Portugal, reconvertendo a sua linha de cenário num objecto pleno de importância para quem quiser compreender verdadeiramente a razão de ser da própria existência deste País sem igual.
 
 
 
 
O sinal marcante deste processo de consolidação estrutural surge perfeitamente identificado com a Cruz de Cristo e, por isso, com a própria Alma de Portugal. É ela que encabeça o esforço inicial de Roupinho na sua faceta Templária e é ela também quem surge enfunada nas velas que movem as naus que farão os Descobrimentos de Portugal. Diferente da latina, a Cruz de Portugal que se corporiza em Porto de Mós é praticamente a mesma que marca o ‘Centro do Universo’ na milenar Cidade Proibida de Pequim, da mesma forma que é semelhante em termos físicos e de significado, às cruzes Coptas pré-Cristãs que se encontraram na antiga Abissínia.
 
Depois de ter sido bastante destruído pelo grande terramoto de 1755, o Castelo de Porto de Mós foi sucessivamente alvo de várias campanhas de obras que consolidaram a sua vocação palaciana.
 
Actualmente, numa cenografia arquitectónica definida pelo apelo à beleza e à arte, Porto de Mós é uma espécie de capital espiritual de Portugal. O seu castelo, outrora essencial para defender militarmente a independência do País, defende agora (e é essencial) a própria Alma de Portugal.
 

 

Dom Fuas Roupinho e o Castelo de Torres Vedras

João Aníbal Henriques, 28.09.16

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Situado em plenas Linhas de Torres, conjunto de fortificações montado para proteger Lisboa durante a denominada Guerra Peninsular, o Castelo de Torres Vedras é uma das mais interessantes peças patrimoniais de Portugal.
 
Com origem marcada pela chegada dos Romanos, há mais de 2000 anos, a ocupação da colina onde a fortificação se situa representa um passo significativo na definição do fluxo territorial daquela zona. Aproveitando a topografia natural do local, altaneira relativamente ao espaço onde se viria a espraiar a cidade, o castelo define-se na paisagem, apresentando características que lhe advêm de uma história longa e pouco linear.
 
Do tempo dos romanos, quando um certo clima de paz imperava nesta região, são certamente as duas cisternas existentes dentro do espaço fortificado, não se sabendo ainda se existiriam panos de muralhas a envolver estes equipamentos. Sabe-se, no entanto, que durante a ocupação árabe terá sido construído o conjunto de muralhas que lhe concedeu a forma actual, muralhas essas que foram sucessivamente destruídas e reconstruídas devido a ataques, cataclismos naturais e necessidades práticas de adaptação da vida das comunidades que por ali habitaram.
 
De facto, a cidade de Torres Vedras foi conquistada por D. Afonso Henriques, em 1148, logo após a conquista de Santarém. O primeiro Rei de Portugal tê-la-á entregue a D. Fernão Gonçalves Churrichão, que ficou conhecido na História como Dom Fuas Roupinho, que reorganizou o espaço e reconstruiu as antigas muralhas.
 
 
 
 
O lendário nobre Português, de quem se conhece muito pouco a biografia, seria certamente um dos mais próximos companheiros do Rei conquistador e terá estado com ele nos primeiros passos da formação da Nacionalidade. Pensa-se ainda, pela forma como organizou a sua vida pública, que seria Cavaleiro Templário e que terá sido nessa condição que colaborou com o exército lusitano no processo de reconquista Cristã da Península Ibérica.
 
Dom Fuas Roupinho terá sido também o protagonista do chamado “Milagre da Nazaré”. Quando andava a caçar montado no seu cavalo ao longo da costa Oeste de Portugal, o fidalgo ter-se-á entusiasmado com um veado e perdeu completamente a noção do perigo que está associado àquele espaço de falésias. Num laivo de desespero, ao sentir-se condenado a cair pela arriba abaixo, terá apelado a Nossa Senhora em oração e em resposta Ela terá travado o cavalo já mesmo no limite da escarpa, salvando o nobre português de uma morte certa. Agradecido pela graça que lhe foi concedida, Dom Fuas Roupinho mandou erguer no local a Capela da Memória e, quando se preparava para iniciar as obras de construção do altar, os operários ter-se-ão deparado com uma antiga arca contendo as relíquias de São Brás e de São Bartolomeu e uma imagem de Nossa Senhora sentada num banco a amamentar o seu filho Jesus.
 
O impacto desta descoberta, principalmente devido ao facto de a imagem ter sido identificada como uma das mais antigas imagens da Virgem Maria, transportada até ao actual território Português algures no início do Século V, terá sido de tal forma grande que diversos monarcas Portugueses terão peregrinado até à Nazaré, mandando melhorar sucessivamente as edificação originais de Dom Fuas Roupinho e contribuído para o rápido alastramento da devoção ao Sítio da Nazaré.
 
 
 
 
Em Torres Vedras, depois de sofrer vários ataques por parte das forças muçulmanas, o castelo, depois das campanhas de consolidação levadas a cabo pelo senhor, terá conseguido sempre repelir o inimigo, sublinhando assim a sua importância no contexto da formação da própria Nacionalidade. Dom Dinis e posteriormente Dom Fernando, em linha com o que fizeram noutras cidades com importância para a defesa de Portugal, terão mandado efectuar obras de alargamento das muralhas de Torres Vedras, configurando o castelo com as mais modernas tecnologias de guerra que existiam na sua época.
 
Ao longo da sua história, muitos foram os episódios extraordinários que por ali se passaram. Mas dos mais importantes terá sido certamente o facto de ter tomado partido pela forças de Dona Beatriz, durante a crise de 1383-85, facto que levou o exército de Dom João I a atacar a cidade de forma a garantir a sua posse para a Coroa Portuguesa. Depois dessa vitória, o monarca terá escolhido precisamente o castelo como seu local de residência temporária, tendo sido dali que emitiu grande parte das ordens que tornaram possível o nascimento do Portugal moderno. Na “Crónica de Dom João I”, da autoria de Fernão Lopes, o cronista descreve o Castelo de Torres Vedras como sendo uma perfeita fortificação natural, dado que aproveita a topografia e o declive natural do terreno, complementados com as muralhas construídas, tornando-se um espaço quase totalmente inexpugnável: "Este lugar de Torres Vedras é uma fortaleza assentada em cima duma formação mota, a qual a natureza criou em tão ordenada igualdade como se a não fosse feita, artificialmente; a vila com a sua cerca a redor do monte, e na maior alteza dele está o castelo".
 
 
 
Do período Manuelino, quando Torres Vedras recebeu o seu segundo Foral, serão datadas as obras de modernização dos panos defensivos, bem como a porta de entrada no castelo, em forma ogival muito marcante e adornada com a esfera armilar, as armas de Portugal e a cruz da Ordem de Cristo.
Digno de uma nota especial, não só pelo facto de ser ilustrativa da importância estratégica da Cidade de Torres Vedras no contexto Nacional, como também por consolidar a sua relação próxima com os principais mentores do chamado espírito messiânico de Portugal, é também a sua conquista, em 1589, em pleno período filipino, pelas forças apoiantes de El-Rei D. António, conhecido por Prior do Crato. O Rei Português, com o apoio de forças Britânicas, terá desembarcado em Peniche com o intuito de reconquistar Lisboa para a Causa Nacional. Chegado a Torres Vedras já de noite, o monarca ter-se-á instalado no castelo, ordenando aos seus soldados que não se fizessem quaisquer saques junto da população. Estas, no entanto, dado o visível abandono da cidade, que se encontrava praticamente deserta, acabaram por beber bastante vinho, facto que, segundos as crónicas de então, terão provocado várias doenças e mesma a morte a alguns dos soldados sitiantes. O exército Português terá sido derrotado no dia seguinte, mercê do péssimo estado de saúde dos seus homens, quando o Senhor Dom António se dirigia à cidade de Lisboa. A Cidade de Torres Vedras foi então reconquistada sem esforço pelas forças fiéis aos Espanhóis.
 
 
 
 
Depois da destruição massiva provocada pelo grande terramoto de 1755, que fez ruir grande parte dos principais troços de muralha, o castelo de Torres Vedras só volta a ver o seu esplendor recuperado precisamente durante a já mencionada Guerra Peninsular, quando foi integrado nas chamadas Linhas de Torres e representou importante papel na defesa da capital contra os ataques dos exércitos franceses.
 
Durante os Séculos XIX e XX o castelo entrou na posse da autarquia e foi sofrendo várias obras de conservação. Hoje, mantendo o seu carácter altaneiro sobre a paisagem formada pelo casario torreense, faz jus à sua fama de inexpugnável, ostentando as características ameias ali colocadas pela Direcção Geral do Património nos idos dos anos 40.
 
 
 
 
Torres Vedras, ou sejam, as torres velhas do antiquíssimo castelo romano que dão corpo ao seu topónimo, é uma cidade que vale a pena visitar. Porque para além do seu castelo e demais peças extraordinárias de património, mantém bem viva a sua ligação umbilical à (sempre difícil) demanda de Fé que a Ordem de Cristo foi capaz de consubstanciar.