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cascalenses

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O Palácio Real da Ajuda

João Aníbal Henriques, 23.03.17

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Causa estranheza, para quem deambula desinteressadamente pelos arrabaldes de Belém, em Lisboa, o enorme palácio inacabado da Ajuda. Em primeiro lugar pela sua dimensão inesperada num ponto esquisito da cidade; Depois, porque a sua magnífica fachada neo-barroca contrasta de forma impactante com as traseiras inacabadas e em cenário de pré-ruína; e por fim, porque a alguns metros do monumental edifício, se ergue uma também ela monumental torre do relógio, com o seu galo de ferro forjado, que parece perdida no meio de um vasto e quase sempre vazio parque de estacionamento…
 
Mas a explicação para este estranho fenómeno monumental de Lisboa é simples e está directamente relacionada com uma série de azares e infortúnios que marcaram a vida da capital e a de todos os Portugueses.
 
O primeiro desses desastres foi provavelmente o maior cataclismo de sempre na História de Portugal: o grande terramoto de 1755. Na manhã do dia 1 de Novembro, quando a velha cidade medieval de Lisboa se preparava para devotamente assistir à Missa do Dia de Todos-os-Santos, a terra tremeu de forma tremenda, praticamente destruindo três quartos da área total da capital. Como se tal não bastasse, o cataclismo foi seguido de um maremoto inimaginável, que fez as água do Rio Tejo subir até ao actual Marquês de Pombal, que foi seguido de uma devastação brutal imposta por sucessivos incêndios.
 
 
 
 
Num cenário apocalíptico de destruição e ruína, Lisboa viveu muitos dias de medo. Os habitantes temiam a possibilidade de novas réplicas e, não só a instabilidade ao nível dos elementos, como a interpretação do fenómeno como tradutor da cólera divina perante os seus habitantes, pareciam combinar-se para gerar uma onda generalizada de refugiados que procuravam afastar-se o mais possível da cidade.
 
O Rei Dom José I e a Família Real, por um acaso que foi essencial na determinação daquilo que viria a ser o rumo da própria História de Portugal, tinha passado essa noite em idílico refúgio em Belém, local menos afectado pela onda sísmica, razão pela qual todos escaparam incólumes ao desastre. Mas, se escaparam sem ferimentos físicos à devastação trazida pela fúria da natureza, não conseguiram livrar-se da angústia perante o acontecido e, sobretudo, do medo que era comum a todos os súbditos que fugiam da cidade. Temente a Deus e cheio de medo de que tal cenário de catástrofe pudesse vir a repetir-se, terá o Rei indicado ao seu braço-direito, o Primeiro-ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal, que jamais voltaria a dormir numa casa de alvenaria!
 
E assim foi. Cumprindo as ordens reais, foi a Família real instalada num palácio construído precariamente em madeira numa velha quinta comparada por Dom João V na zona da Ajuda, que popularmente passou a ser conhecido como a “Real Barraca da Ajuda”, para onde se transferiram grande parte dos bens de outros palácios reais e nomeadamente aqueles que haviam escapado aos escombros do velho Paço da Ribeira.
 
 
 
 
A Real Barraca, plena de sumptuosidade e ocupando uma área maior do que aquela que ocupa o actual palácio, foi imaginada pelos melhores arquitectos de então, e decorada com o luxo que estava associado à importância e à riqueza da Casa Real Portuguesa. Petrone, Mazone e Veríssimo Jorge, foram apenas três dos personagens ilustres que ajudaram Dom José a transformar a estrutura precária num dos mais ilustrados palácios da Europa de então. À sua volta, por ordem do Marquês de Pombal, foi construído o primeiro Jardim Botânico de Lisboa, enquadrado na soberba paisagem fronteira ao Tejo e encabeçada pela construção também ela monumental de uma imensa Capela Real em madeira, cujo perfil marcou em definitivo o cenário régio da cidade.
 
Tendo ali vivido até à sua morte em 1777 o Rei Dom José, a real Barraca da Ajuda depressa alcançou o prestígio social de centro da Corte, dali se definindo toda a política que haveria de recriar a moderna Lisboa que hoje temos.
 
 
 
 
A perenidade da construção e a passagem do tempo, condicionaram então a Família Real a repensar o modelo precário da estrutura onde habitavam e começaram a surgir os primeiros planos para a construção de um imenso palácio barroco em pedra no mesmo local. Subsiste até hoje, por ter sido a única estrutura efectivamente construída em pedra nesse tempo, a velha torre sineira do galo, que durante essa época áurea, estava completamente envolvida pelo abarracamento da velha patriarcal de madeira e pelo vetusto palácio.
 
Depois da morte do Rei e mercê do facto de a sua filha e sucessora viver correntemente no recém adaptado Palácio de Queluz, onde encontrava acomodações e conforto substancialmente superior àquele que exista na Ajuda, ficou a velha barraca numa situação de cada vez mais precário abandono, tendo sido completamente destruída, mercê do infortúnio de um incêndio que acidentalmente a destruiu por completo, no ano de 1794. Tendo sobrado unicamente a velha torre do relógio, o Príncipe-Regente D. João ordenou o início da construção de um novo palácio, seguindo os traços e os projectos que desde há muito tempo se estavam a preparar para o local.
 
Com traço de Manuel Caetano de Sousa, o novo palácio barroco da Ajuda começa a ser construído logo nesse ano mas, mercê de vicissitudes diversas a que não é alheia a invasão francesa e a fuga da Família Real para o Brasil, as obras são suspensas provisoriamente, só recomeçando depois da crise, e depois de o projecto inicial ter sido modificado e modernizado por Francisco Xavier Fabri e José da Costa e Silva, ao sabor das mais modernas correntes de pensamento do início do Século XIX.
 
 
 
 
Não estando ainda terminadas as obras quando o novo Rei Dom João VI regressa a Lisboa, opta a família real por habitar o Palácio da Bemposta e o recém-renovado Palácio das Necessidades, deixando as obras da Ajuda num lento marasmo que se vai prolongar ao longo de muitos anos. Durante o curto reinado de D. Miguel, é na Ajuda que se assiste à sua proclamação e às principais cerimónias de Estado, sendo também ali que virá a ser aclamado o Rei Dom Pedro V, já em pleno período liberal.
 
Depois, quando o romantismo trazido da Alemanha pelo Rei-Consorte Dom Fernando II de Saxe-Coburgo-Gotha se concretiza no ambiente bucólico da Pena, em Sintra, o fausto só regressa ao Palácio Real da Ajuda pela mão da Rainha Dona Maria Pia de Sabóia, esposa do Rei Dom Luís, que se apaixonou pelo espaço e, para além de ter tentado concluir as obras sempre inacabadas das alas Norte e Poente do edifício, se encarregou pessoalmente do adaptar às necessidades do seu tempo e de o decorar de acordo com o seu requintado gosto italiano. Foi ela quem, aliás, ali viveu de forma ininterrupta depois da morte do Rei Dom Luís e durante todo o reinado do seu filho, D. Carlos e, depois, até à Implantação da República em Outubro de 1910.
 
Agora, cerca de 200 anos depois do início das obras, foi finalmente anunciada a conclusão da fachada Poente do palácio, num projecto apresentado em finais de 2016 pelo Primeiro-Ministro e com traço do Arquitecto João Carlos Santos.
 
 
 
 
Os esboços apresentados, cuja execução orça cerca de 15 milhões de euros, assumem uma linha de cisão muito controversa relativamente à traça original do edifício, implementando uma estrutura moderna em vidro que fechará definitivamente a História da Ajuda.
 
Inserida na mentalidade traumatizada da visão cultural do Portugal que hoje temos, o projecto que agora se apresenta deforma o Palácio Real da Ajuda e deturpa a visão que os Portugueses têm dele. Mas, pior ainda, dá corpo a uma abordagem de tal forma impressiva que, na dinâmica da arquitectura de cenário que a Ajuda sempre teve, configurará uma abordagem perfeitamente desenquadrada a ser concretizada pelas próximas gerações, num manancial de imposição egoísta de novos rumos e de novas abordagens que compromete toda a história deste local.
 
Assumindo a História de Portugal e a História de Lisboa, o Palácio Real da Ajuda deveria ser concluído seguindo o projecto inicial. Só assim, respeitando os ecos da História e a memória colectiva dos Portugueses, se poderia aspirar em manter a sua importante função de catalisadora da Identidade Portuguesa.

 

 

O Arco Monumental da Rua Augusta - Lisboa

João Aníbal Henriques, 15.11.13
por João Aníbal Henriques

Monumento maior da Cidade de Lisboa, marcando de forma muito evidente o eixo principal da Baixa Pombalina, o Arco Monumental da Rua Augusta é um dos elementos mais impactantes da estrutura simbólica que dá forma à Praça do Comércio – antigo Terreiro do Paço – e que define a orientação da nova cidade.

Tendo feito parte do projecto original de recuperação da Cidade de Lisboa depois do grande terramoto de 1755, o Arco da Rua Augusta era uma das peças principais traçadas pela dupla Manuel da Maia e Eugénio dos Santos, que o Marquês de Pombal aprovou de imediato, tendo sido iniciada a sua construção logo em 1759.

Vicissitudes diversas, no entanto, ditaram várias mudanças ao projecto, sendo que em 1777, logo depois da inauguração da Estátua Equestre do Rei Dom José, a construção original foi demolida, tendo-se iniciado um processo moroso que introduziu várias alterações profundas na ideia inicial. Depois da morte do Rei, da subida ao trono da Rainha Dona Maria I e da demissão do Marquês de Pombal, só em pleno Século XIX, já em 1815, é que se colocaram os enormes pilares em pedra de Pêro Pinheiro que dão forma ao monumento actual.

Durante muitos anos, como se vê nas inúmeras fotografias dos finais do século, o arco manteve-se aberto, sem a cúpula escultórica que hoje ali vemos, até que em 1844 Costa Cabral aprovou o renovado projecto de cunho romântico da autoria do Arquitecto Veríssimo José da Costa.

 


O conjunto escultórico superior, da autoria do arquitecto Anatole Calmels – que também foi responsável pelo varandim do edifício dos Paços do Concelho – representa a glória, o génio e o valor, compondo um quadro que encaixa de forma perfeita na simbologia latente na significação de índole sagrada que surge associada à própria estátua real. O conjunto inferior, da autoria de Vítor Bastos, inclui as figuras que deram forma à História de Portugal, nomeadamente Viriato, Nuno Álvares Pereira, Vasco da Gama e o próprio Marquês de Pombal.

O carácter sagrado do monumento, a que não é estranha a concepção da própria praça, surge em linha com o significado profundo do Cais das Colunas e com a ligação às três artérias que convergem para o Rossio: o Ouro, a Prata e a Rua Augusta.

Para o investigador Vítor Adrião (Lusophia) a Praça do Comércio é um decalque quase perfeito da Basílica de Mafra, estando o Altar-Mor no local onde em Lisboa se encontra a Estátua Equestre e o Santíssimo no mesmo sítio onde originalmente se encontra o arco e questão.  


Reforçando a ideia de que o valor deste monumento reside muito mais no seu simbolismo do que na monumentalidade que hoje lhe atribuímos, esta teoria ajuda a explicar a escala única de todo o espaço e, especialmente, a dimensão quase inusitada que o arco assume na totalidade do conjunto.

Recuperado ao longo dos dois últimos anos, o Arco Monumental da Rua Augusta está hoje acessível ao público que o pode visitar mediante o pagamento de um bilhete de 2,50 €, dali obtendo uma perspectiva panorâmica fenomenal de todo o quadriculado que dá forma à Baixa Lisboeta. 










A Estátua Equestre do Rei Dom José no Terreiro do Paço

João Aníbal Henriques, 12.11.13

por João Aníbal Henriques

Situada no Coração de Lisboa, no centro da Praça do Comércio (antigo Terreiro do Paço) e estrategicamente colocada entre o Arco Triunfal da Rua Augusta e o marco simbólico do Cais das Colunas, a estátua equestre do Rei Dom José é um dos mais impressionantes e emblemáticos monumentos da cidade.

Muito ligado à reconstrução pombalina de Lisboa após o grande terramoto de 1755, o convite formulado ao escultor Joaquim Machado de Castro foi feito ainda antes do cataclismo, em 1750, e ficou envolvido em várias polémicas. Em primeiro lugar porque o escultor teve de seguir os desenhos realizados por Eugénio dos Santos e, depois, porque ainda foi obrigado a adaptá-los à forma do pedestal já concebido por Reinaldo Manuel dos Santos.

O significado simbólico da estátua, envolto em várias interpretações de cariz variado e muitas vezes contraditório, assentam no dito plano maçónico que o Marquês de Pombal terá utilizado como base do plano de reconstrução da própria cidade.


Concebida como um templo antigo, a própria Praça do Comércio surge carregada de simbolismo, valendo a pena ler com atenção os muitos e muito profundos estudos realizado pelo investigador Vítor Adrião sobre este assunto e acessíveis através do site Lusophia.

De qualquer maneira, importa referir que todo o quadro que envolve a imagem surge marcado por uma identidade que não é linear e que, mesmo no carácter assimétrico da figura real, deixa antever mistérios que ninguém revelou de forma total. A alegoria às vitórias na Ásia e na América, associada à fama e ao triunfo de Portugal, estão bem patentes nas serpentes e nas figuras que envolvem o Rei e o seu cavalo.


A inovação deste trabalho, que foi a primeira representação equestre de um Rei em espaço público recuperando os valores estéticos da Antiguidade Clássica, é vincada pelo facto de ter sido fundida numa só peça e ao longo de apenas 7 minutos. Tecnicamente diferente de tudo o que tinha sido feita até então, foi uma das muitas experiências bem conseguidas que o Tenente-Coronel Bartolomeu Costa realizou no Arsenal do Exército e que tantas repercussões tiveram na História da Arte Portuguesa e na própria Cidade de Lisboa.

As suas enormes dimensões, e o facto de não poder ser puxada por animais, transformou o transporte entre o local da fundição e a Praça do Comércio numa enorme aventura que se encaixou de forma firme na História de Lisboa. Num percurso épico que se prolongou ao longo de 4 dias, a estátua foi carregada por mais de 1000 homens e obrigou à construção de uma estrada para o efeito e à demolição de casas particulares, igrejas e de outros monumentos que se interpunham no caminho em direcção à frente ribeirinha da cidade.

Por fim, no dia da sua inauguração, em 6 de Junho de 1775, causou estranheza o facto de o Rei não ter estado presente na cerimónia que foi presidida pelo próprio Marquês de Pombal. Esse facto, no entanto, ficou a dever-se mais ao protocolo de linha Francesa que se seguiu, e que colocava o Rei em posição de honra na presidência da cerimónia por ser ele o homenageado na estátua, do que a qualquer tentativa de reforço do poder pessoal do primeiro-ministro de Dom José.

Este, por seu turno, juntou ainda mais uma polémica à estória do monumento, ao colocar, na face virada para o Tejo, um medalhão de bronze com a sua imagem e que foi retirado depois das polémicas políticas instauradas pela Rainha Dom Maria I. O medalhão regressou ao seu local de origem, onde ainda hoje pode ser visto, em 12 de Outubro de 1833 pelas mãos do Governo Liberal.


Por fim, importa reter a teimosia do Rei que se recusou a posar para a estátua, facto que obrigou a utilizar a cara que estava patente numa das medalhas que circulavam na cidade… as mãos da estátua, por exemplo, foram moldadas a partir das mãos do próprio escultor…

 

Em suma, é de mistério e de lenda que se constrói um dos mais extraordinários e inesquecíveis recantos da Cidade de Lisboa!