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cascalenses

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A Ermida de Nossa Senhora do Pranto na Chamusca

João Aníbal Henriques, 12.09.16

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Se existe terra onde a tradição ribatejana impera, é na Chamusca que isso mais se sente. Localizada junto à margem do Rio Tejo, do qual depende de forma directa a vila tem uma história longa de velhas práticas agrícolas, nas quais o gado assume especial importância.
 
Talvez por isso, num contexto em que a importância da terra se impõe, a dicotomia é grande e concretiza-se na diferença marcante entre a arquitectura chã das suas habitações mais humildes e a opulência grandiosa das velhas casas senhoriais que davam guarita às famílias mais importantes ligadas à posse dos terrenos de cultivo existentes nas redondezas. A paisagem chamusquense é assim de casario branco em correnteza, dando lugar, aqui e li, ao surgimento das habitações veneráveis de uns quantos.
 
A dependência próxima do rio e dos ciclos agrícolas que derivam do mesmo, sente-se em cada esquina, até porque as margens do Tejo são factor de destaque na paisagem, sendo que o verde da primeira linha de água, indicando o carácter fértil daquele lugar, se mantém suficientemente afastado da localidade para precaver possíveis cheias quando as águas sobrem e galgam as margens saindo do leito.
 
 
 
 
Um dos mais bonitos monumentos da Chamusca, situado no topo de uma das colinas adjacentes, é a Ermida de Nossa Senhora do Pranto. Com uma vista única sobre a Vila da Chamusca e sobre a lezíria, a singela ermida integra-se na tipologia simples dos espaços rurais onde foi construída, integrando um conjunto em que se destaca um enorme cruzeiro calcário e um pequeno adro ladrilhado de onde é possível perceber bem a dinâmica histórica do local onde se insere.
 
Apesar de a sua origem remontar ao Século XVII, sendo dessa altura a capela de São José que a integra, o corpo principal é muito mais recente. Para além das obras de conservação e adaptação que foi sofrendo, e que lhe conferiram a imagem que hoje tem, a ermida foi ainda integrando elementos decorativos que possivelmente terão resultado de aproveitamentos oriundos de espaços análogos que eventualmente tenham desaparecido nas redondezas. É o caso do velho cruzeiro que está incrustado na sua parede, e que terá precedido, junto ao adro, o actualmente existente, alguns retábulos, bem como alguns dos maravilhosos painéis de azulejos que por dentro a revestem.
 
A Ermida do Pranto, numa devoção que conta com quase 200 anos de história, está intimamente ligada a um dos acontecimentos mais marcantes da História recente de Portugal: as invasões francesas. Reza a lenda que quando os exércitos napoleónicos chegaram ao Ribatejo, aquartelando-se na Golegã e preparando um assalto às terras da Chamusca, um conjunto de populares se refugiou na velhinha Capela de São José, no cimo do monte, para daí verem com mais cuidado o avanço das tropas na outra margem do rio. Apavorados com o que estava a acontecer, e em pranto por saberem quais seriam as consequências que iriam sofrer caso os Franceses chegassem à sua terra, os Chamusquenses terão rezado a Nossa Senhora e solicitado a sua intercessão para os salvar do desastre. Prometeram ainda, caso se salvassem deste acontecimento nefasto, a construção de uma nova capela em honra da Senhora do Pranto.
 
 
 
 
Como que por milagre, quando os Franceses se preparavam para atravessar o rio, as águas terão subido subitamente impedindo a travessia e salvado a Chamusca da mesma destruição que outras terras conheceram. Os Chamusquenses, gratos a Nossa Senhora, terão então remodelado a Capela de São José, construindo em seu torno a actual Ermida do Pranto!...
 
Ainda existe, guardada na sacristia da velha Capela de São José, uma das balas que os Franceses dispararam contra a Chamusca em desespero por não conseguirem chegar a ela durante a primeira invasão napoleónica a terras Portuguesas.
 

A Ponte Pênsil D. Maria II e a Tragédia das Barcas no Porto

João Aníbal Henriques, 08.09.16

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Quem chega à Ribeira do Porto deslumbra-se de imediato com o impacto extraordinário da paisagem. As duas margens, irmãs na forma como partilham as águas do rio mas apartadas por séculos de rivalidades recíprocas, compõem um cenário digno do melhor filme de Hollywood, no qual as cores e as texturas transmitem de forma muito evidente o peso enorme da suas história e a importância que a cidade invicta sempre teve na própria História de Portugal.
 
Mas junto à Ponte Dom Luís I, que se impõe na paisagem, existe um pequeno monumento que passa despercebido aos mais desatentos e que é marca indelével de outros tempos e de outras histórias. Tendo ficado como repositório de memória, importa recuperar aquilo que se sabe sobre a antiga Ponte Pênsil D. Maria II, cujos pilares sobrevivem com a velhinha casa do guarda, testemunhando por seu turno a enorme tragédia humana e política que configurou a chamada Ponte das Barcas que ela veio substituir.
 
 
 
Sendo a ligação entre as duas margens do Rio Douro uma preocupação constante e uma necessidade permanente ao longo dos séculos, muitas foram as tentativas de construção de pontes que permitissem fazer a passagem em segurança. Sobretudo desde o final do Século XVIII, quando o transporte das pipas de vinho do Porto se tornou numa actividade verdadeiramente lucrativa e importante, foram sendo construídas sucessivas, embora sempre muito frágeis, pontes de barcas a ligar as duas margens. Utilizando velhas barcaças já fora de uso, que eram ligadas entre si com correntes, os portistas de então criavam soluções que embora fossem pouco duradouras, eram mesmo assim mais acessíveis do que o transporte por barco através das águas do rio.
 
A última dessas Ponte das Barcas foi inaugurada em 15 de Agosto de 1806 com traço de Carlos Amarante e nela aconteceu uma das maiores tragédias da História de Portugal. Durante a Segunda Invasão Francesa, dirigida pelo Marechal Nicolas Soult, as tropas francesas ocuparam a cidade do Porto e chacinaram a população que, em pânico, acabou por tentar fugir através da ponte que atravessava o rio. A estrutura, muito frágil e desapropriada para aguentar o peso das cerca de 4000 pessoas que tentavam fugir, acabou por perecer, matando nas águas gélidas do Douro milhares de Portugueses.
 
A tragédia da Ponte das Barcas, marca indissociável da memória colectiva de Portugal e dos Portugueses, transmite em si própria o extremo desespero de um país verdadeiramente abalado pelas alterações políticas que caracterizaram o final do Século XVIII e o início do Século XIX, marginalizado numa Europa que se definia a partir do eixo Londres – Paris e fragilizado pelas sucessivas aventuras políticas em que se havia embrenhado. A morte daquelas 4000 pessoas, contrasta de forma evidente com a vitória de Portugal sobre o exército francês mas denota também a dependência quase eterna relativamente à Coroa Britânica…
 
 
 
A antiga Ponte das Barcas no Douro
 
 
Para substituir a Ponte das Barcas, e possivelmente para ajudar a esquecer a imensa tragédia que se havia abatido sobre a cidade, os poderes locais optam então pela construção de uma nova estrutura de carácter mais perene.
 
 
 
Com desenho do Engenheiro Stanislas Bigot, a nova ponte suspensa que ligava ambas as cidades do Porto e de Vila Nova de Gaia, foi ironicamente construída pela empresa francesa Claranges Lucotte & Cie., tendo sido inaugurada (sem pompa nem circunstância) em Fevereiro de 1843.

 

Antes de ser substituída, cerca de quarenta e cinco anos depois, pela nova Ponte Dom Luís, foi completamente desmontada, subsistindo somente os ditos pilares de suporte na margem do Porto, bem como a parede-mestra da antiga Casa do Guarda, que tinha como função principal a cobrança das portagens relativas à travessia.