por João Aníbal Henriques
Ao longo da sua
extensa História, foram inúmeros os factores directamente condicionantes do
desenvolvimento político, económico, social e religioso de Cascais. As suas
numerosas linhas de água, serpenteando entre inúmeros montes e elevações de
ténue e acentuada inclinação, entrecortadas de maciços calcários repletos de
grutas e reentrâncias, propiciaram e condicionaram o aparecimento de estruturas
simbólicas que, por seu turno, contribuíram para o aparecimento de estruturas
simbólicas que, por seu turno, contribuíram para o desenvolvimento de formas
individualizáveis de comportamento.
Esta forma de estar
na vida, que é tipicamente cascalense, é diferenciável daquela que se fez
sentir em crise em Sintra, onde o clima, o ambiente, os recursos hidrícos e os
acidentes geográficos, são substancialmente diferentes dos que existem em
Cascais. É de todos conhecida, com toda a certeza, a diferença que existe, no
seio da Serra de Sintra, entre a vertente soalheira cascalense, e a encosta
sombria e húmida de sintra, factor que, quanto mais não seja, influencia a
forma de construção das edificaçõesque naqueles sítios são levantadas. Por
outro lado, no que ao concelho de Oeiras diz respeito, as principais diferenças
que o afastam do de Cascais, dizem respeito à composição do solo.
No concelho
vizinho, tal como também na zona mais oriental do município cascalense, a
riqueza do solo propiciou o desenvolvimento de uma vivência rural
significativa, traduzível, como poderão constatar pela listagem patrimonial que
apresentamos em anexo, na faceta saloia que caracteriza quase todas as
construções edificadas nesse espaço até meados deste século.
No entanto, e para
além das influências que se processam a nível prático, e de onde se salientam
as já referidas referências às construções particulares, existem muitas outras
formas de condicionamento à vivência das
populações.
A prova disto, como não poderia deixar de ser, está patente nos
diversos vestígios etnográficos que ainda subsistem no seio das comunidades que
habitam nestes três concelhos. Hábitos antigos, passados de geração em geração
e que, de forma mais ou menos exacerbada, acabam por influir no modo de vida da
população, seja em termos práticos nas actividades profissionais do quotidiano,
quer mesmo em termos simbólicos, nas vivências religiosas e místicas da
população. Não será por mero acaso, por exemplo, que a figura de Nossa Senhora
dos Navegantes é muito venerada em Cascais, facto que só se compreende pela
proximidade das excelentes águas da baía, bem como da arte da pesca que hoje
ainda, infelizmente de uma forma muito efémera, continua a funcionar como
atractivo turístico para o centro da vila.
Da mesma forma, as diversas lendas
que existem em torno de locais onde foram edificadas capelas e ermidas, muitas
vezes praticamente inacessíveis ao comum cidadão, e bastante importantes em
épocas de romarias e procissões, só podem ser explicadas se tivemos em conta a
organização interna do simbólico das populações e que, como verificámos ao
longo dos muitos meses em que durou este trabalho, se pode relacionar directamente
com as próprias características físicas do território municipal.
De facto, se nos
ativermos aos números concretos daquilo que é hoje a realidade patrimonial do
concelho de Cascais ou, pelo menos, àquilo que normalmente é considerado como
objecto de valor patrimonial, depressa perceberemos que cerca de noventa por
cento desses artefactos se inserem em tabelas tipológicas relacionadas com o
simbólico.
As conhecidas
sandálias de calcário encontradas nas grutas artificiais de Alapraia, os
artefactos votivos desenterrados do Espigão das Ruivas, as muitas capelas e
ermidas, até à maior parte das habitações burguesas de finais do século XIX
construídas no Monte Estoril e em quase toda a faixa costeira, são apenas
alguns exemplos de facetas patrimoniais relacionadas com esta questão, salientando-se
aqui, como resultado da observação directa dos objectos ou edificações em
questão, o facto de que o passar dos tempos, com a consequente mudança das
mentalidades, não foi factor suficientemente condicionante para influenciar
grandemente nem tão pouco transformado de forma significativa a forma de pensar
dos cascalenses.
De facto, desde a época pré-histórica até à actualidade, muito
embora se tenham modificado os cultos, é possível vislumbrar um factor que
serviu de fim condutor e que sempre condicionou a vivência simbólica destas comunidades,
não só em termos de ocupação de espaços sagrados, como consequência deste
facto, encontrar vestígios nos rituais habituais de modos de agir que possuem
as suas raízes envoltas nos mantos cerrados das brumas do tempo. A explicação
para este facto, sempre dependente da perspectiva com que se encara o fenómeno
e que, de alguma forma pode ser condicionada pela interpretação pessoal da
realidade, encontrar-se-á provavelmente no próprio carácter físico da humanidade.
Desde tempos remotos, quando mesmo os aspectos mais básicos da tecnologia se
encontravam fora do alcance da mente humana, que o Homem tem necessidade de
explicar as causas dos acontecimentos que ocorrem quotidianamente. No entanto,
e como a maior parte deles o transcendem ou ultrapassam a sua capacidade de
explicação, a consequência antropológica é a procura no Além do elemento-chave
para o deslinde do mistério, factor observável em Cascais como em todos os
pontos do globo onde a influência física do Homem se fez sentir.
Neste espaço,
incentivado pelas características do território, onde o estado do mar
condicionava a actividade piscatória, e onde os bons e maus anos agrícolas
acabavam por influenciar a produtividade da terra, essas características são
naturalmente incentivadas, uma vez que a explicação da fertilidade, ou mesmo a
natural procura do melhor, condicionam o aparecimento de formas de pensar que
se vão interiorizando e transformando em mitos; esses mitos, por seu turno, vão
ter de ser enquadrados dentro das actividades normais do grupo, e para tal, com
a ajuda das estruturas e instituição próprias da organização social humana
criam-se ritos e rituais, que propagavam e consolidavam a primitiva
interpretação pessoal do facto em questão; como consequência do desenvolvimento
destas formas de agir, e uma vez que a sedentarização de um grupo humano
implica, logo à partida, a necessidade de incentivo da ligação entre o indivíduo
e a terra, aparecem então as implicações directas no património, seja em termos
de construções de carácter puramente sagrado, como são, por exemplo, as
necrópoles e os templos, até aos mais básicos vestígios das habitações
pessoais, onde se espelham muitos dos aspectos ligados a esta vivência
religiosa.