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cascalenses

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A Igreja do Espírito-Santo ou da Misericórdia de Rio Maior

João Aníbal Henriques, 08.08.16

 

 
por João Aníbal Henriques
 
Solene e simples, quase perdida no intricado labirinto de ruelas que dão forma ao centro histórico da Cidade de Rio Maior, a Igreja da Misericórdia é um dos mais interessantes monumentos religiosos da região do Ribatejo.
 
Tendo como orago original a Assunção de Nossa Senhora, que terá adquirido já no Século XIX quando a antiga Igreja Matriz fica em ruínas e a Coroa a entrega à Irmandade da Misericórdia, era anteriormente dedicado ao Espírito-Santo, num repto de singeleza que é bem visível nos pormenores construtivos que lhe dão forma.
 
 
 
 
O culto do Espírito-Santo, expressão sagrada de primeira importância na definição dos mais profundos preceitos da irmandade Cristã, pressupõe práticas de abnegação e de entrega ao próximo que estão em linha com o facto de este templo ter sido inicialmente espaço de culto privativo do antigo hospital da localidade.
 
Por vicissitudes diversas, a maior parte das quais relacionadas com a grande dependência que as populações locais sempre tiveram relativamente à agricultura e aos ciclos da natureza, o carácter ecléctico deste templo foi-se adaptando ao ritmo de vida das comunidades locais, adoptando e perdendo sucessivamente muito do seu espólio decorativo.
 
 
 
 
 Para além de ter recebido, em consequência da ruína e da desafectação ao culto de outras igrejas da região, várias peças que outrora haviam estado nesses locais, como acontece com algumas imagens e alfaias religiosas, a Igreja da Misericórdia foi alvo de acrescentos inesperados que lhe dão um carácter de excepção no contexto local e que reforçam o seu interesse por parte de quem a visita.
 
No altar colateral direito, actualmente dedicado a Nossa Senhora de Fátima, é notória a adaptação que sofreu o nicho envolvente, no qual foi inserido um conjunto decorativo do qual sobressai a dedicatória ‘Avé Maria’, sobre uma moldura na qual assume especial importância o crescente lunar invertido. Normalmente associado a Nossa Senhora da Conceição, numa prática hermética que remete para uma cultualidade ancestral e certamente pré-Cristã desta área do actual território Português, tem por significado simbólico a destruição do mal aos pés da Senhora, sendo ela, na sua versão oriental, a Imperatriz que gere as ligações entre o Mundo onde vivemos e o céu. Neste caso específico, provavelmente desenquadrado em termos rituais, até porque a inovação da Senhora de Fátima é bastante recente, julga-se que a definição mais profunda da inovação da igreja venha a ser resultado do cruzamento entre o culto original ao Espírito-Santo e o milagre alquímico associado à figura da Rainha Santa Isabel que é, como se sabe, a rainha da misericórdia. Foi esta Rainha-Santa quem, aliás, desencadeou o processo de escolha da Nossa Senhora da Conceição como rainha e padroeira de Portugal, num processo que deu corpo à assumpção, bastante mais tarde, do dogma da Imaculada Conceição por parte da Igreja Católica.
 
 
 
 
Depois da construção da nova Igreja Matriz de Rio Maior, já na segunda metade do Século XX, a Igreja da Misericórdia volta a perder a dignidade de igreja primaz do concelho, facto que veio a alterar profundamente a dinâmica devocional da cidade. A nova igreja matriz recebeu como devoção a Senhora da Assunção, que até aí tinha estado neste espaço, e recebeu como orago precisamente a Rainha Santa Isabel.
 
De salientar no corpo da igreja o altar-mor em talha dourada de inspiração barroca, a bonita capela baptismal e a imagem da Rainha Santa, junto ao altar lateral onde está a imagem de Nossa Senhora da Misericórdia. Ara além da singela nave única, em linha com a planificação espacial típica deste tipo de templos e origem ruralizante, o coro alto, preparado para receber a irmandade, que impõe uma linha geral de sobriedade ao espaço.

As Aparições Marianas na Asseiceira (Rio Maior)

João Aníbal Henriques, 08.10.15

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Simplicidade, amor e oração, num apelo que chega de forma sublime e que se repercute sistematicamente pela comunidade, são as principais características transversais a todos os fenómenos relacionados com aparições marianas que acontecem em Portugal.
 
Tal como aconteceu em Fátima, na Fonte Santa, na Nazaré, em Coruche e em tantos outros cantos e recantos de Portugal, as aparições de Nossa Senhora que ocorreram na Asseiceira, concelho de Rio Maior, foram um fenómeno que assentou na figura de uma criança e que, com laivos quase pueris que são comuns às outras centenas de casos, foram posteriormente vistos e confirmados por dezenas de outras pessoas que acompanharam o vidente.
 
Sendo certo que existem fenómenos reais e que comprovadamente aconteceram, porque são muitos aqueles que os partilharam e que testemunharam a sua existência, é certo também que a sua descodificação é sempre um fenómeno de Fé que resvala para uma linha personalizada de relação com a religião e com o cosmos.
 
Nos casos portugueses, a Fé em Nossa Senhora, Mãe de Jesus e padroeira de Portugal, acompanha o país desde antes da formulação da nacionalidade, sendo possivelmente essa continuidade histórica que explica as explicações que são dadas sobre os fenómenos. Mas, sendo certo que é de Fé que se fala quando se discutem aparições marianas, o certo é que existem constantes que remetem para uma análise mais concreta que, nunca podendo ser científica, permitem perceber que é inquestionável o seu valor na definição dos valores e princípios sócio-identitários que dão forma à própria existência de Portugal.
 
 
 
 
A começar pela própria História. As aparições marianas em Portugal não são exclusivas de um determinado período ou contexto, nem tão pouco de uma determinada época de contornos bem definidos em termos económicos, políticos ou sociais. Pelo contrário. Atravessando os nossos quase 900 anos de História, as aparições de Nossa Senhora acontecem em vários locais e em vários tempos, adaptando-se obviamente aos contextos específicos nos quais ganham forma, mas sempre assentes em pressupostos que ultrapassam a esperança de vida daqueles que as vêem ou sequer as gerações às quais pertencem. É inquestionável, por isso, que as aparições não são um fenómeno que explica (ou ajuda a explicar) um momento histórico, nem tão pouco uma forma de vida determinada, antes respondendo de forma transversal aos arquétipos mais profundos da Portugalidade ao longo dos tempos.
 
Depois, de forma surpreendente pela diversidade de épocas e de locais em que acontecem, as semelhanças perante os fenómenos físicos que as acompanham. Raios de luz, alterações no Sol, vozes que somente alguns escutam e a pequenez das imagens que se vêem, são omni-presentes em quase todos os casos que se conhecem, deixando pistas que são quase referências em termos daquilo que se conhece. E se, pelo menos nalguns casos, é lícito pensar que os ditos videntes teriam acesso a histórias relacionadas com fenómenos idênticos que tentariam replicar no seu presente, na generalidade dos casos, a pureza pueril dos mesmos, associada a pouca formação académica e a contextos de isolamento profundos em que essas vidas acontecem, deitam por terra esse pressuposto e tornam quase impossível colocar a explicação nesse campo.
 
Por fim, temos ainda os conteúdos das mensagens. Com excepção de Fátima, na qual a mensagem surge encriptada e filtrada pelas determinações institucionais que as vão controlando ao longo do tempo, a quase totalidade das restantes remete para um apelo à singeleza da oração, da paz e da pureza que, parecendo coisa menor quando comparadas com uma descida à terra da própria Mãe de Jesus Cristo, são profundamente vincadas, marcantes e até revolucionárias nas comunidades em que as mesmas acontecem. Será crível pensar que tantas crianças, normalmente pobres e quase sempre analfabetas, repliquem com tanta exactidão uma mensagem que nada (ou pouco) lhes diz e que é transversal a todas elas?
 
 
 
 
No caso de Asseiceira, em que as aparições nunca foram sancionadas pela Igreja Católica, o padrão é o mesmo e, mesmo sem o cunho da oficialidade que certamente as teria transformado em algo de completamente diferente daquilo que aí verdadeiramente aconteceu, evocam valores, princípios e orientações que se encaixam de forma perfeita num vastíssimo conjunto de fenómenos no mesmo género.
 
No dia 16 de Maio de 1954, o menino Carlos Alberto da Silva Delgado, de 11 anos, apartando-se dos seus colegas de escola para rezar pelo sucesso de um exame que teria de fazer, ouve uma voz que lhe garante o êxito e que lhe pede que reze o Terço diariamente. Durante oito meses, todos os dias 16, o fenómeno voltava a acontecer, sendo acompanhado por um cada vez maior número de gente que acorria ao local para partilhar o dom de estar junto da Mãe de Deus.
 
Sem que se conheça qual outra mensagem e/ou orientação diferente do apelo sereno à oração e à santidade, o menino foi sujeito a vários exames médicos que determinaram ser o mesmo saudável não padecendo de nenhuma doença psiquiátrica que pudesse explicar o que estava a acontecer. Simultaneamente, tal como acontece em Fátima e noutros locais reconhecidos pela Igreja, as muitas testemunhas que acorrem ao local das aparições, divergem entre aqueles que vêem e ouvem o mesmo do que o vidente; aqueles que somente ouvem mas nada vêem; e os que vêem mas nada ouvem… Como se explica que seja assim em todos os locais e em todos os tempos?
 
Desde então até ao presente, o menino vidente faleceu prematuramente num acidente de automóvel, sem que no local deixasse de se reunir um número substancial de gente para cumprir a vontade da Mãe de Deus. Tinha 37 anos, não se lhe conhecem laivos de riqueza ou de grande poder, era casado, tinha dois filhos e uma vida normal, trabalhando como administrativo num banco. Ou seja, nada ganhou com o seu papel de vidente.
 
Mas o certo é que, até hoje, todos os dias 16, a meio da tarde, reza-se o Terço. Na comemoração do cinquentenário das aparições, em 2004, com dinheiro dos crentes, foram feitas obras de remodelação do espaço para que se continue sempre a cumprir aquela obrigação pungente.