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A Escravatura em Cascais

João Aníbal Henriques, 02.09.24

 

por João Aníbal Henriques

Por incrível que pareça, em 1514, quando Dom Manuel I renovou o antigo Foral de Cascais, a escravatura era um exercício comercial comum na nossa vila. 

De facto, numa das posturas desse documento diz-se taxativamente que quem vendesse um escravo ou uma escrava em Cascais teria de pagar um imposto de 13 Reais e meio! E que as escravas que fossem mães de crianças que ainda mamassem não veriam agravadas as suas taxas por esse efeito.

Uma realidade cruel que caracterizou a nossa terra e o resto do mundo mas que felizmente já está muito distante! Pelo menos por cá e por enquanto…

O "Arreda" no Verão de Cascais

João Aníbal Henriques, 23.08.24
 

por João Aníbal Henriques

Nos primórdios do automobilismo em Portugal, uma das primeiras e mais importantes figuras e circular pelos caminhos de Cascais no seu extraordinário automóvel foi o Infante Dom Afonso de Bragança – o Arreda -, irmão mais novo do Rei Dom Carlos. O príncipe descia diariamente a Avenida Valbom em alta velocidade de forma a tentar que o automóvel ganhasse balanço suficiente para subir a Alfarrobeira sem parar... E, enquanto acelerava o seu bólide, gritava em plenos pulmões “Arreda! Arreda!” tentando afastar do caminho os peões que por ali andavam. Foi assim em Cascais que ele ganhou a alcunha de “O Arreda” que o acompanhou até ao fim dos seus dias e que ainda hoje o caracteriza nos livros de História!

Quando era Preciso Passaporte para Entrar em Cascais

João Aníbal Henriques, 08.08.24
 
 

por João Aníbal Henriques

Um dos muitos problemas que afectaram as povoações destruídas pelo grande terramoto de 1755 foi o que nessa altura se chamava “vadiagem”. Os sem-abrigo, impossibilitados de recuperar as habitações perdidas durante o cataclismo, deambulavam pelas ruas mendigando e arrastando a desgraça que sobre eles se tinha abatido. O problema era de tal forma grave que no 25 de Junho de 1760 foi publicada uma lei que obrigava os cidadãos que pretendiam viajar entre concelhos a levar consigo um “passa-porte” autorizado. Em Cascais, a exigência do dito “passa-porte” municipal vigorou até 1825 e a sua emissão por parte da câmara exigia que os que o requeriam apresentassem testemunhas e fiadores!

Rei Dom Luís I - A Última Vez em Cascais

João Aníbal Henriques, 05.08.24

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por João Aníbal Henriques

No dia 31 de Julho de 1889, há 135 anos, o Rei Dom Luís I chegou pela última vez a Cascais. A conselho dos médicos, que conheciam a extrema gravidade da sua saúde e o seu estado terminal, instalou-se no Palácio Real da Cidadela, de forma a que os seus últimos dias fossem passados a contemplar a sua Baía de Cascais. Para tal, o quarto foi mudado para outro compartimento de forma a colocar a cama junto à janela que tinha aquela vista privilegiada. Expirou serena e tranquilamente no dia 19 de Outubro de 1889 com o olhar perdido nas águas maravilhosas do mar que tanto amava. Sempre em Cascais.

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(o quarto privado do Rei Dom Luís I no Palácio Real da Cidadela de Cascais)

O Mito do Pelourinho de Cascais em 24 de Julho de 1833

João Aníbal Henriques, 24.07.24
 
 

por João Aníbal Henriques

Diz a voz popular, repetida incansavelmente há muitas gerações, que o Pelourinho de Cascais está situado em frente à lota, com vista privilegiada sobre a nossa extraordinária baía.

Mas não é verdade. O Pelourinho Medieval de Cascais, que a documentação atesta ter existido junto à ponte que ligava as duas margens da Ribeira da Vinhas, terá sido completamente destruído pelo grande terramoto de 1755.

O padrão colocado junto à baía, a que tantos aludem como sendo o dito pelourinho, é um marco comemorativo de um dos mais sanguinários e destruidores momentos da História de Portugal: a luta fratricida entre Dom Pedro e Dom Miguel e a mortífera Guerra Civil que opôs liberais a absolutistas depois da morte de Dom João VI.

No dia 24 de Julho de 1833, liderando um exército formado com o apoio da Coroa Inglesa, que tinha vastíssimos interesses na independência de Portugal e no estabelecimento de um regime liberal que satisfizesse as suas necessidades no controle das rotas comerciais com a Ásia, com África e, sobretudo, com o Brasil, entra em Lisboa o Duque da Terceira, desferindo sobre os partidários do Rei Dom Miguel I um duro golpe que pôs fim à Guerra Civil.

Dom Pedro IV, primeiro imperador do Brasil e mítico autor do célebre Grito do Ipiranga, que tornou a antiga colónia portuguesa num país independente, decide abdicar da Coroa Portuguesa na pessoa da sua filha mais velha, assumindo a liderança da Casa de Bragança e regressando a Lisboa como Regente do Reino de Portugal, deixando o seu filho Dom Pedro II como Imperador do Brasil.

A entrada triunfal da Rainha Dona Maria II em Lisboa, depois do êxito de 24 de Julho de 1833, marca o início de um novo período da vida política de Portugal, uma vez que a jovem rainha, que passara uma parte importante da sua infância em Inglaterra, mantém uma ligação de profunda afeição e amizade com a futura Rainha Vitória, fortalecendo assim uma aliança que ainda hoje tem consequências diversas na política externa portuguesa e nos equilíbrios políticos de Portugal nesta Europa escalavrada em que vivemos.

O marco ao qual os Cascalenses chamam erradamente “pelourinho”, é assim um monumento que festeja a vitória liberal e a subida ao trono da Rainha Dona Maria II de Portugal!

As Obras de Construção do Largo Camões em Cascais

João Aníbal Henriques, 13.05.24
 

 

Até ao dia 10 de Junho de 1980 o actual Largo Luís de Camões, em plano coração da Vila de Cascais, era um sórdido e mal preparado parque de estacionamento a céu aberto. O equipamento, por sua vez, havia substituído com carácter provisório este espaço onde anteriormente existiam casas antigas, prolongando o eixo da Rua Regimento 19 de Infantaria, e que foram demolidas de forma a abrir o espaço e a criar uma praça para onde se pretendia fazer convergir as principais dinâmicas comerciais da velha vila piscatória. As obras em curso, promovidas pelo saudoso Dr. Carlos Rosa, que presidia à Câmara Municipal depois das eleições que foram ganhas pela Aliança Democrática, tinham em vista a definição de uma linha de modernidade que promovesse o comércio tradicional e permitisse a reafirmação de Cascais como destino de excelência no seio da recém-criada Área Metropolitana de Lisboa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A Inauguração do Largo e da Estátua de Camões em Cascais

João Aníbal Henriques, 10.05.24

 

 

No dia 10 de Junho de 1980, por iniciativa do saudoso Presidente da Câmara Municipal de Cascais, Carlos Rosa, foi inaugurado o novo Largo Camões e a estátua do poeta. A cerimónia, que contou a presença de todas as entidades e instituições municipais, foi literalmente engolida por milhares de Cascalenses que encheram este novo espaço urbano da Vila de Cascais. Antes das obras de reconversão, o actual Largo Camões era um espaço sombrio e pouco atractivo que funcionava como estacionamento automóvel. E a estátua, ali colocada provisoriamente até ser possível adquirir um exemplar condigno, é um molde feito em pedra-sabão encontrada por Benjamim de Quaresma Diniz nas arrecadações do Mosteiro dos Jerónimos e cedida a Cascais para este efeito. À frente do cortejo popular que calcorreou as ruas de Cascais em homenagem ao poeta-maior da Portugalidade, seguiam os alunos das escolas primárias do concelho, encabeçado por Miguel Mesquita Portugal e João Aníbal Henriques, alunos da Professora Primária Eglantina Ventinhas que, tendo ganho o concurso do mais bonito estandarte do cortejo, tiveram a honra de descerrar com Carlos Rosa o novo e mais emblemático monumento da Vila de Cascais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A Magnífica Igreja da Ressurreição de Cristo em Cascais

João Aníbal Henriques, 29.11.23

 

por João Aníbal Henriques

Situada no preciso local onde actualmente se encontra a estação de comboios, existiu até ao grande terramoto de 1755, uma das mais magníficas igrejas de Cascais. Cabeça da freguesia da Ressurreição de Cristo, que se estendia até à margem Nascente da vetusta Ribeira das Vinhas, a freguesia congregava os mais abastados cascalenses da sua época.

Dedicada à Ressurreição de Jesus Cristo, a igreja matriz possuía nove altares que davam forma à sua nave central: Santa Bárbara, Nossa Senhora da Purificação, São Francisco, Santo André, Nossa Senhora da Vitória, Nossa Senhora de Guadalupe, Santiago Apóstolo, Nossa Senhora dos Remédios e Senhor Jesus.

Na manhã de 1 de Novembro de 1755 o terrível Terramoto de Lisboa destruiu-a por completo, gerando um cenário de ruína que o prior de então entendia ser irrecuperável, tal como se pode ler nas “Memórias Paroquiais” que dão conta da amplitude da catástrofe.  

Mesmo assim, na pobreza extrema em que viviam nessa altura terrível, os pescadores de Cascais ainda se quotizaram para recuperar a sua igreja. Mas infelizmente não foi possível concretizar esse seu sonho e a velha igreja transformou-se numa mera recordação que perdurou ao longo de muitas gerações na memória colectiva dos cascalenses.

Fortaleza de Nossa Senhora da Luz em Cascais

João Aníbal Henriques, 21.06.21
A Fortaleza de Nossa Senhora da Luz e a Torre de Santo António, em Cascais, reabriram ao público no passado dia 13 de Junho para visitação. O monumento, porventura o mais antigo e importante marco da História de Cascais, está na posse do Estado central encontrando-se fechado desde meados da década de 80 do século passado e num estado galopante de degradação. Com esta abertura simbólica ao público, a Câmara Municipal de Cascais permitiu que um grupo de Cascalenses pudesse conhecer e visitar o espaço, através de uma animação histórica protagonizada pela arqueóloga Vera Cardoso. 


A Aldeia Nova de Cascais no Alto da Bela Vista

João Aníbal Henriques, 21.03.20
 

 

 
O Cascais que conhecemos e em que hoje vivemos, resultante das grandes alterações havidas na vila a partir do último quartel do Século XIX quando o Rei Dom Luís escolheu este espaço como destino privilegiado de veraneio, esconde de forma literal todo um enquadramento histórico que deriva do processo natural de nascimento, crescimento e afirmação da urbe no contexto nacional. O Alto da Bela Vista é exemplo paradigmático desta situação, pois reúne em si mesmo um conjunto de memórias consubstanciadas em património urbano de primeira importância para Cascais, que ficou encoberto pela assimilação daquele espaço pelo perímetro histórico consolidado da vila que agora temos. Conhecer a génese histórico/urbanística do Alto da Bela Vista é, desta forma, um importante contributo para a recuperação da Memória Histórica e, por extensão, da Identidade Municipal de Cascais, reafirmando a capacidade de enquadramento dos projectos que surjam para aquele local e potenciando o seu valor enquanto factores consolidadores da cidadania local.

 

 
por João Aníbal Henriques 
 
 
 
 
A Génese do Espaço e as Memórias de Cascais
 
Ninguém sabe, de forma efectiva, onde Cascais nasceu. A urbe que hoje temos, tradicionalmente marcada pelo epíteto de “Vila de Reis e de Pescadores”, é o resultado efectivo de um enorme conjunto de acontecimentos que por aqui se desenvolveram ao longo dos séculos.
 
Sabendo-se que a ligação de Cascais ao mar é realidade inata à própria existência de aglomerados habitacionais neste espaço, o certo é que a ligação da vila aos seus ilustres pescadores nem sempre se desenhou a partir dos cenários que hoje conhecemos.
 
Nos primórdios da existência humana em Cascais, quando as primeiras comunidades deambulavam em busca de segurança e alimento, o espaço agora ocupado pela vila oferecia condições excepcionais de habitabilidade.
 
O mar, fonte praticamente inesgotável de alimentos, assegurava praticamente ao longo de todo o ano, o sustento necessário à sobrevivência humana. E, se o clima e a paisagem eram (e são cada vez mais) paradisíacos, faltava assegurar somente uma dessas componentes básicas que dão sustento a existência de comunidades humanas: o abrigo e a segurança perante ataques e intempéries.
 
Mas neste campo, possivelmente diferenciando Cascais das demais enseadas arenosas e desérticas que abundavam na região, possui no seu subsolo um conjunto de grutas e cavidades que, furando a pedra calcária que dá forma ao nosso solo, formam um vasto complexo de cavernas que apresentavam excelentes condições de acesso e habitabilidade.
 
 
 
 
Torna-se fácil perceber, desta maneira, a razão de ser de ter sido provavelmente nas actuais Grutas do Poço Velho, situadas no sopé do morro da Bela Vista, que Cascais nasceu efectivamente. E de, nesses tempos imemoriais do Paleolítico, terem sido ocupadas por caçadores-recolectores que naturalmente utilizavam o mar como sua fonte principal de alimentos.
 
Cascais nasceu ali, há dezenas de milhares de anos atrás, a partir do binómio que ainda corporiza o inconsciente colectivo da grande maioria dos Cascalenses: o Sol e o Mar, definindo na sua lógica de desenvolvimento urbano uma componente que vincula ambas as realidades perante a necessidade maior de oferecer qualidade de vida a todos os seres humanos que ali se instalaram e que escolheram este como o local ideal para viver.
 
Suficientemente afastadas do mar para poderem salvaguardar a segurança desejada mas, ao mesmo tempo, próximas o suficiente para serem acessíveis no labor quotidiano, foi no espaço das Grutas do Poço Velho que nasceram as primeiras comunidades piscatórias locais. Foi também ali, a partir dos pressupostos atrás elencados, que nasceram e se criaram as técnicas, as práticas e os conhecimentos que aproximam Cascais do mar até à actualidade.
 
A consolidação e a sedentarização destas primeiras comunidades humanas na génese do território Cascalense inicia então um processo de paulatina aproximação física ao mar e às praias. O desenvolvimento de conhecimentos na área das construções e a pacificação que resultou do processo de Neolitização, tornou possível virar costas aos abrigos naturais proporcionados pelas grutas e optar por formas de abrigo mais precárias e melhor posicionadas relativamente ao mar. Nascem assim os primeiro aglomerados pré-urbanos, possivelmente localizados em torno da Baía de Cascais, a partir da construção de casas feitas com materiais perecíveis e cujos vestígios não chegaram naturalmente até à actualidade.
 
Na época Romana, na qual a urbanidade já tinha atingido outros níveis de conhecimento, já encontramos vestígios arqueológicos de ocupação humana na actual zona do castelo, de cara voltada para o mar mas ainda assim aproveitando o desnível do terreno para assegurar alguma segurança suplementar (ver as Cetárias Romanas situadas na Rua Marques Leal Pancada), ao mesmo tempo que o espaço antigo das velhas grutas de outros tempos vai ficando olvidado.
 
 
 
 
 
Durante muitos séculos a vida de Cascais recentrou-se em volta da Baía. Era ali que se situavam as velhas cabanas abarracadas onde pernoitavam os pescadores que aqui chegavam, era também ali que se situavam as indústrias de salga e conserva de peixe que tornaram próspero o lugar.
 
Utilização e Usufruto
 
Mas como nada é linear na História de Cascais, importa perceber que a concentração de esforços e o assentamento das primeiras comunidades na actual zona junto ao mar, não representou necessariamente o abandono dos velhos espaços. Pelo contrário.
 
Nas Grutas do Poço Velho e, de forma muito progressiva nas encostas do morro da Bela Vista, foram ficando pequenas comunidades humanas que trabalhavam e rentabilizavam esses espaços.
 
A primeira notícia que temos desta realidade situa-se precisamente junto à entrada nas Grutas do Poço Velho numa das ruas que dá acesso às mesmas para quem vinha da zona saloia situada no triângulo verdejante e próspero que liga a Serra de Sintra ao mar. Na pequeníssima e quase desconhecida Capela de Nossa da Conceição de Porto Seguro, está ainda hoje uma placa votiva que refere que o templo e o hospício que lhe estava anexo foi construído em 1691por Paschoal Dias e Maria da Costa, originários de Oeiras e que ofereceram esse espaço aos Frades Capuchos  de Santa Cruz da Serra de Sintra.
 
E por ali, contrariamente ao que hoje se sabe, consolidou-se um núcleo de povoamento dependente do apoio social proporcionado pelo hospício e, concomitantemente, pelo amparo espiritual da invocação maior que Nossa Senhora da Conceição represente em Cascais e em Portugal…
 
 
 
 
De tal forma foi importante esse povoamento do local, demonstrando a documentação existente que houve efectivamente um afastamento real entre esse espaço e o da consolidação urbanística da Vila de Cascais e seus arrabaldes, que já no Século XIX, quando a Corte escolhe a vila como estância de veraneio, Francisco Marques Leal Pancada, um benemérito Cascalense também relacionado profissionalmente com a conservação do peixe, adquire a capela e o hospício e efectua amplas obras de conservação e restauro.
 
É importante não esquecer que foi precisamente Leal Pancada que, tempos depois, oferece à população de Cascais o terreno onde virá a ser construído o Hospital dos Condes de Castro Guimarães, situado mesmo em frente ao local onde se situava o Campo Santo e o cemitério principal da localidade.


 
 

A Vila Nova de Cascais, por ironia do destino localizada precisamente sobre o local onde Cascais nasceu, cresceu assim com uma dinâmica própria e a pujança de um local que detinha meios próprios de subsistência. Sendo um arrabalde da vila propriamente dita, preservou a sua identidade e consolidou a sua importância no crescimento e consolidação geral da vida Cascalense.
 
Memórias e Identidade
 
Na caracterização da unidade urbanística que resulta do devir histórico da Aldeia Nova de Cascais e do próprio Alto da Bela Vista, importa recuperar muita da informação presente no “Levantamento Exaustivo do Património Cascalense” (Fundação Cascais: 2000) onde se elencavam cada casa e cada detalhe com relevância para a compreensão deste importante núcleo Cascalense.


 
 
As peças que hoje restam, para além do aglomerado habitacional que foi sendo construído a partir da criação do velho hospício e da Capela de Porto Seguro, ambos peças-chave para compreender e contextualizar eventuais intervenções futuras a realizar naquele espaço, cingem-se tão somente aos detalhes arquitectónicos que sobreviveram às agruras impostas pelos novos tempos e pelas novas necessidades. As cantarias das portas e das janelas, muitas delas com decoração singela em memória de realidades que não existem já, foram reutilizadas em processos de demolição e reconstrução sucessivas que por ali se foram fazendo. E na divisão dos lotes, mesmo com as contrariedades impostas pelo emparcelamento, ainda é possível encontrar os vestígios daquele que foi o Cascais primordial de outros tempos, com as suas courelas e pequenas quintas, os velhos currais de gado e até as actividades de apoio à vida quotidiana no coração da vila.


 
 
Esta vertente “saloia” da Aldeia Nova, o local onde se produzia muito daquilo que se consumia na vila de então, foi-se consolidando com o desenvolvimento industrial. Em primeiro lugar, logo ali ao lado, a Real Fábrica de Lanifícios de Cascais e, mais adiante, a Fábrica de Conservas de Peixe que ajudou a definir a margem direita da ribeira. O hospício, que entretanto foi evoluindo para um verdadeiro hospital (e cujo edifício ainda lá se encontra transformado em espaço residencial), era destino eminente para os mais pobres e desfavorecidos da sociedade de então. Convergiriam para ali os que tinham menos posses e meios, sendo certo que pescadores e mareantes ali encontravam o consolo físico e espiritual para os males que os afectavam.
 
Será eventualmente por isso que, a título de explicação, se mantém a ligação perene entre o mar e este arrabalde “longínquo” do centro de Cascais onde, aliás, se situava o cemitério onde encontravam os pescadores o seu eterno descanso. Possivelmente por isso igualmente, e parecendo pôr em causa toda a lógica e discernimento, ali é construído em época mais recente o “Bairro de Nossa Senhora dos Navegantes” (vulgo Bairro dos Pescadores) que, até há muito pouco tempo era cenário de velhos barcos esventrados ou em operações de reconstrução, pousados em pequenos terrenos cheios de redes e apetrechos velhos de pesca.


 
 
Enquadramento Urbanístico
 
A apreciação de operações urbanísticas neste espaço, natural por sabermos que o envelhecimento do espaço determina necessariamente a sua recuperação, actualização e modernização, deveria ter em conta esta identidade própria do Alto da Bela Vista e a sua importância efectiva na definição daquilo que ainda hoje é Cascais.
 
O enquadramento dos futuros projectos nesta realidade, bem como a rentabilização das memórias patrimoniais que ali subsistem, ajuda a qualificar as intervenções e, desta forma, consolida a Identidade Municipal e promove a memória colectiva.
 
Interpretar desta maneira a realidade que temos em linha com as pré-existências dos diversos lugares, assegura aos que projectam nos mesmos condições ímpares para reforçarem igualmente a sua atractividade e, por extensão natural, o valor intrínseco dos empreendimentos e espaços.
 
Por esse motivo ganha redobrada importância a proposta de requalificação do edifício situado na Rua da Bela Vista, cuja Certidão Urbanística foi discutida na última reunião de Câmara. Toda e qualquer intervenção efectuada no âmbito do contexto urbanístico e patrimonial que seja sinónimo de melhoria da qualidade dos edifícios, e que o faça sem desvirtuar o seu enquadramento genérico na realidade local, é contributo decisivo para o reforço da vocação turística municipal, sendo que esta, conforme está plasmado no próprio Plano Director Municipal, deverá ser resultando de um acréscimo na identidade dos moradores e frequentadores do local.


 
 
O potencial educativo e pedagógico do Alto da Bela Vista, tal como acontece em tantos outros cantos e recantos de Cascais, é imenso. É ali que reside a possibilidade de as novas gerações criarem laços e vínculos perenes com quem os antecedeu na ocupação deste espaço. Só assim, com esses laços bem evidentes e com uma abordagem politicamente consciente desta importância, será possível fazer crescer Cascais com qualidade, motivando os equilíbrios sociais com as necessidades de prosperidade e empreendedorismo, e zelando por um reforço efectivo da Identidade Municipal, essencial para uma cidadania consciente e, em última instância, para uma democracia saudável.


 
 
Conclusão
 
A Aldeia Nova de Cascais é uma realidade desconhecida de quase toda a gente. E esse facto, associado aos naturais processos de rejuvenescimento dos nossos espaços habitacionais consolidados, acaba por fazer perder potencialidades que um conhecimento enquadratório daquela realidade almejaria alcançar.
 
Compreender a razão de ser daquele espaço, os motivos que levaram a que tivesse chegado até nós com as características que nele reconhecemos e as potencialidades imensas que possui para a definição da qualidade que todos desejemos para Cascais, ajuda os técnicos que formulam e apreciam os projectos para aquele lugar, os professores e educadores das escolas locais, os políticos que decidem os destinos da nossa terra, e até o cidadão comum que pretende construir ali (ou reconstruir) a sua casa, a tomar as decisões que melhor correspondem aos interesses de todos os Cascalenses.
 
Porque sem consciência de quem somos, de onde viemos e para onde vamos, as discussões acabam naturalmente por perder-se nos interesses mais mesquinhos e imediatos, delas resultando pouco mais do que uma pequena peça na engrenagem imensa com que o sistema político que temos nos constrange.
 
 
Porque como dizia Pedro Falcão no seu “Cascais Menino”, este é “o Cascais com que sonhamos”.