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Comércio de Cascais – Encerrou a Agência Vitória de João Cabral da Silva no Largo Camões

João Aníbal Henriques, 31.03.25

 

por João Aníbal Henriques

Quando a Agência Vitória, a primeira imobiliária de Cascais, abriu portas, no já longínquo ano de 1956, já o edifício onde esteve instalada, no Largo Camões, estava desde há muito ligado à Família Cabral da Silva.

Adquirido no início dos anos 20 por João Cabral da Silva (1905-1966), o edifício setecentista albergou a antiga ourivesaria da família, que ocupava o piso térreo, tendo no primeiro andar, em regime de aluguer, uma sucursal da mítica Pastelaria Garrett.

 


A construção do edifício da Agência Vitória em 1956
 

João Cabral da Silva, nascido na Gândara do Além, em Carvide, Monte Real, veio para Cascais com cinco anos, por ter ficado órfão de forma inesperada. Criado por um tio paterno, o mítico Cabral “o Velho” que possuía estabelecimento comercial na Travessa Afonso Sanches, e que Pedro Falcão eternizou na sua obra memorial “Cascais Menino”, fez toda a sua vida na vila de Cascais, em conjunto com dois primos-direitos que o tratavam como irmão e com quem desenvolveu as naturais apetências comerciais que todos possuíam.

 

 
João Cabral da Silva e sua Mulher D. Celestina Moreira Cabral da Silva 

 

No início da Rua Direita, virada para o mesmo Largo Camões, João Cabral fundou a “Papelaria Cabral”, através da qual se tornou representante oficial das mais importantes marcas de canetas e de perfumes, ao mesmo tempo que, dando azo ao seu espírito empreendedor, inaugurou no primeiro piso do imóvel a primeira biblioteca pública de Cascais. Mais tarde, adquirindo o imóvel do Século XVII que existia na Rua Regimento Dezanove, ali instalou a sua primeira ourivesaria, vendendo e comprando outro, prata, pedras preciosas e relógios, numa paixão que se estendeu durante muitas décadas e que o filho herdou.

João Cabral da Silva foi ainda sócio fundador da Associação Comercial de Cascais e, dentro da estrutura da Igreja Católica, foi um dos principais impulsionadores e promotores das procissões e actos devocionais que aconteciam na vila. Para tal contribuiu de forma decisiva o facto de ter estado com a sua avó Guilhermina Cabral da Silva na Cova da iria, em Fátima, no dia 13 de Outubro de 1917, tendo assistido no próprio local ao “Milagre do Sol”. Esse evento, que o marcou de forma profunda e eterna, foi a razão principal da sua profunda Fé e devoção a Nossa Senhora de Fátima a quem dedicou inclusivamente a sua capela privativa, situada na casa “Serradinho da Eira”, na aldeia da Charneca. Através da Igreja, e sempre resguardado no recato que considerava essencial para que a caridade não se transformasse num instrumento de promoção social, apoiou discretamente dezenas de famílias pobres de Cascais, a quem assegurava a dignidade que defendia para toda a gente.

 

 João Cabral da Silva na Janela do 1º Andar da Tabacaria Cabral

 

Falecido na sua casa da Rua Direita no dia 13 de junho de 1966, o seu trabalho foi continuado pelo filho, João Moreira Cabral da Silva (1935-2024), que dirigiu a Agência Vitória desde o dia da sua inauguração e até ao dia da sua morte.

Casado com Maria Fernanda Veiga Henriques Cabral da Silva (1936-2023) e sem descendência, João Cabral da Silva foi um dos mais inovadores empresários do sector imobiliário. Empreendedor e visionário, foi capaz de transformar o legado do seu pai numa das mais prósperas casas comerciais da vila, para onde convergiam clientes provindos das mais variadas partes do mundo e que ali procuravam as casas onde viriam a morar.

 

 O Casal Maria Fernanda e João Cabral da Silva na Agência Vitória em 2023

 

A Agência Vitória, reconhecida internacionalmente pelos seus bons serviços e pela seriedade do seu trabalho, serviu algumas das mais proeminentes figuras da vida política, económica e cultural da Europa de meados do Século XX, chegando a ter uma carteira com mais de 500 imóveis disponíveis e perto de mil clientes (entre proprietários e inquilinos), geridos por Cabral da Silva que, com a sua mulher, liderava uma equipa com cerca de 20 colaboradores.

Os arrendamentos temporários, sobretudo durante o período estival, foram um dois pilares que sustentou o desenvolvimento e a afirmação do Turismo de Cascais durante várias décadas. E ao nível das vendas e dos arrendamentos de longa duração, inovou com a oferta de contratos relativos a imóveis completamente mobilados, que eram nessa altura um filão raro e muito difícil de encontrar em Portugal. Do seu portfolio faziam ainda parte uma parte substancial da oferta de imóveis comerciais na vila e no concelho de Cascais, sector que se afigurou de primeira importância para a consolidação da vocação turística municipal.

 

 
João Cabral da Silva e Manuela Araújo na Agência Vitória em 1956
 

Erudito e conservador, preservando os mesmos hábitos e costumes que haviam sido desenvolvidos durante a vida do pai, João Cabral da Silva foi figura marcante e incontornável do Cascais do Século XX. Durante e após o processo revolucionário, em 1974, manteve intocados os valores que sempre defendeu, preferindo pagar o preço dos seus princípios do que vergar-se à novidade que exigia dele posicionamentos mais modernos e liberalizantes. E até final do século, numa luta permanente da qual nunca pediu tréguas, conseguiu manter vivo o seu negócio e encontrar um registo de trabalho assente nesses valores de seriedade que permitiram à Agência Vitória manter a suas portas abertas e preservar uma parte substancial da sua carteiras de clientes, mesmo quando por toda a vila se multiplicavam os concorrentes que surgiam no mercado com  ofertas melhor adaptadas aos novos tempos que iam chegando.  

 
A Agência Vitória em pleno funcionamento nos anos 70 do Século XX

 

Já na sua velhice, debilitado por uma saúde frágil, manteve sempre abertas as portas da Agência Vitória, onde trabalhava diariamente até à véspera do seu falecimento na mesma casa da rua direita onde tinha nascido há 89 anos.

A Agência Vitória laborou ainda até final do ano, tendo encerrado definitivamente as suas portas no dia 30 de Setembro de 2024. Com o seu encerramento, fecha-se um ciclo longo e próspero do comércio de rua em Cascais, acompanhado infelizmente pelo igual encerramento da mítica Drogaria Costa, a Pastelaria Bijou, a Galera Modas, o Faraó e muitos outros estabelecimentos comerciais que durante muitas décadas ajudaram a definir o que era a Vila de Cascais.

A Agência Vitória no dia em que comemorava o seu 40º Aniversário em 1996

 

Ficam as memórias perenes e inultrapassáveis destes negócios históricos e, sobretudo, a lembrança das vidas dos empresários que lhes deram ensejo e forma. A todos eles se dedicam as palavras de gratidão pela forma como com as suas vidas ajudaram a fazer desta vila uma das mais extraordinárias terras de Portugal.

 

José Dias Valente e Helena Quina: uma Homenagem ao Futuro do Monte Estoril

João Aníbal Henriques, 23.09.24
 

 

por João Aníbal Henriques

Cruzaram-se os tempos na homenagem sentida que a Junta de Freguesia de Cascais-Estoril e a Câmara Municipal de Cascais fizeram ao Professor e Pedagogo José Dias Valente e à Pintora Maria Helena Quina em conjunto com a Associação dos Antigos Alunos do Colégio João de Deus.

O mote, sublinhado pelo Vice-Presidente da CMC, Nuno Piteira Lopes, no discurso que acompanhou o descerramento do retrato inaugurado na galeria de notáveis da freguesia, foi colocado nos tempos que hão-de vir, numa alusão apelo directo à importância que o exemplo de excelência dos que nos precederam neste espaço tem para a formação do nosso futuro comunitário.

 

 

O trabalho extraordinário de José Dias Valente na liderança do Colégio João de Deus, marcando sucessivas gerações e oferecendo a Portugal a oportunidade de singrar no futuro recuperando os principais valores da nossa identidade, foi perpectuado pelo traço e a sensibilidade de Maria Helena Quina, e será a partir de agora um marco identitário que ajudará reforçar a importância do seu legado para a formação educativa do Cascais que ainda queremos ter.  

É unânime junto dos antigos alunos a influência que o “Patrão”, como chamavam ao Director Dias Valente, teve nas suas vidas. E é comummente aceite por todos que a passagem pelo Colégio João de Deus marcou toda a comunidade educativa com um traço distintivo que se reconhece facilmente. O respeito e a responsabilidade que José Dias Valente cultivava junto dos seus, e que plasmava na prática pedagógica do seu João de Deus, acompanhava-se sempre de um apelo retumbante à criatividade, à resiliência, e à diferença que todos sabiam que era característica de todos aqueles que por ali passavam.

Nunca houve resignação no Colégio João de Deus. A comunidade educativa, seguindo o exemplo do seu carismático director, sempre se focou nas potencialidades dos seus alunos, reforçando as suas qualidades e utilizando-as como ferramentas para contornar os seus defeitos… fazendo, desta forma, gente forte, com o ímpeto da irreverência que marcou em definitivo as suas vidas e as daqueles que com eles se cruzaram nos caminhos sempre tortuosos das vidas de toda a gente.

 

 

Com esta homenagem, assume-se publicamente que o futuro desta terra terá de se formatar neste seu exemplo, recriando uma dinâmica comunitária onde todos e cada um são essenciais na definição de um futuro congruente.

As flores deixadas junto da sepultura de José Dias Valente simbolizam essa eternidade maior que acompanhou a sua vida, estabelecendo uma ponte entre o seu tempo e o futuro maior que acompanhará a próxima geração de Cascalenses.

Porque uma comunidade sã e responsável vive intensamente as suas origens e os seus alicerces. E a memória de José Dias Valente e Helena Quina é uma efectiva ponte pênsil que a singela homenagem da passada Sexta-feira veio estabelecer como compromisso de excelência para os nossos filhos e netos.