A Ermida de São Sebastião e as Grutas Mouras do Alvito
João Aníbal Henriques, 13.09.16
por João Aníbal Henriques
A origem mourisca da cultura Portuguesa, assente na recuperação de valores estéticos, artísticos e mesmo religiosos dos ocupantes maometanos que estiveram na Península Ibérica a partir do ano de 711, é ainda hoje visível em usos e costumes um pouco por todo o País.
No Alentejo, que durante mais tempo sentiu a influência árabe, grande parte das localidades, na sua vertente de distribuição urbanística e também na componente estética das suas casas, apresenta características desse período, integrando elementos que foram criados nessa época e fazendo o aproveitamento de técnicas de construção que os mouros delinearam.
No Alvito, no coração da província Alentejana, é precisamente a memória moura que determina o carácter extraordinário da povoação. Ele vive-se e sente-se em cada canto e recanto, numa profusa amálgama de pequenos detalhes que deslumbram quem ali chega.
No Rossio de São Sebastião, aproveitando o topónimo que o consagra, ergue-se a velha ermida com o mesmo nome e, para espanto de todos aqueles que questionam os locais sobre o que é a porta enorme que existe nas suas traseiras, uma autêntica “fábrica de mós”.
A ermida de cunho mudéjar bem definido, foi construída algures no Século XVI, sendo dessa data as primeiras referências documentais que se conhecem, provavelmente aproveitando quaisquer vestígios mais antigos que tenham subsistido do período de domínio muçulmano. Inserida no gótico final alentejano, que procura o deslumbramento de quem a visita, a ermida é um edifício simples, como o são quase todos aqueles que a pobreza que se vivia no Alentejo nessa época determinava, mas possui no seu interior um conjunto de inestimável valor de pintura mural, em forma de frescos, pintados provavelmente por José Escobar em 1611.
A dedicação a São Sebastião, cruzada com a localização na entrada da localidade, dever-se-á ao carácter protector deste santo relativamente às pestes. Com a colocação neste local, os seus construtores terão pensado que conseguiriam travar a entrada da peste no Alvito, ao mesmo tempo que recriavam uma barreira perante possíveis invasões que pudessem chegar daquele lado.
Mas o mais interessante, ainda para mais com uma datação que precede bastante a construção da própria ermida, é a existência, nas traseiras da mesma, de um conjunto vastíssimo de grutas artificiais, denominadas oficialmente como “Grutas do Rossio”. Estas galerias, escavadas na rocha-mãe que suporta os alicerces da própria ermida, surgem na documentação como sendo antigas minas de exploração de calcário no Século XIII. Mas notas documentais indirectas, que foram encontradas recentemente, apontam para a utilização dos túneis como saídas alternativas do velho castelo mouro e dos demais edifícios importantes existentes na velha vila alentejana.
A tradição popular, ainda hoje transmitida pelos habitantes do local a quem os visita, é que aquele é um espaço assombrado pelos mouros, sendo autênticos viveiros onde cresciam mós!
Mas nas crónicas templárias medievais, cujo conteúdo se dedica sobretudo à reconquista das terras alentejanas, o sistema de túneis do Alvito é explicado como sendo um conjunto de pedreiras onde os mouros exploravam a pedra calcária, tendo sido escavadas por mão-de-obra escravizada durante as muitas batalhas que aconteceram na região.
O certo é que entre 1190 e 1191, depois de o Rei Dom Sancho I ter chegado a Silves, no Algarve, o contra-ataque mouro redobrou a sua força. Sob a liderança de Ya’qub Al-Mansur, o exército árabe terá retomado o controle de vastas áreas na região do Alentejo interior, das quais fazia parte a actual Vila de Alvito, transformando o seu castelo no ponto de referência na defesa das suas fronteiras. Em virtude dessa decisão, terão sido canalizados para ali os muitos escravos Cristãos capturados durante as batalhas, tendo-lhes sido dada a incumbência de escavar as minas e de criar os túneis que hoje conhecemos.
D. Frei Pedro Álvares, oitavo Mestre do Templo em Portugal, terá então liderado um ataque às posições mouras sediadas no Alvito, tendo conseguido ludibriar o inimigo e libertado a totalidade da população escrava que estava encerrada naqueles espaços subterrâneos.
Por isso, é ainda hoje cognominado como o “Herói do Alvito”, mantendo aquele espaço o cunho indestrutível de bastião templário de Portugal!