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António Duarte d’Almeida Veiga – A Infinita Eternidade da Morte

João Aníbal Henriques, 01.10.24
 

 

por João Aníbal Henriques

Em meados do Século XIX, numa das suas inusitadas viagens pela Europa, o jurista e filósofo português António Duarte d’Almeida Veiga cruzou-se em Paris com Hippolyte Léon Denizard Rivail, ilustre pedagogo e professor francês bem conhecido do público em geral através do pseudónimo que utilizava para assinar as suas obras: Allan Kardec. Ficaram amigos.

Na sua obra de despedida, publicada em Benavente em 1928, António Veiga dedica à sua filha Maria Amélia aquilo a que chamou a “Lei dos Contrastes”, a súmula do seu pensamento filosófico numa ansiada necessidade de se convencer de que a eternidade e o infinito são expressão maior da vida verdadeira, ou seja, daquela que emana directamente de Deus. E, acima de tudo, que a eternidade (tempo) e o infinito (espaço) são efectivamente o contraste um do outro, marcando a dualidade necessária para nos permitir intuir a plenitude superior do Estado Perfeito, e concomitantemente da própria existência de Deus.

Queria encerrar a sua existência física com um legado de pensamento que perpectuasse as suas convicções espirituais e que comprovasse aos seus filhos que a sua partida não representaria o seu fim. Porque a morte não existe, senão aparentemente para contrastar a vida, e podermos reconhecer esta… era para ele um mero e puro descanso do “eu”.

Dizia ela à sua filha Maria Amélia: “a morte real só existe na ideia dos que ficam sobrevivendo. Os que morrem para estes, não morrem na realidade, antes, pelo contrário, revivem!”

António Duarte d’Almeida Veiga, meu bisavô paterno nasceu em Midões, nas Beiras, e morreu em Benavente, no Ribatejo. Foi jurista, notário, filósofo e escritor que, numa permanente ânsia de viver plenamente dedicou a sua vida a pensar, analisar e perceber a morte. Porque acreditava que só nela se poderia encontrar o sentido pleno da vida.

Quando se cumpre um século desde a sua morte, importa lembrá-lo e ao seu legado, até porque na linha das suas discussões espirituais com Allan Kardec, e tal como deixou escrito à sua filha Amélia: “Se soubermos convocar quem parte deste mundo infinito, eles nos provarão que existem sempre, plasmados na eternidade da qual todos fazemos parte”.

 

João Brandão - de Midões ao Limoeiro

João Aníbal Henriques, 20.01.22

 

 

por João Aníbal Henriques

Nos escolhos do tempo, perdidos nos interstícios que vão marcando as sucessivas eras, escondem-se histórias que certamente foram fadadas pelo destino. Insensíveis aos seus protagonistas e aos anseios que dão forma aqueles que as viveram, parecem ser vida com vida própria desenovelando um fio emaranhado que junta sem cerimónia os sonhos, as necessidades do dia-a-dia e os devaneios dos seus protagonistas.

Foi isso que aconteceu com o mítico João Brandão, o denominado “Terror das Beiras”, que em meados do Século XIX se transformou numa das mais extraordinárias lendas do provinciano Português. Em plena guerra civil, quando irmãos se viraram contra irmãos, João Victor da Silva Brandão nasceu em Midões, actual Concelho de Tábua, em março de 1825. Filho de Manuel Rodrigues Brandão, serralheiro de origens humildes, João Brandão depressa deu mostras de grande apetência pela vida pública e pelos interesses dos seus concidadãos.

Profundamente liberal nas suas convicções, marcadas pelo clima de guerrilha permanente em que nas Beiras se viveram as conturbações da guerra, Brandão precisou de ajuda para abrir os seus horizontes de vida e para almejar a influência política com a qual sempre sonhara. Sonhador, sempre enlevado pela ideia do belo, apaixonou-se por D. Ana Eugénia de Jesus Correia Nobre, filha dilecta de uma das muitas famílias aristocráticas que habitavam naquele recanto idílico de Portugal e portadora de um nível de riqueza que contrastava de forma evidente com os parcos recursos da família Brandão.

O seu padrinho político, D. Roque Ribeiro de Abranches Castello Branco, futuro Visconde de Midões, foi presença e desígnio permanente na sua vida, tendo-lhe legado de forma muito evidente o seu fervoroso apoio à causa liberal e aos tempos novos que eles acreditavam terem chegado a Portugal. Esta figura tutelar, que ajudará o jovem João Brandão a comunicar de forma próxima com os principais inspiradores do poder lisboeta, surge em linha com o enorme apoio que o seu pai, Manuel Brandão, dá à causa liberal durante o tempo da Guerra Civil. Com o regresso do Rei Dom Miguel depois da assinatura da Carta Constitucional, a Família Brandão pega em armas contra o absolutismo e dirige nas beiras um enorme movimento de contestação ao absolutismo professado pelo monarca.

Na espiral de violência em que cresceu, João Brandão pôs e dispôs das suas convicções não olhando a meios para garantir o cumprimento dos seus fins. E, se na liberalidade que se instalou em Portugal, tudo parecia acertar-se para fazer dele um dos maiores do reino, a incerteza dos muitos infortúnios que determinaram a criação de uma fama de bandido da qual não mais se conseguiu livrar.

Alvo de um processo movido contra si por muitos daqueles que com ele tinham trilhado os caminhos da vida, até porque no Portugal de então as voltas e reviravoltas políticas determinaram um regime caótico no qual o terror e o medo dominavam o dia-a-dia, João Brandão acabou preso, julgado e condenado pelo crime terrível do assassínio do Padre Portugal.

Sempre clamando pela sua inocência, Brandão esteve preso no Limoeiro, em Lisboa, de onde foi enviado para Angola, já em 1870, como desterrado, e onde morreu uma década mais tarde.

Figura polémica no seu tempo, João Brandão tornou-se uma figura problemática para a História. Porque, para além do ânimo arreigado que sempre demonstrou, e que o envolveu na aura lendária que o acompanha até hoje, foi também um homem de valores e de princípios que colocou à frente daqueles que são os valores basilares da sociedade de então.

João Brandão, o Bandido das Beiras, é santo para uns e bandido para outros. E hoje, 142 anos depois da sua morte, não é ainda possível clarificar de forma definitiva os reais contornos da sua vida política, nem a importância que ele efectivamente teve na sua área geográfica de influência.