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A Quinta da Alagoa em Carcavelos (Cascais)

João Aníbal Henriques, 16.03.17

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Edificada dentro do parque municipal a que dá nome, a Quinta da Alagoa situa-se muito perto do centro da povoação de Carcavelos, no extremo Nascente do concelho de Cascais. Conjugando dois estilos arquitectónicos distintos, uma parte do século XVI e um palacete de finais do século XVIII, a Quinta da Alagoa pertenceu, até 1983, aos Morgados da Alagoa, à família do Eng.º D. Vasco Belmonte. Até essa altura, mercê da grande quantidade de vinha que possuía e da mata que envolvia quase toda a propriedade, foi um dos locais importantes da freguesia de Carcavelos, uma vez que era aí, mais do que em qualquer outro lugar, que se produzia o famoso Vinho de Carcavelos, que possuía projecção internacional e que serviu de base à criação de uma zona demarcada.
 
Na primeira metade da década de oitenta do Século XX, por necessidades várias, a família de Alagoa acorda com a Câmara Municipal de Cascais a cedência de todo o espaço. No protocolo assinado nessa época, previa-se a manutenção de toda a zona rural, bem como a utilização do palacete e antigo convento como espaço cultural, ao serviço da população de Carcavelos. Ainda nesse documento, foi estipulada a adaptação de uma parte imóvel para sede dos escuteiros locais.
 
 
 
 
Dessa data até 1986, não mais se ouviu falar da Quinta da Alagoa, sendo que, dois anos após a transacção, o antigo Jornal da Costa do Sol, em artigo publicado nas suas páginas, alerta as entidades competentes para o facto de numa dessas noites ter sido completamente destruído o recheio do imóvel, juntando mesmo uma fotografia do palacete, com portas e janelas abertas mas ainda com telhado. A então Câmara Municipal de Cascais, em resposta a tão categórico artigo, responde que não possuía verbas  para proceder a uma vigilância contínua ao local, pelo que, segundo a mesma entidade, a destruição que o Jornal da Costa do Sol  mostrava nas fotografias se ficava a dever a uma noite de vandalismo dos jovens locais!
 
 
 
 
Após a urbanização da quase totalidade do espaço envolvente, a Quinta da Alagoa foi sujeita ao mais completo desprezo que se prolongou ao longo de vários anos. Em 1990, uma vez mais, o mesmo Jornal da Costa do Sol publica novas fotografias do sítio. Nesta data, para além dos problemas já anteriormente mencionados, acrescenta-se o facto de ter desaparecido por completo o telhado do imóvel.
 
Com a aproximação das eleições autárquicas o assunto caiu no esquecimento, e a esperança de uma mudança assolou o coração dos habitantes das redondezas. No entanto, para desespero de todos, e embora existissem diversos projectos para o local, nada foi concretizado, e a Quinta da Alagoa continuou ao abandono…
 
 
 
 
Em Junho de 1994, inesperadamente, o então executivo da C.M.C. anuncia publicamente a assinatura de um protocolo com a E.I.A. - Ensino, Investigação e Administração, visando a construção neste local de uma universidade. O alto patrocínio do Presidente da República, bem como a brevidade do anúncio, um dia antes da assinatura do protocolo, veio levantar alguma celeuma, uma vez que um terreno público passaria a ser explorado por particulares. Por outro lado, os trâmites legais não foram completamente respeitados, como viria a ser confirmado pela Assembleia Municipal em 01. 06. 1994, que declara a aprovação do protocolo como ilegal, baseado no facto de este órgão não ter sido consultado antes da assinatura do mesmo, como estava previsto na lei. A Associação de Moradores da Quinta da Alagoa, que representava todos aqueles que compraram as suas casas nesse local com a condição de os terrenos da velha quinta se destinarem a uso público, também não foram consultados, tendo feito um abaixo-assinado para travar o projecto.
 
Neste ano de 2017, comemoram-se 27 anos desde este triste incidente e a Quinta da Alagoa, de forma surpreendente, mantém o estado de abandono e de ruína que a devastação dessa época lhe havia granjeado.
 
 
 

 

Sendo repositório privilegiado das memórias daquela localidade, nela se centrando os testemunhos ainda vivos da exploração outrora rendosa do afamado Vinho de Carcavelos, e sendo o palácio e antigo convento peças exemplares do Património Cascalense, será aceitável o que por ali se continua a passar? 

A Igreja de Nossa Senhora dos Remédios em Carcavelos

João Aníbal Henriques, 16.03.17

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
O orago de Nossa Senhora dos Remédios remete-nos para as memórias mais ancestrais da humanidade De facto, a Senhora que cura e cuida dos seus filhos, reminiscência simbólica das práticas de sociabilização que acompanham o nascimento do conceito de família, tem o seu apogeu nos primórdios do período Neolítico, quando os primeiros assentamentos humanos abandonam nomadismo e adoptam estilos de vida marcados pela sedentarização.
 
A Senhora dos Remédios, que o lendário Português associa directamente aos perigos e perseguições sofridas pelos primeiros Cristãos durante o descalabro que acompanhou a queda do Império Romano, é assim simultaneamente a histórica Mãe de Jesus e a figura épica da Senhora da Conceição, eixo primordial da Fé e da espiritualidade antiga naquele que é hoje o território de Portugal. A ligação estreita entre ambos os oragos, num displicente apelo à figura que centra em si a capacidade de apoiar o ser humano nesta sua aventura terrena, conjuga-se nas práticas Cristãs como repositório dos valores absolutos da bondade inequívoca e da entrega total à vontade de Deus, consubstanciado de forma completa no papel desempenhado por Nossa Senhora enquanto cadinho alquímico da transformação da divindade pura em carne e em sangue.
 
 
 
 
É, pois, o sofrimento geral que acompanha a vida humana neste recanto inóspito do fim-do-mundo romano, marcado pela angústia que resulta da dúvida sistemática em relação ao que o futuro nos reserva e à incerteza em relação à vontade de Deus, quem determina a devoção ancestral que liga a Senhora dos Remédios a Carcavelos, num pleito de harmonia profunda entre as vicissitudes próprias da antiga comunidade rural que subsistia neste local e os ventos mais recentes de um impulso regenerador e progressista que os tempos recentes vieram trazer. Remedia Nossa Senhora aqueles que são ais desafortunados…
 
A faceta saloia de Carcavelos, dependente em permanência da terra e das instáveis vontades da natureza, recria uma forma muito própria de viver a espiritualidade. Aqui, mais do que em qualquer outro local da periferia de Lisboa, sente-se no ar a dúvida permanente entre o valor da matéria e o bem geral da comunidade… Será isso, possivelmente, o que explica a decoração singela da Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, na qual a nave única se enche da policromia própria dos painéis azulejares do Século XVI, prescindindo da opulência vistosa dos dourados barrocos que algum tempo depois hão-de transformar-se na principal marca dos templos e das igrejas de Portugal.
 
 
 
 
Mas, se no Século XVI, foi a génese saloia e rural da actual Freguesia de Carcavelos, quem determinou a estrutura do templo, obviamente enquadrado naquilo que eram as práticas arquitectónicas comuns na sua época, a partir daí foram muitos os problemas que vieram a afectar a igreja, condicionando a sua formulação e até a própria implantação no espaço, naquele que é o coração da localidade.
 
De facto, pouco tempo depois da sua construção, a Igreja de Nossa Senhora dos Remédios foi bastante danificada pelo terramoto de 1755. E se, noutros lugares, a recupeação foi possível e decorreu de forma célere, em Carcavelos o processo foi moroso e difícil, em linha com a pobreza que nessa altura caracteriza aquele espaço. Ao longo do Século XVIII e, mais tarde, durante todo o Século XIX, a situação financeira da Igreja e da Paróquia de Carcavelos foi-se agravando, ao ponto de, por ocasião da implantação da república, a igreja ter sido encerrada por falta de recursos. E daí por diante, mercê da laicização progressiva da sociedade e das influências republicanas sentidas nesta zona Nascente do Concelho de Cascais, a situação foi-se agravando ainda mais, ao ponto de a igreja ter sido mesmo transformada numa escola depois de ter sido desmantelado e vendido todo o seu recheio.
 
Mas a devoção a Nossa Senhora dos Remédios, a senhora que ajuda quem dela mais precisa, acabou por ser determinante na história da própria localidade. Logo depois da implantação da república, é o administrador do Concelho de Cascais quem toa a iniciativa de defender o património da igreja, proibindo a retirada e a venda dos seus painéis de azulejo. E é também ele quem, ao proteger os bens daquele importante templo, recria as condições essenciais para que mais tarde se recupere a paróquia e o culto seja devolvido a Carcavelos.
 
 
 
 
Em termos iconográficos, como consequência da história associada à Ordem Hospitalar da Santíssima Trindade, que foi a principal responsável pelo orago de Nossa Senhora dos Remédios, a imagem devocional da igreja apresenta uma Nossa Senhora com o menino no braço esquerdo e uma bolsa de dinheiro na mão direita. Cumpria-se, assim, a ajuda da Virgem aos seus devotos, numa entrega de bens que suprem as necessidades mais prementes daqueles que a Ela apelam. E a Senhora dos Remédios, remedei-a assim os mais necessitados, num desapego perante a materialidade que é essencial no percurso espiritual daqueles que seguem o seu exemplo.
 
Será certamente este valor potencial que determina a amplitude devocional em Carcavelos. Dentro da igreja, venerados pelos paroquianos, existe uma outra imagem de Nossa Senhora, esta feita do Carmo, que complementa em termos simbólicos a força que emana no órgão principal. Nossa Senhora do Carmo, possivelmente denotando a relação com o Convento do Carmo existente desde o Século XVI em Cascais, apresenta-se com o escapulário próprio da ordem e representa a total entrega à vontade de Deus.
 
 
 
 

 

A visita à Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, em Carcavelos, é pois o sinónimo desta entrega absoluta à divindade. A singeleza da sua formulação estética, marcante do estilo chão que sempre caracterizou a via em Carcavelos, impõe-lhe uma beleza sem par. Vale a pena, desta maneira, passar os antigos portões de Carcavelos e visitar esta igreja tão especial.