Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

cascalenses

cascalenses

O Mito do Pelourinho de Cascais em 24 de Julho de 1833

João Aníbal Henriques, 24.07.24
 
 

por João Aníbal Henriques

Diz a voz popular, repetida incansavelmente há muitas gerações, que o Pelourinho de Cascais está situado em frente à lota, com vista privilegiada sobre a nossa extraordinária baía.

Mas não é verdade. O Pelourinho Medieval de Cascais, que a documentação atesta ter existido junto à ponte que ligava as duas margens da Ribeira da Vinhas, terá sido completamente destruído pelo grande terramoto de 1755.

O padrão colocado junto à baía, a que tantos aludem como sendo o dito pelourinho, é um marco comemorativo de um dos mais sanguinários e destruidores momentos da História de Portugal: a luta fratricida entre Dom Pedro e Dom Miguel e a mortífera Guerra Civil que opôs liberais a absolutistas depois da morte de Dom João VI.

No dia 24 de Julho de 1833, liderando um exército formado com o apoio da Coroa Inglesa, que tinha vastíssimos interesses na independência de Portugal e no estabelecimento de um regime liberal que satisfizesse as suas necessidades no controle das rotas comerciais com a Ásia, com África e, sobretudo, com o Brasil, entra em Lisboa o Duque da Terceira, desferindo sobre os partidários do Rei Dom Miguel I um duro golpe que pôs fim à Guerra Civil.

Dom Pedro IV, primeiro imperador do Brasil e mítico autor do célebre Grito do Ipiranga, que tornou a antiga colónia portuguesa num país independente, decide abdicar da Coroa Portuguesa na pessoa da sua filha mais velha, assumindo a liderança da Casa de Bragança e regressando a Lisboa como Regente do Reino de Portugal, deixando o seu filho Dom Pedro II como Imperador do Brasil.

A entrada triunfal da Rainha Dona Maria II em Lisboa, depois do êxito de 24 de Julho de 1833, marca o início de um novo período da vida política de Portugal, uma vez que a jovem rainha, que passara uma parte importante da sua infância em Inglaterra, mantém uma ligação de profunda afeição e amizade com a futura Rainha Vitória, fortalecendo assim uma aliança que ainda hoje tem consequências diversas na política externa portuguesa e nos equilíbrios políticos de Portugal nesta Europa escalavrada em que vivemos.

O marco ao qual os Cascalenses chamam erradamente “pelourinho”, é assim um monumento que festeja a vitória liberal e a subida ao trono da Rainha Dona Maria II de Portugal!

O Obelisco da Memória em Angra do Heroísmo e a Guerra Civil Portuguesa

João Aníbal Henriques, 24.10.16

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Um dos piores flagelos que afectou Portugal ao longo da sua História, foi a guerra civil, decorrida entre 1828 e 1834, que opôs os reis e irmãos D. Miguel e D. Pedro IV numa luta fratricida que quase destruiu o País.
 
D. Pedro de Alcântara de Bragança, filho primogénito do Rei Português D. João VI, recebeu em 1820 a incumbência do seu pai de ficar no Brasil em seu nome, com a função de príncipe regente. Devia, durante a ausência do pai na metrópole para tratar dos assuntos relacionados com a Revolução Liberal, representar a Coroa de Portugal nas terras de além-mar. Mas, pressionado pelos liberais Portugueses a regressar à metrópole e a fazer regredir o estatuto autonómico do Reino do Brasil, o príncipe cede aos interesses da antiga colónia e, num acto de traição da Portugal, é aclamado Imperador do Brasil, no dia 12 de Outubro de 1822, depois de ter proclamado a independência do novo reino num episódio que passou a designar-se como o “Grito do Ipiranga”.
 
 
 
 
A solução de governabilidade e sucessão encontrada depois da morte de Dom João VI, passava pela colocação no trono Português da sua neta D. Maria da Glória, filha primogénita do seu filho brasileiro, que deveria desposar, para garantir o sustento jurídico do seu vínculo Real, o seu tio Dom Miguel de Bragança. Dado que a legislação em vigor não permitia que um só monarca acumulasse dois tronos e a praxis jurídica Portuguesa determinava o ‘Grito do Ipiranga’ como um acto de traição à Pátria fazendo cessar quaisquer direitos sucessórios que o seu promotor pudesse ter, este acordo adaptava-se às circunstância e selava-se assim um pacto que garantia a soberania de Portugal e do Brasil, ao mesmo tempo que se acautelavam os interesses das duas Nações no xadrez político que estava a definir novas fronteiras no Mundo de então.
 
Mas, como nem sempre a linearidade dos acontecimentos se compadece com as necessidades do dia-a-dia, os interesses específicos do Brasil, de França e da Inglaterra, misturados ainda com o clima de tensão que nunca se diluiu relativamente à presença Holandesa em terras de Vera Cruz, acabaram por determinar uma alteração substancial nos compromissos políticos assumidos. O Imperador do Brasil, com o apoio dos liberais ingleses, cujos interesses eram muitos e muito variados em Portugal, recebeu a incumbência de recuperar a Coroa Nacional, alegando que o seu irmão, entretanto aclamado Rei pelo povo português, havia quebrado o pacto e o juramento feito à Carta Liberal.
 
 
 
 
Dom Miguel, de espírito vivo e de coração profundamente vincado pelos interesses da Nação Portuguesa, não acatou as ordens do irmão brasileiro e recusou responder de forma cabal aos interesses ingleses. E o resultado, de todos bem conhecido, foi uma guerra civil terrível que dividiu o País em dois e que teve como principal consequência um estado de permanente dependência relativamente a Inglaterra.
 
Quando as Cortes de 1828 aclamaram Dom Miguel como Rei de Portugal, num acto de autonomia relativamente àquilo que haviam sido os principais laivos da determinante movimentação liberal que afectou o País nesta época, passaram a estar em causa um conjunto de leis que haviam sido definidas por países estrangeiros com interesses diferentes daqueles que eram os dos Portugueses de então. Dom Miguel, expressão completa daquilo que sempre havia sido a pedra angular da Portugalidade, representava assim um renovado sopro de independência do País relativamente a interesses terceiros, possivelmente deixando antever ainda alguns resquícios da essência nacionalista que resultou da Revolução de 1640.
 
O regresso à política municipalista, recuperando práticas antigas do Portugal de antanho, foi uma das medidas mais populares tomadas pelo novo Rei. Dando um passo atrás e recuperando valores associados ao absolutismo, renegando políticas estrangeiradas que haviam entrado em Portugal através de organizações de índole sobretudo inglesa e francesa e que nada tinham a ver com a tradição local, Dom Miguel alcança o apoio incondicional do povo, da nobreza tradicional e da Igreja. Mas o esforço diplomático internacional levado a cabo pela Coroa, querendo fazer reconhecer o rei, apenas consegue o apoio dos recém-nascidos Estados Unidos da América e do Vaticano, tendo-se debatido com o firme silêncio das restantes nações europeias.
 
 
 
 
O seu irmão, Imperador Dom Pedro I do Brasil, por seu turno, desenvolve contactos no mesmo sentido com os mais importantes movimentos liberais e para-maçónicos da Europa. Tendo conseguido o seu apoio, que tinha como principal objectivo o recuperar desses valores políticos liberais, acaba por abdicar do trono brasileiro, onde deixou o seu filho mais velho que foi aclamado como Imperador Dom Pedro II do Brasil, e regressa a Portugal com o objectivo de usurpar o trono.
 
A guerra civil entre absolutistas e liberais, apoiantes de Dom Miguel e de Dom Pedro, começa assim a dilacerar o País, impondo um clima de terror absoluto que vai mudar durante muitos anos a existência dos Portugueses. Começando por ser favorável aos miguelistas, que contavam com o apoio da maior parte dos Portugueses, o rumo da guerra mudou de forma inexorável quando Dom Pedro recebe o apoio dos ingleses. Depois de desembarcar nos Açores, onde transformou a Ilha Terceira e a Cidade de Angra no seu quartel-general, Dom Pedro lança uma série de ofensivas bem conseguidas contra o exército Português, alcançando vitórias que acabarão por ser vitais para o controle efectivo de Portugal.
 
A dureza das batalhas, bem documentada através da longevidade que a sua memória alcançou, teve o seu apogeu precisamente no Arquipélago dos Açores, que serviu de cenário para alguns dos seus mais ensanguentados episódios.
 
Na capital da Ilha Terceira, a força dos combates foi tão grande que o Rei D. Pedro IV, depois de recuperar o controle do trono, decide alterar o nome da cidade. A velhinha cidade de Angra, ganha então o epíteto ‘do Heroísmo’, que passa a integrar-lhe o nome com o objectivo expresso pelo rei de não deixar esquecer o heroísmo dos soldados liberais que ali apoiaram a sua causa.
 
 
 
 
No Alto da Memória, num flanco sobranceiro à cidade de Angra do Heroísmo, existe ainda hoje um estranho obelisco de forma piramidal, conhecido como o “Obelisco da Memória” que recorda essas batalhas. Erigido em 1856, foi feito com pedras retiradas do antigo Castelo dos Moinhos e integrando uma pedra trazida do porto da cidade, que teria sido lendariamente a primeira pedra pisada pelo Rei Dom Pedro IV quando chegou à Ilha Terceira.
 
A sua estética profundamente maçónica, com a sua estrutura piramidal que não nega a sua origem estrangeira, assenta numa vasta e complexa estrutura simbólica que traduz de forma muito assertiva o conjunto de valores e princípios que determinaram o apoio europeu ao Rei Dom Pedro. É essa influência, aliás, que melhor explica a dicotomia entre um país que genericamente apoiava o seu rei absoluto, Dom Miguel, e que se confrontou com as movimentações liberalizantes que pouco ou nada tinham a ver com as práticas reais em Portugal.
 
 
 
 
Mais do que a evolução das mentalidades que sustentavam a Coroa de Portugal, o obelisco piramidal do Alto da Memória, em Angra do Heroísmo, é a chave que permite interpretar as muitas mudanças que o País conheceu daí em diante e que, na sua generalidade, se prolongam até hoje no devir quotidiano dos Portugueses.
 
Deve ser visitado e conhecido, num esforço de interpretação que deixa antever aquilo que outrora foi Portugal.