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cascalenses

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O Castelo de Marvão

João Aníbal Henriques, 20.12.23

 

por João Aníbal Henriques

Recortado na paisagem impactante da Serra de São Mamede, sobranceiro ao Rio Sever e à linha de fronteira que separa Portugal de Espanha, o Castelo de Marvão é um dos mais importantes e interessantes monumentos nacionais.

Tendo sido construído originalmente pelos romanos sobre os restos arqueológicos de uma velha fortificação castreja, o castelo responde desde sempre à sua localização estratégica sobre aquela região, permitindo controlar visualmente um vastíssimo território que é essencial nos momentos mais inquietantes de guerras e de violência.

 

 

Existente de forma plena durante o período de ocupação moura, terá sido quartel-general do importante chefe árabe Ibn Meruan, que ali se terá instalado de forma a assegurar o sucesso da ofensiva militar islâmica sobre as tropas muito deficitárias que restavam aos velhos poderes visigodos. As suas muralhas, providas de um reforço natural pelo aproveitamento dos maciços rochosos onde foram erguidas, conheceram nesse período momentos de grande turbulência, estando na primeira linha de defesa dos novos poderes e, por isso mesmo, sempre sujeitas a eventuais tentativas de ataque por parte das forças inimigas.

Por esse motivo, quando Dom Afonso Henriques reconquista o território em 1166, terão sido motivo de pequenas obras de consolidação e de melhoramentos diversos de forma a assegurarem cabalmente as necessidades defensivas do novo reino.

 

 

A sua importância está atestada documentalmente desde 1226 quando o Rei Dom Sancho II lhe confere uma Carta de Foral, posteriormente reconfirmada pelo Rei Dom Manuel em 1512.

Durante o reinado de Dom Dinis, as velhas paredes defensivas foram profundamente adaptadas, assistindo-se à construção da torre de menagem que hoje ainda ali vemos e pela consolidação das estruturas amuralhadas que se prolongam desde a barbacã estendendo o domínio defensivo do castelo a toda a vila de Marvão.

 

 

Serão provavelmente contemporâneos da já referida Torre de Menagem a imponente praça de armas do castelo e, sobretudo, a relevantíssima cisterna que possuía capacidade de manter a população provida de água durante longos seis meses de um qualquer ataque que os sitiasse ali dentro.

Altaneiro, como quase todos os castelos medievais portugueses, o Castelo de Marvão define-se a partir da forma como se impõe cenograficamente em toda a região. As suas paredes ancestrais, desenhadas de forma sublime ao longo de várias gerações de gentes que delas dependeram para defender a sua própria vida, gemem ainda os ecos antigos do imenso sofrimento a que já assistiram. E rejubilam também, por vezes de forma um pouco incauta, perante as recordações extraordinárias que vitórias que em virtude delas ali foram conseguidas.

 

 

Todo o espaço está prenhe de significado. Todos os detalhes denotam de forma muito firme a Identidade de Portugal!

A Vila de Marvão no Alentejo

João Aníbal Henriques, 20.12.23

 

 

por João Aníbal Henriques

Quando se entra em Marvão, depois da subida de 862 metros da Serra ancestralmente designada como Hermínios Menores, em contraponto com a Serra da Estrela, que se vislumbra no horizonte e que se chamava Hermínios Maiores, os sentidos ficam impregnados de uma singela sensação de deslumbramento.

As ruelas, marcadas pelo desenho ancestral da sua origem árabe, serpenteiam através da orografia do território, compondo um cenário idílico que nos transporta de imediato para outras eras e para outros tempos. As fachadas das casas, fazendo contrastar a brancura da cal com as cores fortes e duras do granítico, apresentam-se majestosas, ostentando orgulhosamente os seus ferros forjados e as cantarias góticas que denotam a importância e relevância que o burgo já teve ao longo da sua história.

 

 

Construída provavelmente sobre os restos de um assentamento castrejo ainda pré-histórico, basicamente porque a sua localização elevada e estrategicamente disposta de forma a prever eventuais ataques inimigos e a defender a população e as suas riquezas minerais assim o determinou desde o dealbar dos tempos, Marvão foi inicialmente um burgo romano. Naquele lugar, por onde se cruzavam importantes rotas viárias essenciais para a sobrevivência e para a pujança do império, confluíam interesses diversos que definiram a necessidade de povoar o local e de promover condições de atractividade para todos aqueles que por ali viviam cumprindo as suas obrigações sociais.

Será dessa época o desenho inicial da sua estrutura edificada que, aproveitando as características naturais do povoado, define um perímetro protegido de ataques e de perigos e, dessa maneira, promovendo a segurança necessária ao estabelecimento de comunidades humanas que escolheram o local para edificar as suas habitações. A sua forma alongada, prolongando artificialmente até ao castelo a orografia natural do território, controla visualmente uma vasta região que vai até à já mencionada Serra da Estrela, num plaino abrangente que lhe confere características únicas de habitabilidade no contexto de então.

 

 

Durante a ocupação árabe, depois do Século VIII, Marvão ganha a configuração definitiva que hoje lhe conhecemos. Até porque a sua importância estratégica e militar, numa lógica de aculturação que os ocupantes africanos consigo trouxeram e que aplicaram na generalidade das terras conquistas na Península Ibérica, exigia que um ponto tão relevante como este fosse devidamente cuidada, ocupada e defendida.

Terá sido encarregue de tal desiderato o importante chefe muçulmano de Coimbra Ibn Meruam que ali se instalou e se encarregou de adaptar o espaço às necessidades de defesa destes novos tempos. Terá sido, aliás, a deturpação do seu próprio nome que definiu o próprio topónimo da localidade. Meruam que evoluiu para Mervam depois da reconquista cristã e, por fim, a palavra Marvão que hoje conhecemos.

 


Integrada no novo Reino de Portugal desde 1166, ainda durante o reinado de Dom Afonso Henriques, Marvão depressa assumiu a sua importância enquanto guardiã da fronteira e dos ataques vindos do actual território de Espanha. E, precisamente nessa perspectiva, recebe em 1226 a sua primeira Carta de Foral que lhe foi conferida pelo Rei Dom Sancho II. Mais tarde, já por decisão do Rei Dom Dinis em 1299, vê a sua velha estrutura defensiva intervencionada e transformada num verdadeiro castelo capaz de desempenhar as suas importantes funções no contexto bélico que caracterizava aqueles tempos.

Em 1512, quando o Rei Dom Manuel lhe confirma a sua Carta de Foral, já Marvão era um importante e influente centro administrativo, dotado da capacidade de contribuir de forma evidente para o reforço da própria capacidade autonómica de Portugal.

 

A pacificação da fronteira, sentida durante essa época, terá porventura sido decisiva na perda da importância estratégica de Marvão nos anos subsequentes. E, por esse motivo, assiste-se a uma fuga da população para as vilas e aldeias existentes no sopé da serra, mais abrigadas das agruras do clima e com uma acessibilidade melhorada para motivarem o comércio e os transportes. A situação tornou-se de tal forma dramática que ainda no Século XVI se estabelece um Couto dos Homiziados como forma de motivar a instalação de nova população.

De acordo com essa legislação, que perdurou até 1790, a instalação em Marvão libertava os moradores que ali se fixassem de acções judiciais de que tivessem sido vítimas por crimes que tivessem cometido anteriormente… E a limpeza do cadastro criminal foi motivo para a instalação de muita gente!

 

 

Digna de nota especial, por entre o extraordinário conjunto de monumentos religiosos que a povoação apresente, é a Capela de Nossa Senhora da Estrela, construída fora de portas e abrigada no seio de um convento do Século XV.

Reza a lenda que por ali se venerava desde o tempo dos Visigodos uma imagem de Nossa Senhora trazida pelos povos Hermínios desde a longínqua Serra da Estrela. E depois da Batalha de Guadalupe, onde sanguinariamente o Rei Godo Rodrigo foi derrotado pelos mouros, de forma a proteger a imagem de ultrajes que viessem a ser perpetrados pelos infiéis, foi a mesma escondida no meio das penedias que envolvem Marvão onde ficou até se lhe perder por completo o rasto ao longo de três séculos.

Quando da Reconquista Cristã, numa noite cálida do verão alentejano, um pastor que por ali circulava com o seu rebanho terá sido deslumbrando com uma estrela com uma fortíssima luz que o foi guiando até ao esconderijo onde se guardava a imagem. E, redescoberta, foi construída a capela e encetado um culto muito significante que é parte essencial da devoção identitária do povo de Marvão.

El-Rei Dom Sebastião: O Desejado de Portugal

João Aníbal Henriques, 20.01.20
 
 
 
 
Cumprem-se hoje 466 desde o nascimento de Dom Sebastião de Portugal. O Desejado de Alcácer Quibir, que carrega consigo o fado maior que explica o fado de Portugal, transcende largamente o homem que foi Rei, pois enquadra, contextualiza e explica muito daquilo que é a essência mais profunda de Portugal. 466 anos depois do seu nascimento, urge celebrar o Desejado, porque nele subsistem, mesmo tantas agruras depois do seu misterioso desaparecimento, as esperanças maiores de um País inteiramente inquietante.
 
 
por João Aníbal Henriques
 
 
El-Rei Dom Sebastião, filho do Príncipe Dom João e neto d’El Rei Dom João III, nasceu num dos mais conturbados e controversos momento dinásticos de Portugal. A morte dos vários filhos do Rei e a inexistência de descendência por parte dos que sobreviveram, condicionou de tal maneira as possibilidade de sucessão no trono que, até ao nascimento de Dom Sebastião, a única possibilidade viável seria a da entrega do trono à Princesa D. Maria Manuela que, por força das contrariedades, sendo casada com o Rei D. Filipe II de Espanha, naturalmente representaria a entrega da independência de Portugal ao nosso vizinho do lado.
 
Dom Sebastião foi assim, mesmo antes do seu nascimento, o Rei desejado, aquele no qual Portugal inteiro depositava as suas esperanças e do qual se esperava a restauração do esplendor perdido de um País que ainda pouco tempos antes havia conseguido mudar o Mundo e enriquecer de forma desmesurada.
 
E as contrariedades, agravadas por ser ele filho único de um pai que faleceu dias antes do seu nascimento, originando um movimento fervoroso de misticismo em torno do seu bom parto, aumentaram ainda mais quando morreu igualmente o seu avô, El-Rei Dom João III, quando o novo príncipe tinha apenas três anos de idade.
 
Terá sido, aliás, este clima de super-protecção e quase endeusamento, que terá conferido ao príncipe o seu conhecido e reconhecido mau feitio e uma soberba sem igual. Rezam as história da História, numa crónica prenhe de detalhes, que Dom Sebastião era uma figura de muito difícil trato. Não recebia ninguém, não se permitia dar ouvidos a nada e decidia tudo a seu bel-prazer do alto do seu pedestal sagrado, numa atitude de autismo profundo que condicionada de forma grave a sua noção do Mundo e de tudo aquilo que o rodeava.
 
Depois de um período sem grandes histórias, que correspondeu à sua infância e às regências da sua avó Catarina da Áustria e do seu tio-avô o Cardeal Dom Henrique, Dom Sebastião subiu ao trono quando atingiu os quatorze anos de idade, numa cerimónia lendariamente marcada pela intervenção do matemático Pedro Nunes, de Alcácer do Sal, que alegadamente terá tentado adiar este acto por ter visto nos astros que a data  lhe era aziaga…
 
Os dez anos que durou o reinado foram marcados por um declínio paulatino de Portugal. O Rei, muito condicionado pela sua visão distorcida da vida e do Mundo, sonhou quimericamente com os grandes feitos das conquistas de outros tempos e a sua faceta religiosa, possivelmente resultante da pressão sofrida durante toda a sua infância, impunham-lhe a determinação de se transformar num novo cruzado. Extemporâneo e teimoso, dedicou a grande maior do seu tempo a rezar e a preparar uma incursão gloriosa no Norte de África, arrastando consigo, até porque a Corte não ousava contrariá-lo, as riquezas e o prestígio que ainda restavam ao País que ele governava.
 
Da sua privada resta também muito pouco. Tímido e introvertido, características que agravava com uma soberba sem igual, El Rei Dom Sebastião abominava as mulheres que considerava sempre serem a personificação do diabo. E, nessa luta contra a natureza e contra si próprio, agravava a componente mística da sua personalidade, mergulhando num cenário de irrealidade que o impediu de aceitar as normais rotinas de casamento e, por consequência, a descendência pela qual todo o povo ansiava.
 
 
 
 
A quimera africana, em linha com a megalomania egocêntrica que caracterizou todo o seu reinado, culminou, como todos sabem, na fatídica batalha de Alcácer Quibir que dizimou quase por completo a aristocracia de Portugal e deixou órfão o País inteiro. Ninguém viu morrer Dom Sebastião às mãos dos mouros naquela peleja. Até porque, sendo nobres os que foram e nobres igualmente os poucos que conseguiram regressar, parecia mal e era imoral deixar morrer o Rei sem por ele morrer primeiro… e por isso ninguém viu, ninguém soube nem ninguém sabe o que aconteceu ao jovem, inquieto e perdulário Rei de Portugal.
 
O Dom Sebastião que hoje recordamos não é exactamente aquele que nasceu há 466 anos, nem tão pouco o que pereceu de forma inglória no Norte de África. Por detrás desta figura, literalmente encoberto pelo nevoeiro de muitas eras e desfigurado pelo mais iniciático mito da Portugalidade, está o Quinto Império de Portugal, aquela ideia inconcreta do que há-de vir e que se afigurará num esplendor total para gáudio de todos e para glória da Nação.
 
O império salvífico que assim se esconde, conhecido de uns poucos, ansiado por outros tantos e pressentido por todos, não se traduz por palavras nem se concretiza na matéria vil do desencanto. É um sonho, que como tal comanda a vida e que, no caso concreto de Dom Sebastião, se traduz numa demanda geracional e secular por algo de bom que nunca chega mas que se sabe que está ali mesmo, escondida de forma harmoniosa por detrás da cortina de nevoeiro que nos envolve a Alma.
 
Esta é a Alma de Portugal. Esta é a demanda do Graal que corporiza a Lusitânia gloriosa que tantos sonharam. Este é a Via Verdadeira em direcção ao reinado pleno de quem conhece o segredo primordial…
 
Diz-se em Sintra que “quem nasce em Portugal é por missão ou por castigo”, e que mais importante do que o que temos ou fazemos, o que somos é que define a diferença entre o bem e o mal.
 
Dom Sebastião não existe. E apesar de ter nascido naquela madrugada fria de um Janeiro qualquer, perdeu-se na História e deu corpo a uma história que é a maior de Portugal.
 
Paz à sua Alma!

 

Montemor-o-Velho e a Igreja de Santa Maria da Alcáçova

João Aníbal Henriques, 10.11.19

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Montemor significa que é o monte maior… aquele que emerge da paisagem e se impõe perante quem passa. É simultaneamente um lugar visível, pela sua dimensão, e a partir do qual tudo se vê nas redondezas, sublinhando a sua importância estratégica na defesa daquele que ali vivem o quotidiano. Montemor-o-Velho, por ter sido um dos primeiros bastiões na defesa do recém-nascido Portugal, tem uma História extraordinária e um conjunto de histórias que não deixam ninguém indiferente. É porventura a pérola maior na consolidação da Portugalidade!
 
 
Fundado oficialmente algures em meados do Século IX, basicamente porque existem provas documentais da sua conquista em 848 pelo Rei Asturiano Ramiro I, o Castelo de Montemor-o-Velho foi sempre um dos mais importantes espaços na definição estratégica da ocupação humana do território onde se insere.
 
 
 
 
A elevação natural, conferindo potencialidades únicas ao nível da defesa contra-ataques inimigos, fez convergir para ali muitas comunidades humanas, possivelmente desde que os primeiros Seres Humanos ali se instalaram nos rocambolescos tempos do Paleolítico Superior. Os vestígios que ficaram dessas ocupações remotas, provavelmente sem construções de carácter permanente como acontece com o actual castelo, foram-se esbatendo paulatinamente à medida em que outras comunidades e outras civilizações foram ocupando o espaço e nele deixando a impressão perene da sua forma de ser e de viver.
 
Antes da Cristandade que dará forma a Portugal, também os Romanos, os Visigodos e os Muçulmanos fizeram desde monte maior a sua casa, ali construindo (e também sucessivamente destruindo os vestígios dos que os antecederam) os seus aglomerados habitacionais.
 
Com uma História que se confunde com o desenvolvimento da metalurgia em terra da Beira Alta, porque metais como o estanho eram extraídos da terra e transportados para a capital através das águas nem sempre serenas do Rio Mondego, o Castelo de Montemor-o-Velho foi sempre peça-chave na defesa de quem ali passava, cadinho de conforto e refúgio transitório para quem deambulava por aquelas terras em épocas de grande agitação e nenhuma segurança.
 
Um dos momentos mais impactantes da sua longa História prende-se com a sua conquista por parte de Almançor. Ainda antes do arranque do novo milénio, quando D. Urraca se entretinha a redefinir as estruturas de defesa Cristãs da Linha do Mondego, o chefe muçulmano conquista a fortaleza e altera de forma radical a sua estrutura de implantação no espaço, reformatando a sua lógica de defesa e preparando-a para uma ocupação longa e profícua por parte da direcção Islâmica. E, até 1006, quando Mendo Luz a reconquistou para a Cristandade, assim se manteve Montemor-o-Velho e o seu velho paço real, coadjuvados em termos espirituais por uma vetusta mesquita que terá ocupado o espaço que hoje é sensivelmente o mesmo da Igreja da Alcáçova.
 
 
 
 
O Templo, com invocação de Nossa Senhora da Assunção, refulge com a pujança que lhe foi atribuída por D. Jorge d’Almeida no Século XVI, conferindo-lhe a face renascentista que ainda agora apresenta. A estatuária, decalcando simbolicamente o antigo espaço da mesquita muçulmana, assenta numa curiosa figura da Senhora do Ó, marcada com o sinal perene do sangue, numa invocação extraordinária das histórias maiores que deram corpo às vicissitudes maiores da História da localidade…
 
 
 
Reza a lenda que algures no Século IX, o contingente militar Cristão que defendia o espaço foi atacado por um poderoso exército muçulmano que, com uma grande superioridade militar, não deu aos defensores qualquer possibilidade de sobrevivência. E estes, denotando um desespero imenso, tomaram a decisão de degolar todos os Cristãos que ali habitavam, inclusivamente os seus familiares, numa tentativa de evitar que os mesmos fossem literalmente chacinados e sodomizados pelos muçulmanos. Mas, com a força redobrada pelo misterioso martírio, e também possivelmente porque já nada tinham a perder, acabaram por ser eles próprios a atacar os muçulmanos e o seu ensejo foi tal que surpreendentemente ganharam a peleja e desbarataram os invasores. E quando regressaram da batalha, terão sido eles próprios surpreendidos com a recepção que lhes foi feita pelos compatriotas mortos que, mercê de um milagre divino, terão sido libertados dos esteios da morte e ressuscitado para agradecer ao contingente…
 
Independentemente da veracidade da lenda, em linha com muitas outras que corporizam de forma quase mágica o nascimento de Portugal, o certo é que o Castelo de Montemor-o-Velho e a sua velha capela, depressa se tornaram num eixo estruturante e fundamental para a afirmação da reconquista Cristã, tendo sido palco, ao longo das décadas seguintes, de grande parte dos mais importantes episódios da História Nacional.
 
Terá sido aqui, no dealbar de 1355, que Dom Afonso IV se reuniu com os seus conselheiros e decidiu a morte de Inês de Castro, num episódio que manchou com o sangue da pobre mulher a longa História deste local.
 
 
 
 
E terá sido também aqui que, já no Século XIX, as tropas francesas se aquartelaram aquando das invasões napoleónicas, que com a derrota sofrida infligiram importantes perdas à localidade e ao seu património histórico-cultural, acentuando de forma muito evidente a perda da sua importância estratégica e encetando um período de declínio que se arrastou durante muitos anos.
 
Independentemente de tudo isso, e até de algum desleixo que Montemor-o-Velho conheceu depois da extinção das Ordens Religiosas, cada cantos e recanto desta localidade denota o fulgor da sua História. E as pedras das suas paredes, muitas delas para ali transportadas há mais do que um milénio, carregam consigo as memórias fortes de episódios que são basilares para a compreensão do que é Portugal e da importância enorme que a Identidade Nacional tem para o futuro de todos os Portugueses.
 
 
 
A sua linha de afirmação religiosa (não é possível esquecer que este castelo foi propriedade essencial no domínio Templário do centro de Portugal) surge aqui de forma quase inusitada nos interstícios das suas lendas e histórias. E a Senhora da Assunção que ali se venera, num apelo inclemente às agruras da vida em antagonismo à plenitude do Céu, representa Ela própria um caminho de ascenção que este espaço soube fornecer.
 
Assumido Altar na triangulação que a reconquista impôs entre Coimbra, Lisboa e Santarém, é aqui que se centram as decisões estrategicamente essenciais para a afirmação de Portugal. E a partir deste espaço, bem implantado na companhia das águas cálidas do Mondego, se organizam quase todas as actividades que vão permitir à Cristandade a continuidade do esforço de reconquista e, em última instância, a actual configuração de Portugal.
 
 
 
 
Conhecer Montemor-o-Velho, o seu ancestral castelo e a Igreja de Santa Maria da Alcáçova é, por isso, essencial para quem pretender conhecer – e compreender – Portugal. Visita obrigatória.
 

 

Castelo Rodrigo – Memórias Urbanas da Nossa História

João Aníbal Henriques, 06.11.19

 

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
 
Beira Alta rima com pedra. Os aglomerados gigantescos de granito que cobrem as encostas das serras e que dão forma às ruas, aos monumentos e às casas, corporizando um cenário virtualmente dantesco e prenhe de beleza, no qual as forças telúricas se pressentem em cada detalhe, são aqui causa e consequência da própria história. E se os vestígios da acção do homem conspiram entre si para ganhar o ensejo da eternidade, as eras e os tempos impõem-se como causa maior de um destino que o vento carrega consigo e nos deixa impunes perante a nossa natural ineficiência. É isto que acontece em Castelo Rodrigo, onde em cada recanto da calçada ainda ecoam os passos dos nossos avós.
 
 
Castelo Rodrigo é uma povoação mais antiga do que a própria História. Quando, no Século XII, se formava o Portugal Moderno, já esta localidade expunha milhares de anos de História, num exercício cíclico em que a passagem dos séculos e das eras se perpectuava no tempo.
 
As suas origens, muito provavelmente contemporâneas do próprio surgimento do Homem na Terra, estão atestadas documentalmente a partir do período Paleolítico, uma vez que nas suas imediações, provavelmente aproveitando as características morfológicas do espaço, existem diversos vestígios de pinturas rupestres datadas dessa época.
 
 
 
 
Composta por sociedades de caça-recolecção, nas quais o território era mero cenário no qual se desenvolvia tudo aquilo que era necessário fazer para garantir a sobrevivência, a zona onde actualmente se localiza Castelo Rodrigo dispunha de meios únicos em termos de fauna e flora para sustentar de forma coerente e suficiente os pequenos grupos humanos que então existiam. E eles, materializando em pedra e nos demais materiais que lhes eram propiciados pela natureza as mais profundas essências dos seus sonhos, não se coibiram de transpor para a eternidade os posicionamentos fortes que já então tinham e a força básica dos seus pensamentos.
 
Daí por diante, à medida em que se aperfeiçoavam as técnicas e em que o acumular da experiência impunha novos destinos ao próprio destino, o caminho fez-se através do aprofundar desta linear relação de dependência entre o homem e o espaço. E nesta altura, com a bitola paulatina da sobrevivência sempre presente, surgem as primeiras necessidades de adaptação da natureza para responder melhor às cada vez maiores necessidades específicas que as comunidades iam apresentando.
 
 
 
A linha de horizonte de Castelo Rodrigo vive por inteiro, provavelmente como mais nenhuma em Portugal, os altos e baixos da sua longuíssima História. E o recorte ambíguo da sua forte muralha, num plano de continuidade que nos transporta ao longo da sinuosidade dos velhos arruamentos até ao espaço do castelo, surge pontilhada pelas cores das casas, dos telhados e das cantarias estruturantes dos postigos e janelas.
 
A mistura de estilos, a profusão de cores e mesmo a imensa panóplia de características díspares que caracterizam a população fica desta forma a dever-se por um lado à longuíssima linha de tempo que acompanha a localidade e a sua História e, por outro, ao facto de a mesma ter sido construída e reconstruída em registos civilizacionais completamente diferente entre si.
 
 
 
 
Depois dos povoamentos ancestrais, dos quais nos chegaram os sinais artísticos deixados pelos nossos pré-históricos avoengos, estiveram naquela que é agora a localidade de Castelo Rodrigo os Túrdulos e os Romanos, antes de a mesma ter sido bastião da urbanidade muçulmana que antecedeu de forma imediata a recristianização nos primórdios da medievalidade Ibérica.
 
Nessa época, mercê das lutas de conquista e de reconquista, assistimos a um declínio enorme da antiga pujança de Castelo Rodrigo, visível na maior precariedade e na insegurança que resultava da sua estratégica situação no nóvel País acabado de nascer, condicionando assim a sensação de longevidade e de bem estar que são necessários a quem corajosamente investe os seus meios na construção e na reconstrução dos seus alojamentos.
 
Mercê da sua localização em plena rota da peregrinação Ibérica a Santiago de Compostela, conheceu novo alento a partir do renascimento com o reforço da sua oferta religiosa que, como é natural, significou um aumento da pujança económica do sítio, o enriquecimento eos seus principais habitantes e novo reforço das estruturas construídas então. É esse fenómeno que explica grande parte das estruturas renascentistas que por ali ainda se encontram, nomeadamente as muitas janelas extraordinárias que ostentam em si a magnificência de um País ele próprio pujante e muito empenhado em alargar as fronteiras do Mundo de então.
 
 
 
 
A Igreja Matriz de Castelo Rodrigo, construída no Século XIII, foi dedicada a Nossa Senhora de Rocamador, em linha com a sua entrega a uma Ordem de Frades Hospitalários que se dedicavam a ajudar os peregrinos que ali passavam em direcção a Compostela.
 
Muito interessante, até porque reforça a conflituosa identidade de castelo Rodrigo no seio do seu papel estruturante na definição da própria História de Portugal, é o antigo brasão da localidade com o seu escudo invertido e a inusitada disposição dos vários elementos que lhe dão forma. E a explicação, resultante de uma decisão Real tomada por Dom João I aquando da sua aclamação como Rei de Portugal, deriva do apoio que a povoação e os seus habitantes deram a Dona Beatriz, herdeira legítima da Coroa mas casada com o Rei de Castela, que definiu a grande crise dinástica de 1383-1385 e determinou o início da nova Dinastia de Aviz ao poder. Por castigo Real, as armas de Portugal eram ali ostentadas de pernas para o ar!
 
 
 
 
Castelo Rodrigo, depois da desgraça política que lhe aconteceu, instada também pelo declínio natural que toda a região conheceu em época mais recente, acabou definitivamente por perder a importância que sempre teve e viu-se desagrada em termos municipais com a construção de Figueira de Castelo Rodrigo uns quilómetros ao lado.
 
Ficou a pujança de um sítio único. Ficou a sua beleza sem igual… e a harmonia que dela emana como cadinho especial e único de toda a excelência que traduz a Identidade Nacional. A visita é obrigatória.
 

 

108º Aniversário do Regicídio

João Aníbal Henriques, 01.02.16

 

 
 
Cumprem-se hoje 108 anos desde o dia em que o Rei Dom Carlos e o Príncipe Herdeiro Dom Luís Filipe foram assassinados em Lisboa. No dia 1 de Fevereiro de 1908, pondo fim a mais de 750 de Monarquia e de História, a carbonária, braço armado da maçonaria e grupo de terrorista a soldo de interesses estrangeiros, disparou sobre a carruagem real quando o rei e a sua família atravessavam o Terreiro do Paço depois de uma viagem a Vila Viçosa. Com esse acto de terror, a organização terrorista impulsionou os laivos republicanos que tinham chegado a Portugal fruto dos tempos que então se viviam e das vicissitudes recentes que tinham afectado Portugal. Neste dia, para gáudio daqueles que colocavam os seus interesses à frente dos interesses do nosso país, iniciou-se um período negro na nossa história. Depois da coroação do Príncipe Dom Manuel e do turbilhão de golpes e de contra-golpes que visavam somente a destabilização do país, Portugal caminhou rapidamente para a república, encetando um período de intensa convulsão e de instabilidade permanente que se arrastou ao longo de mais de 20 anos.
 
 
 
 

 

Não tendo sido um rei perfeito, até porque o seu espírito humanista e a sua profundíssima cultura o transportavam rapidamente para um mundo onírico que era muito diferente daquele que se vivia em Portugal nessa época, Dom Carlos foi um dos mais marcantes monarcas de finais do Século XIX, tendo ajudado o país a modernizar-se e a ganhar as dinâmicas do novo século. Foi uma pena ter visto a sua vida ceifada de forma prematura, inconsequente e, sobretudo, injusta para Portugal e para os Portugueses. 
 
 

 

 

 

O Castelo de Montemor-o-Novo e a Vergonha de Portugal...

João Aníbal Henriques, 15.01.14
 
 
 
por João Aníbal Henriques
 
Ligado, de forma perene, às memórias de Vasco da Gama e à preparação da viagem marítima para a Índia, o Castelo de Montemor-o-Novo é um dos mais emblemáticos e maiores castelos de Portugal.
 
Situado no alto e um morro sobranceiro à planície alentejana, o castelo tem uma História antiga que provavelmente se perde nas brumas antigas da pré-História. Ali terá existido um castro que foi mais tarde romanizado, transformando-se então no centro de uma das mais importantes malhas viárias do império. Nele convergiam as Estradas de Évora e Mérida e, por outro lado, as que levavam a Olissippo e ao estuário do Rio Tejo, chamando-se nessa época Castrum Malianum. É esse facto, aliás, que explica o reforço do amuralhamento primitivo da cidade, reforçando a importância estratégica da sua localização.

 
 
 
O carácter de Montemor-o-Novo reforçou-se ainda nos inícios da Idade Média quando o território foi conquistado pelos Muçulmanos. É neste período que  a cidade conhece a presença de Almansor que, mais tarde, acabaria por ficar definitivamente marcado na toponímia do local, dando nome ao ribeiro que ainda hoje corre no local.

 
 
 
Em termos de desenvolvimento urbano, a importância de Montemor-o-Novo é bem patente no rápido e fulgurante aumento da população que, extravasando as muralhas do seu castelo, rapidamente de estende pelas colinas que o envolvem. Desde meados do Século XIX, com a pacificação do território e a progressiva degradação das condições de salubridade dentro das muralhas, foi a povoação medieval quase completamente abandonada em prol da afirmação da nova cidade extra-muros.
 
No seu regresso à Portugalidade, Montemor-o-Novo  foi reconquistado definitivamente pelo Rei Dom Sancho , em 1201, depois de Dom Afonso Henriques a ter reconquistado uma primeira vez em 1160. Trinta anos depois, em 1190, a cidade foi novamente tomada pelos Árabes que aí se mantiveram até à sua expulsão definitiva.
 
Para assegurar o seu repovoamento e defesa, o rei conquistador concedeu-lhe o primeiro Foral em 1203, documento esse que foi reconfirmado pelo Rei Dom Manuel I já no Século XVI (1503).
 
 
 
 
Palco de cortes por diversas vezes, foi em Montemor-o-Novo que o Rei Dom Manuel I tomou a decisão de enviar Vasco da Gama na sua viagem marítima até à Índia, sendo, por isso, aí que reside aquela que será porventura uma das decisões mais importantes para o devir histórico da própria humanidade. Como se diria mais tarde “de Montemor-o-Novo se mudou o Mundo e as suas gentes”…
 
Foi também em Montemor-o-Novo que nasceu São João de Deus (1495-1550), fundador da Ordem dos Hospitalários que ainda hoje se encontra espalhada por todo o Mundo.
 
 
 
 
Em termos de património, foi a cidade alvo de diversas campanhas de recuperação e actualização que, para além de alterarem de forma profunda a sua paisagem, acabaram por determinar o galopante estado de degradação que o terramoto de 1755 acabaria por acentuar.
 
Apesar disso, a Praça de Montemor-o-Novo resistiu ao ataque de Junot, durante as Invasões Francesas, tendo sido quartel-general das hostes liberais durante a Guerra Civil que opôs Portugueses contra Portugueses em pleno Século XIX.
 
Classificado como Monumento Nacional desde 1951, e apesar da sua extraordinária importância na percepção de Portugal e da sua História, o Castelo de Montemor-o-Novo continua num estado de degradação que é, de todo, incompatível com as potencialidades que apresenta.
 
 
 
 
Continuamente apresentado como palco de grandes campanhas de estudo e de intervenções arqueológicas, quase sempre acompanhadas de projectos para recuperação e musealização do espaço, o certo é que as muralhas continuam a apresentar um estado de ruína e de abandono que representam uma autêntica vergonha Nacional.
 


Dentro do recinto, e para além da recuperada Igreja de Santiago, faz dó visitar as ruínas do Paço Real, da Igreja de São João Baptista ou da Igreja de Santa Maria do Bispo… Uma verdadeira tristeza… 
 
 
 

Portugal e a História da Europa

João Aníbal Henriques, 27.12.13


A Europa é um continente em permanente ebulição. As transformações e a mudança, marcando o devir da História, alteram permanentemente a forma e os equilíbrios dos Estados, fazendo nascer e morrer Nações. É interessante ver este vídeo e perceber que num timeline longo como é aquele que traduz os dois últimos milénios, existe uma só Nação que permanece firme nas suas fronteiras e sobrevive, contra tudo o que seria expectável, aos desafios que as mudanças dos outros parecem querer obrigá-la a fazer. Chama-se Portugal e nasceu oficialmente assim em 1143.