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Espectro de Ódio no Gueto de Frankfurt

João Aníbal Henriques, 07.05.15

 

 

Num Mundo marcado pelos acontecimentos e pela história poucos são os locais que possuem um impacto de tal maneira forte que nos afecta desde o primeiro momento que deles nos acercamos. É o que acontece com o antigo gueto judaico de Frankfurt, na Alemanha, musealizado depois da II Guerra Mundial e recriando o espaço de ódio e de segregação racial que determinou a vida dos Judeus durante muitos séculos.
 
Indissociada da história da cidade de Frankfurt, os judeus alemães viveram apartados do resto da comunidade e literalmente fechados num espaço próprio desde praticamente o Século XIII. No final do Século XIX, durante um período de florescimento do poder dos judeus, o gueto foi parcialmente demolido, num espectro de degradação que foi imensamente agravado durante o período do III Reich.
 
Escavado arqueologicamente durante o processo de reconstrução de Frankfurt, o gueto judaico preserva os arruamentos estreitos e os becos e ruelas que davam forma aquele antro de segregação. Para além de algumas habitações, onde quase podemos sentir a forma como sobreviveram os judeus naquele diminuto espaço, podemos ainda ver dois mikvá, o local dos banhos rituais judaicos perdidos no acanhado espaço onde se processava a vida de toda aquela imensa comunidade e se pressentem o horror da doença e da falta de higiene que foi transversal a toda a história daquele espaço.


 
Durante o período de terror nazi, quando o gueto já mais não era do que um mero antro de criminalidade, muitos foram aqueles que morreram assassinados às mãos dos algozes do Reich simplesmente por caminharem pelo emaranhado de ruelas que dava forma aquele lugar tão especial.
 
Hoje, numa Alemanha ainda fustigada pelos fantasmas de duas guerras cruéis e substanciais onde abundam os sinais, as memórias e as ruínas das inconcebíveis atrocidades que terminaram há precisamente 70 anos, o gueto de Frankfurt é uma memória que subsiste por si própria e se sobrepõe à própria História da Alemanha. As suas paredes parecem gemer de uma dor que se foi perpetuando de geração em geração, dando forma a uma sobrevivência na qual o humanismo nunca esteve presente. 
 
Quando se comemora o fim da guerra, vale a pena visitar em silêncio o gueto de Frankfurt, Vale a pena ouvir os gemidos longínquos daqueles que ali nasceram, viveram e morreram ao longo dos séculos. Vale a pena ponderar sobre as razões que levaram a uma situação deste género. Vale a pena pensar como foi possível que tal tenha acontecido ainda há tão pouco tempo.







 

70 Anos do Horror no Campo de Extermínio de Mauthausen-Gosen

João Aníbal Henriques, 07.05.15

 

 
 
 
No rescaldo das comemorações dos 70 anos que se cumprem desde a derrota da Alemanha na II Guerra Mundial, importa relembrar o mal-conhecido campo de concentração de Mauthasen-Gusen, na Áustria, libertado no dia 7 de Maio de 1945. 
 
Criado ainda antes da eclosão oficial da guerra, quando em 1938 o Reich Alemão começou a enviar para ali alguns prisioneiros oriundos de Dachau, Mauthasen-Gusen era um campo de concentração vocacionado especialmente para o trabalho, tendo recebido prisioneiros de estatuto mais elevado oriundo dos países paulatinamente anexados pela Alemanha. 
 
Os trabalhos forçados que ali se desenvolviam, maioritariamente em pedreiras e minas que serviam para construir armamento, munições e aviões de guerra, provocaram mais e 300.000 mortos oriundos das mais cultas e socialmente mais relevantes classes sociais dos países ocupados. Na chacina, para além dos métodos atrozes usuais nos muitos campos de extermínio nazi espalhados um pouco por todo o território controlado pelos alemães, desempenharam papel de relevo a fome e a exaustão extremas, que levaram à morte um número impossível de determinar com exactidão de homens.
 
Desse grupo de prisioneiros fez parte o fotógrafo espanhol Francisco Boix que, tendo conseguido sobreviver ao martírio, conseguiu recuperar um conjunto muito explícito de fotografias que ilustram (e comprovam) o que ali se passou. 
 
Homens destituídos de toda a sua humanidade, com os ossos visíveis sob a pele diáfana e descoberta e carne, sempre nus e de olhar perdido perante o horror que viam consolidar-se ao seu lado. 
 
As imagens de Boix, mais tarde utilizadas como prova nos julgamentos de guerra que se sucederam ao armistício, são o cerne incontornável de um dos mais negros e terríveis acontecimentos de sempre na Europa. Para além das atrocidades cometidas e do regime de terror imposto pelo III Reich, foi um período de profunda desumanização que põe em causa milhares de anos de evolução e de civilidade. 
 
O ano de 1945 aconteceu há já setenta anos mas, na globalidade da nossa longa história, foi anteontem. Importa lembrar e relembrar, porque as imagens atrozes de Francisco Boix são a prova de que é fácil à humanidade resvalar para as trincheiras animalescas da barbárie. Demasiado rápido. Demasiado fácil.