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cascalenses

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Je Suis Hypocrite

João Aníbal Henriques, 16.01.15

 

 
 
 
 
por João Aníbal Henriques

 

Sendo inquestionável que a liberdade é um valor civilizacional e que qualquer ataque que contra ela seja perpetrado põe em causa o humanismo em que ainda vivemos, o vil ataque contra o semanário francês “Charlie Hebdo” desencadeou um conjunto absolutamente inusitado de reacções dando forma a um exercício de hipocrisia transversal que é inaceitável num mundo verdadeiramente democrático como aquele que defendemos.
 
Na manifestação solidária de Paris, como também noutras que se espalharam pelo mundo fora, líderes de vários países viraram costas às discordâncias e gritaram em uníssono que todos eram Charlie. De todos os continentes, com crenças diversificadas e religiões por vezes antagónicas, houve unanimidade na condenação ao terrorismo e ao que aconteceu na redacção do jornal francês.
 
Mas esqueceram-se hipocritamente de várias coisas essenciais. Esqueceram-se que a liberdade enquanto valor absoluto não pode sobrepor-se a outros valores que, como ela, são essenciais na corporização do mundo que queremos. Liberdade sem responsabilidade e sem respeito transforma-se desde logo numa arma terrível que uns tantos, à sua sombra, não deixarão de utilizar contra aqueles que pensam de maneira diferente. Liberdade sem conhecer, perceber e assumir as diferenças entre os homens, entre as suas crenças, entre os seus usos e costumes e entre o conjunto de valores que enformam a sua identidade, é um exercício totalitário que assenta no controle da vontade alheira. Liberdade sem transparência e honestidade, é um mero lençol que vai cobrindo os males que se fazem e impedindo a comunidade de os conhecer.
 
E no Sábado, na enorme manifestação e que encheu televisões e jornais no mundo inteiro, os líderes vieram de todo o lado e deram os braços para se solidarizarem com as vítimas do semanário francês. Mas esqueceram-se que, virando as costas aos pilares primordiais que sustentam a própria liberdade, estão com este seu acto hipócrita a distorcer a realidade e a impedir o mundo de progredir livremente.
 
Nestes últimos tempos têm sido infelizmente muitos e inaceitáveis os actos de violência contra a humanidade que têm vindo a acontecer. Por todo o Médio Oriente, na Palestina, em Israel, na Turquia, na Ucrânia, na Síria, no Paquistão, no Egipto e em muitos outros locais, houve terroristas que mataram gente a coberto da pretensa defesa da liberdade ou de um culto qualquer.
 
E que eco tiveram ou têm todas estas desgraças que estão acontecer? E que impacto vão ter na definição das políticas por esse mundo fora e de que forma vão ajudar a transformar a humanidade tal como a conhecemos? Nenhum. Praticamente!
 
E não tiveram porque em Paris se reuniram os líderes que confundiram religião com terrorismo. Porque em Paris todos deram os braços esquecendo e fazendo esquecer o que nos seus países continua a acontecer. Porque em  Paris todos se abstiveram (ou foram incapazes) de falar sobre o respeito, a responsabilidade e sobre o conjunto de princípios basilares do humanismo que eles próprios são incapazes de ter. Hipocrisia simplesmente…
 
 
Valeu-nos uma vez mais o Papa Francisco, líder dos Cristãos Católicos e que cada dia que passa se vai transformando progressivamente no fulcro que o mundo precisa de ter. Sem encenações, sem moralismos fajutas, sem medo de ferir susceptibilidades daqueles que dão os braços por valores que nem eles próprios têm coragem de verdadeiramente defender, foi livre ao explicar o que se passou no semanário “Charlie Hebdo”.
 
Não é de religião nem de liberdade de imprensa que se trata. Não se trata de Cristãos, Muçulmanos ou Judeus. Trata-se de bandidos que em Paris, como no Médio Oriente e nos espaços que atrás referimos, cometem crimes contra toda a humanidade de uma só vez.
 
Para que o mundo possa ser verdadeiramente livre, e todos possam viver acreditando naquilo que quiserem, é preciso acabar com hipocrisias como esta.

Pobres e Ricos na Escolha da Escola

João Aníbal Henriques, 12.02.14
 
 
por João Aníbal Henriques
 
Sendo uma das áreas prioritárias na definição daquilo que há-de ser o futuro do nosso País, a educação é, sempre, um dos mais polémicos e controversos dossiers para todos os governos e em todos os Países.
 
Talvez por isso, quarenta anos depois da revolução de 1974, continua por cumprir-se em Portugal o apelo à liberdade que a mudança política de então tanto defendeu. No nosso País, quatro décadas depois, ainda não foi possível reformular o nosso sistema educativo garantindo a todos os Portugueses o direito basilar de poderem escolher a educação que desejam para os seus filhos.
 
Poder-se-ia dizer que esta situação afecta de igual modo todos os Portugueses e que, por isso, todos estão igualmente desprovidos deste direito. Mas não é verdade.
 
Alguns Portugueses existem que, por terem meios para o fazer, podem dar-se ao luxo de utilizar esse seu direito, escolhendo a escola que acreditam ser a melhor para os seus filhos e pagando-a do seu bolso. Outros, infelizmente, por não terem meios para pagar uma escola privada, estão impedidos de escolher. Para estes, o Estado arroga-se ao direito de determinar a escola que os seus filhos terão de frequentar, como se soubesse qual é o cenário educativo mais conveniente para os filhos deles ou, pior ainda, como se eles não fossem capazes de escolher.
 
A situação, verdadeiramente dramática pela diferenciação que faz dos cidadãos, determina uma clivagem inadmissível entre ricos e pobres, recriando um sistema que impede a progressão social e o cumprimento da vontade dos Portugueses.
 
A Liberdade de Educação, que começa no direito de escolha da escola, mas que se estende ao direito de a escola – as escolas – poderem ser livres e autónomas na determinação da sua forma de funcionar e dos currículos que lhes parece pertinente desenvolver, é um direito básico da democracia. Dele depende a consciência crítica das próximas gerações e a consolidação da nossa própria cidadania.
 
Mercê dos enormes interesses e constrangimentos ideológicos que vicejam em Portugal, muitos tentam fazer crer que defender a liberdade de educação é defender interesses específicos que nada têm a ver com os interesses dos Portugueses. Mas esse é um exercício vil que põe em causa o futuro do nosso País.
 
Defender a liberdade de educação é defender os mais pobres e os mais desfavorecidos. É assegurar a todos os Portugueses o acesso a um direito fundamental. É acreditar que todos são capazes de decidir o seu futuro e de recriar os mecanismos necessários para o poderem fazer. É oferecer àqueles a quem a sorte menos favoreceu, os meios necessários para alterarem o seu destino e para, contribuindo para o reforço das potencialidades de Portugal, poderem tomar nas suas mãos as mais importantes decisões relativas ao futuro dos seus.
 

É, em suma, cumprir a democracia que está atrasada 40 anos, devolvendo a liberdade aos Portugueses.