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cascalenses

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A Rainha Dona Filipa de Lencastre e o Palácio de Sintra

João Aníbal Henriques, 14.12.16

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Casada com o Rei Dom João I, lendário Mestre de Avis e fundador da segunda dinastia Real Portuguesa, a Rainha Don Filipa de Lencastre, de ascendência inglesa e chegada a Portugal em 1387, foi uma das mais importantes e marcantes figuras da História deste país.
 
A fama de santidade que a rodeia, ligad à reconhecida castidade que se associava a uma cultura fora do normal, ficou aquém do maior dos feitos que em território Nacional deixou como legado. Os seus filhos, que Pessoa eternizou como a “Ínclita Geração”, foram a sua obra maior, num País onde as marcas da Idade Média eram ainda nessa época muito importantes e no qual a educação e o requinte eram matéria sobejamente desconhecida das elites reinantes.
 
 
 
 
Os conhecimentos de línguas estrangeiras que possuía, bem como a capacidade de compreender um Mundo que bem conhecia, dotaram-na do espírito necessário para empreender a autêntica revolução modernizadora que deu forma ao novo Portugal. Descendente da Casa Real dos Plantagenetas, de quem as más-línguas da sua época diziam que herdara uma dureza na sua relação com os outros, Filipa trazia consigo os traços fisionómicos da sua família, marcando pela diferença a sua presença no país que a acolheu. Loira e de olhos azuis, com a pele clara que a falta de Sol característica da Britânia sempre confere, deixou essas características na face dos seus filhos e netos, os quais foram sempre marcadamente o resultado do seu enorme carisma e da sua musculada forma de viver.
 
Em Sintra, onde viveu muito tempo e onde literalmente se apaixonou por Portugal, encontra-se hoje o maior dos monumentos que atestam a sua memória. O Palácio Real da Vila, com as suas icónicas chaminés altivas, numa sobranceria que se impõe na paisagem e até na definição daquilo que há-de ser a identidade onírica da vila, foi quase todo obra sua, uma vez que foram de sua autoria as enormes obras de remodelação que ali se empreenderam durante o Reinado de Dom João I.
 
 
 
 
Simbolicamente associada à Rosa Encarnada, simultaneamente representando as suas origens plantagenetas e o seu cunho de rainha alquimista que transforma um País em linha com as suas principais crenças e convicções, Dona Filipa de Lencastre foi sempre, durante todo o seu casamento, a pedra angular que definiu a conduta do seu marido e, depois da sua morte, a dos seus filhos durante o processo magistral dos descobrimentos. A rosa, verdadeiramente flor que significa a pureza virginal e o esplendor máximo da Obra Divina na Terra e também a verdadeira cruz, carrega consigo a chave que permite compreender a sua mítica capacidade para recriar pontes entre a vivência tradicional Portuguesa e a distante e diferente Inglaterra. A sua cruz, distinta da Cruz Romana que o Catolicismo tradicional Português até aí consagrava como expoente máximo dos seus laivos de Fé, ganha vida e movimento ao ser plasmada na rosa que a rainha transporta a peito. Torna-se vida, fomentando a dinâmica do movimento, trazendo assim uma mensagem diferente ao povo Português, cujo cerne mais profundo, justamente encoberto pelo segredo do conhecimento verdadeiro, foi conhecido e compreendido por Fernando Pessoa que o integrou na sua mais grandiosa obra sobre os feitos do génio Português.
 
 
 
 
Na hora da morte, que aconteceu em Odivelas em plena campanha de conquista de Ceuta pelos seus filhos, acontecimento que há-de ser o mais marcante de todos os que definem a História Portuguesa por ter representado o arranque do movimento das descobertas marítimas, diz a lenda que foi dando conta de forma consciente de todos os passos pelos quais ia passando. Depois de receber os derradeiros sacramentos, que marcavam o início do processo de desligamento da vida material, a rainha ainda teve ensejo para saber dos avanços do exército dos seus filhos no Norte de África, e de ouvir uma última vez os cânticos sagrados do corpo eclesiástico que sempre a acompanhava.
 
Depois do seu passamento foi enterrada no Mosteiro de Odivelas, de onde foi posteriormente transladada para o Panteão Real construído por Dom João I no Mosteiro da Batalha.
 

A Lenda da Boca do Inferno

João Aníbal Henriques, 07.12.16

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
A dicotomia entre o mal e o bem, num jogo em que as memórias efectivas se misturam amiúde com as entoações próprias dos sonhos, assume especial importância na Boca do Inferno, em Cascais, um recanto encantado no qual se conjuga uma paisagem extraordinária com uma inesquecível história.
 
Diz a lenda que naquelas paragens, num castelo cujas memórias pétreas nunca chegaram a olhos humanos, vivia um gigante maligno que padecia do maior dos males que afectam a humanidade: o amor. Profundamente apaixonado por uma donzela maravilhosa que não o correspondia, resolveu tomar medidas drásticas e consumar o seu amor de forma subliminar. Montado no seu cavalo, atacou o palácio onde a donzela vivia com o seu pai e raptou-a levando-a para o seu castelo de Cascais.
 
 
 
 
A donzela, apaixonada por seu turno por um ilustre cavaleiro que há muito a cortejava, não cedeu às intenções do gigante. E este, para apaziguar o seu ímpeto, fechou-a no alto da maior torre do seu castelo, prendendo-a até que ela se convencesse da necessidade de claudicar ao amor que ele lhe queria dar.
 
Mas o noivo apaixonado, tomado da força que só o amor consegue despoletar, insinuou-se no castelo e conseguiu libertou a sua amada, fugindo dali numa cavalgada desenfreada no seu magnífico cavalo branco que quase parecia voar.
 
 
 
O gigante, quando deu conta da fuga da donzela ficou furioso. Com artes mágicas que só ele conhecia e os ímpetos malignos que a fúria imensa havia despertado, lançou uma praga sobre os fugitivos e sobre eles fez crescer uma enorme tempestade.
 
Apanhados pela intempérie nuns rochedos junto ao mar, o casal de apaixonados tudo fez para conseguir fugir da influência do seu maléfico perseguidor. Mas, provocando um sismo que partiu as arribas e fendeu o chão, o gigante fez abrir sob os seus pés um enorme buraco onde ambos caíram com o seu cavalo e onde desapareceram para sempre sem eixar rasto.
 
Estava aberta a porta para o inferno e esta jamais se voltaria a fechar…