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cascalenses

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A Igreja Paroquial de Santiago (ou de São Tiago) em Évora

João Aníbal Henriques, 05.10.19

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Situada no coração da cidade e envolvida de perto pelas principais atracções turísticas de Évora, a Igreja de Santiago passa normalmente despercebida a quem por ali deambula. Mas não deveria ser assim… o templo, de origens ancestrais, é um dos mais interessantes repositórios das memórias e das histórias desta urbe alentejana, sendo bem demonstrativo da forma como as eras, as culturas e as gentes aqui confluíram numa amálgama de vida que não pode deixar ninguém indiferente.
 
A documentação histórica aponta o ano de 1302 como o da fundação do primeiro templo Cristão no local onde hoje se ergue a Igreja de Santiago. Cercada pelas antigas muralhas da cidade, bem perto do antigo fórum romano e da principal via estruturante da economia da região é provável, no entanto, que naquele espaço tenham existido outras construções que a precederam e que são responsáveis pelos muitos vestígios que se podem ver no local.
 
 
 
 
Desde a colunata de origem romana até à própria formulação espacial ao templo, que denota claramente uma influência de origem islâmica, são muitas as pistas que nos permitem suspeitar da ancestralidade maior da origem sacra deste espaço tão especial, marcado de forma impactante pela profusão de estilos decorativos e de cores que se cruzam e se sobrepõem em camadas bem ilustrativas daquilo que foram os seus mais de 800 anos de História que se sobrepõem em camadas sucessivas de memórias.
 
Na sua componente Cristã, Católica, Apostólica e Romana, a Igreja de Santiago de Évora nasce por isso no Século XIV, permanecendo sem grande história durante cerca de 200 anos. Durante esse período foi, muito provavelmente, somente um dos muitos templos que servia a prática religiosa dos eborenses, num plano de discrição que resulta naturalmente do recato que a sua localização impõe. Apesar disso, enquanto espaço de morte, foi permanentemente destino privilegiado de vários habitantes ilustres da cidade, nomeadamente ligados ao Clero, tal como o atestam as muitas lápides sepulcrais que subsistem no seu interior, em linha com a ligação sempre perene à cúpula organizativa da própria Ordem de Santiago da Espada.
 

 

 
 
Mas o principal foco de interesse para quem visita esta igreja, marcante do ponto de vista estético e fulcral na definição daquilo que foram as principais intervenções efectuadas no seu interior, são as paredes repletas de pinturas murais polícromas, que fecham uma intervenção maior que reformatou o espaço interior e dotou o templo de uma cabeceira estrutural de grandes dimensões e que define hoje o monumento.
 
São desta época também os painéis de azulejos que cobrem as laterais do Altar-Mor e da nave principal da igreja, da autoria de Gabriel del Barco e de Oliveira Bernardes, que ajudam a enquadrar o mote barroco que passou a caracterizar a essência decorativa do espaço. Importa destacar, pela implicação de enquadramento cénico que tem, sublinhado pelo carácter de província da igreja, a talha dourada dos altares, que se mistura com o esplendor das evocações artísticas de âmbito semi-profano que dão corpo à estrutura decorativa da mesma, num apelo quase herético a realidades que aparentemente se supõem longínquas do Alentejo da época em questão.
 
 
 
 
O apelo à Força, simbolicamente associada à exaltação do Altíssimo, surge misturado numa verdadeira amálgama figurativa onde as figuras Atlantes assumem papel de destaque enquadratório. Talvez seja por isso, na senda da já referida tradição maior que transparece da evolução das épocas e das gentes que fruíram daquele espaço, que o epitome maior que desde sempre surge como uma espécie de sina desta igreja, seja o da ritualidade da morte, ainda hoje marcante para quem habita em Évora, e que ali se consubstancia num conjunto bastante vasto de referências culturais, religiosas e simbólicas numa simbiose que se próxima de sobremaneira da estrutura de pensamento do Alentejo de todos os tempos.
 
 
 
 
O balcão fronteiro ao templo, num varandim de pequenas dimensões que compacta a sacralidade do lugar ao pouco espaço existente naquele recanto da cidade, contribui também ele para reforçar esse ideia inicial, sendo maioritariamente um apelo à visita ao espaço interior, ao mesmo tempo que faz prevalecer o absurdo deleite pelo contraste e pelo oposto. Esta dualidade, também ela visível na estrutura pétrea do templo, associa a ideia do equilíbrio como parte essencial da preservação do carácter sagrado da vida, aqui se espelhando na forma como o crescimento comunitário de quem por ali cumpriu os seus ritos de Fé, se foi construindo a partir de uma continuidade que obrigava a cedências de princípio na dogmática que dá forma a cada uma das épocas em que o templo existiu.
 
A Igreja de Santiago, mais do que mais um mero templo desta mítica Cidade Alentejana, é acima de tudo um monumento que estabelece pontes entre as várias eras e os tempos que a sua História atravessou. Acolhe no seu seio a singularidade de um espaço de características intrinsecamente chãs mas, por outro lado (e até em antagonia) de um local onde a complexidade da vida se espraia em cada elemento.
 
 
 
 
O seu estado de conservação muito precário também ele contradiz a importância  e o interesse desta igreja. Urge uma intervenção prévia de consildação e interpretação do espaço, antes da definição de uma intervenção de fundo que garanta a recuperação dos seus elementos estruturantes mais importes.
 
Até lá, tal como vem acontecendo ao longo de (pelo menos) o último milénio, acolhe diariamente as naves que transportam os eborenses à sua última morada e que ali recolhem os últimos raios de uma luz que certamente foi ensejo daqueles que a foram construindo ao longo do tempo!...  

 

A Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição do Cercal do Alentejo

João Aníbal Henriques, 01.08.16

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Sendo provável que o actual edifício tenha substituído um anterior espaço de culto, nada se saber sobre o que existia no local onde agora se ergue a Igreja Matriz do Cercal do Alentejo, com dedicação a Nossa Senhora da Conceição, antes do Século XVIII.
 
De facto, o templo apresenta características vincadas ao período em questão e cumpre integralmente o normativo imposto pela Ordem de Santiago da Espada para a construção deste tipo de estruturas.
Com uma tipologia assente nos princípios basilares da arquitectura vernácula Portuguesa, onde a simplicidade das linhas contrasta com a efusiva decoração rococó, a igreja prima pela sua funcionalidade bem integrada na existência eminentemente rural do Cercal do Alentejo.
 
 
 
 
Na sua fachada, marca presença a espada da Ordem de Santiago, como sempre envolvida pela sugestiva inclusão da flor-de-lis, simbolizando a pureza original e também a singeleza da existência, num ímpeto de criatividade que vem ajudar a distorcer o quotidiano agrícola da população que a frequenta.
 
Localizada no centro da povoação, reformatando a planta geral da localidade a partir do seu eixo devocional, a Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Cercal do Alentejo, recupera um dos mais ancestrais arquétipos da Portugalidade, assumindo a Conceição de Nossa Senhora como ponto de partir para a viagem simbólica em direcção às origens primordiais da própria humanidade. A senhora que concebe, imaculada por intervenção divina, sendo um dogma recente do Catolicismo, foi desde sempre o principal elemento propulsor da religiosidade Portuguesa, recriando mitos antigos, bem visíveis, por exemplo, na generalidade dos sítios arqueológicos megalíticos, e dando forma a uma noção do sagrado que transcende o próprio real.
 
 
 
 
Na sua origem profunda, o culto à Senhora da Conceição, rainha e senhora de Portugal, transporta-nos para as origens desconhecidas dos antigos cultos pagãos (e mesmo pré-históricos), nos quais a senhora prenha, responsável pela fertilidade das terras e das gentes, se associa sempre á dependência profunda dos ciclos agrícolas e dos desmandos da própria natureza.
 
Singela e simples, a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição do Cercal é monumento angular que nos oferece as pistas necessárias para conhecer e compreender Portugal.