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cascalenses

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A Igreja de Nossa Senhora da Graça em Santarém

João Aníbal Henriques, 20.01.22

 

 

por João Aníbal Henriques

 

Magnificamente implantada no coração da Cidade de Santarém, a Igreja de Nossa Senhora da Graça, comummente designada como Igreja de Santo Agostinho, é um dos mais importantes e impactantes monumentos religiosos do Ribatejo.

O edifício, originalmente construído no Século XIV, é um dos mais belos exemplares da arquitectura gótica em Portugal. Com as suas três naves, iluminadas de forma sublime por um conjunto de janelas em ogiva, apela de forma profunda à concepção mais iluminada de Deus, aqui entendido na inteira perfeição que os raios de luz projectam no espaço.

Na fachada principal, num misto de harmonia e profundidade cénica, o gótico flamejante relembra a audácia expressa igualmente em Santa Maria da Batalha, num cruzamento que sublinha a arcaria da porta com a enorme rosácea duplamente significante no estabelecimento de uma relação profunda com quem vê o monumento a partir da rua mas, sobretudo, para quem dele frui interiormente.

 

 

O espaço onde o edifício foi construído, simbolicamente relevante no contexto da geometria urbana da Cidade de Santarém, pertencia ao primeiro Conde de Ourém, D. João Afonso Telo de Meneses, e a sua mulher D. Guiomar de Vilalobos, que o doaram aos padres mendicantes de Santo Agostinho. Desta maneira, também com um cunho simbólico de relevo, se estabelece a relação entre a fina-flor da aristocracia escalabitana e a deambulante pregação dos frades que aqui se estabeleceram, multiplicando de forma exponencial o apelo à iluminação celestial e estabelecendo uma verdadeira escada de acesso ao céu.

Nesse prisma, é de primordial interesse a interpretação escatológica que deriva do monumento, assente na primeira concepção de um espaço que pretende salvar quem a ele acorre em busca de um laivo de esperança e discernimento…

A Igreja de Nossa Senhora da Graça, nesta vertente de eixo religioso do coração Ribatejano, evoca assim a função mais hermética da Igreja Católica Romana, que assume o apostolado como um desígnio sagrado e, dessa maneira, procura em permanência as estratégias mais céleres para alcançar o sucesso no cumprimento desse desiderato.

Caldeirão alquímico no sentido mais lato da forma que dele emerge, o espaço deste templo organiza-se à semelhança de um portal, orientando o fiel no seu caminho – sempre pessoal e em adoração a Deus – para o céu.

 

 

Aproveitada como panteão privativo da família Telo de Meneses, estando ali sepultados em túmulo duplo o casal de fundadores, a Igreja da Graça é ainda espaço de repouso eterno para Pedro Álvares Cabral, o assumido achador do Brasil.

Pela sua forma, pujança e qualidade histórica e artística, mas também pelo profundo simbolismo que carrega, a Igreja de Santa Maria da Graça, em Santarém, é motivo de grande interesse para todos os que se aventurem na árdua tarefa de conhecer e compreender Portugal.

Nossa Senhora da Guia em Cascais

João Aníbal Henriques, 07.12.16

 

 
por João Aníbal Henriques
 
As inconsistências do mar, profundamente enraizadas nos arquétipos primordiais da vida dos Cascalenses, marcaram de forma muito evidente o devir histórico da comunidade. Os desafios enormes que o mar carrega, seja para pescadores ou seja para as suas famílias, congregam em si a necessidade de recriar formas alternativas de o entender, de o perceber e de o controlar.
 
Os mitos marítimos, quase sempre presos de forma onírica aos principais pesadelos que flagelaram o dia-a-dia de Cascais, são parte integrante da Identidade Municipal, neles se compondo os alicerces da sua vivência simbólica e sagrada.
 
 
 
 
Nossa Senhora da Guia, situada num promontório localizado à saída de Cascais em direcção ao Guincho, foi sempre um dos pilares da expressão de Fé dos Cascalenses. Venerada desde tempos ancestrais, numa dinâmica de culto que dava destaque principal à peregrinação anual que para ali trazia milhares de forasteiros oriundos das mais diversas partes do País, a imagem da Senhora a Guia resulta necessariamente da existência prévia do farol e do registo traiçoeiro que o mar impõe naquele recanto natural.
 
De facto, as mais antigas notas históricas referentes a este lugar mencionam a existência de um farol nos rochedos situados à entrada de Cascais. É crível, desta maneira, que pelo menos desde o início da epopeia marítima Portuguesa, tivesse existido neste sítio um farol que garantisse segurança àqueles que navegavam por aquelas perigosas águas. Assim, a designação da Senhora da Guia, ou seja, da imagem que foi encontrada no local onde se estava o farol com o mesmo nome, terá resultado da apropriação geográfica da figura e não, como as Memórias Paroquiais do Século VIII deixa subentendido, ao contrário.
 
De qualquer maneira, são várias as lendas acerca do surgimento desta ermida e do culto à Senhora da Guia que proliferam no imaginário de Cascais. As mais antigas, relacionam-se com as figuras de Nossa Senhora que foram encontradas nas águas de Cascais. Quase sempre interpretadas como sendo da Senhora da Graça, foram veneradas pelo seu carácter miraculoso, atestado por diversos acontecimentos que se foram sucedendo no burgo piscatório de Cascais.
 
 
 
 
Frei Agostinho de Santa Maria, na sua obra “Santuário Mariano”, publicada em 1770, refere expressamente a origem ancestral do culto a Nossa Senhora da Guia neste local. No entanto, associa-o de forma directa à relação existente entre uma nascente de água que terá existido no local onde hoje se encontra a ermida, estabelecendo assim uma relação entre os mais antigos cultos de fertilidade que proliferaram durante a Pré-História do actual território Cascalense e a devoção mariana posteriormente estabelecida no mesmo local. Num exercício de sapiência que subjaz dos seus conhecimentos no âmbito da geometria sagrada, vai mesmo ao ponto de interpretar os sinais das pedras que existiam no espaço da fonte, para com base neles estabelecer de forma criteriosa a natureza primordial do ritual Cascalense: “Ao pé da rocha que fica na Praia de Cascais está uma fonte; e é constante tradição entre as pessoas daquela vila que nela apareceu a Senhora da Guia. E ainda querem comprovar esta tradição com uma pedra da mesma fonte, na qual se vê uma pegada, que dizem ser de Nossa Senhora, que por tal ainda hoje é venerada e lhe chamam a pegada de Nossa Senhora. E juntamente se vê também na mesma pedra uma coroa esculpida; se foi pela natureza, para que também esta manifesta que ela é a Rainha do Céu e da Terra, ou feita artificialmente se não sabe dizer nada. Esta é a tradição”.
 
 
 
 
Embora de âmbito cronológico mais tardia, uma segunda lenda marca de forma assaz curiosa a relação entre Nossa Senhora da Guia e Cascais. Como refere Ferreira de Andrade na monografia que publicou aquando da comemoração do sexto centenário da elevação de Cascais à condição de vila independente de Sintra, o principal factor motivador do incremento do culto devocional à Virgem da Guia, depois de nele se ter integrado a romagem anual promovida pelos comerciantes de Lisboa a partir do Século XVII, foi uma história acontecida com o antigo cirurgião-mor do Regimento de Cascais, José Gomes de Cenas, que em criança terá sido raptado da casa de seus pais na Vila de Cascais. Não se sabendo o que lhe aconteceu, o seu desaparecimento causou pânico e estupefacção na vila, tendo levantado todo o povo na busca do menino. Passados alguns dias, quando a esperança de o encontrar vivo já não existia, alguém terá ouvido gritos que vinham das profundezas da arriba na zona da Guia, ali tendo encontrado, depois de lá chegarem vindos por mar, o menino são e salvo que desesperadamente tentava sair. Questionado sobre o que tinha acontecido e como tinha ido possível sobreviver sem comida nem água durante tanto tempo, o menino terá respondido que foi transportado para aquele buraco por umas bruxas de Cascais que para ali o levaram voando. E quando à alimentação, disse simplesmente que diariamente uma senhora muito bonita lhe levava sopinhas de cravos para ele comer. Retirado do buraco e levado para a pequena ermida da Senhora a Guia, então já ali existente, a criança terá olhado para a imagem de Nossa Senhora e terá dito aos pais que tinha sido aquela a senhora que o tinha ajudado a sobreviver!
 
 
 
 
A partir desse momento, e até ao desastre provocado pelo terramoto de 1755, a Senhora da Guia viu crescer de forma desmesurada a devoção, facto que se traduziu numa romagem anual, na mesma época das comemorações do Espírito-Santo Cascalense, que levava à Guia milhares de peregrinos que chegavam de Lisboa e de Sintra.
 
A romagem, organizada pela Irmandade de Nossa Senhora da Guia, criada por iniciativa dos vereadores da Câmara Municipal de Lisboa que, em 1522 assinaram o compromisso da irmandade, integrava plenamente o simbolismo associado aos milagres que o agiológio mariano consagrava. Serão certamente dessa época, construídos para dar resposta à demanda que o lugar gerava junto de gente vinda de muito longe e de diversas partes de Portugal, os cómodos da hospedaria que envolvia a ermida. Existentes já em 1758, quando as Memórias Paroquiais a referem expressamente, a Hospedaria de Nossa Senhora da Guia ainda hoje pode ser vista adossada a Nascente do templo
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As cantarias manuelinas das suas portas, bem como sepultura de António Ribeiro da Fonseca, com data de 1577, que existe no seu interior, denotam origem mais antiga, deixando antever as várias campanhas de obras, de remodelações e de reconstruções de que foi alvo ao longo dos séculos.
 
 
 
 
Em 1810, quando finalmente terminaram as obras de recuperação da ermida e do farol depois dos estragos causados pelo terramoto, foi colocada sobre a porta principal um painel com as armas reais e a data em questão, que complementa, em termos decorativos, os magníficos painéis de azulejos existentes no seu interior. A “Adoração dos Pastores” e a “Adoração dos Reis Magos”, de origem indeterminada mas certamente muito anterior àquela que consta na dita pedra armoriada, compõe o espólio interno da ermida, numa expressão rebuscada que contrastava com a singeleza do local.
 
Perdida a devoção a partir do início do Século XX, quando a secularização da vida nacional determinada em termos políticos a partir da implantação da república a isso obrigou, a Ermida de Nossa Senhora a Guia foi perdendo importância na definição das tradições Cascalenses.
 
Apesar de tudo, é local inultrapassável numa visita a Cascais, até porque ali se sente ainda o perfume agregador da Fé mariana na definição identitária municipal.