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cascalenses

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A Ponte Pênsil D. Maria II e a Tragédia das Barcas no Porto

João Aníbal Henriques, 08.09.16

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Quem chega à Ribeira do Porto deslumbra-se de imediato com o impacto extraordinário da paisagem. As duas margens, irmãs na forma como partilham as águas do rio mas apartadas por séculos de rivalidades recíprocas, compõem um cenário digno do melhor filme de Hollywood, no qual as cores e as texturas transmitem de forma muito evidente o peso enorme da suas história e a importância que a cidade invicta sempre teve na própria História de Portugal.
 
Mas junto à Ponte Dom Luís I, que se impõe na paisagem, existe um pequeno monumento que passa despercebido aos mais desatentos e que é marca indelével de outros tempos e de outras histórias. Tendo ficado como repositório de memória, importa recuperar aquilo que se sabe sobre a antiga Ponte Pênsil D. Maria II, cujos pilares sobrevivem com a velhinha casa do guarda, testemunhando por seu turno a enorme tragédia humana e política que configurou a chamada Ponte das Barcas que ela veio substituir.
 
 
 
Sendo a ligação entre as duas margens do Rio Douro uma preocupação constante e uma necessidade permanente ao longo dos séculos, muitas foram as tentativas de construção de pontes que permitissem fazer a passagem em segurança. Sobretudo desde o final do Século XVIII, quando o transporte das pipas de vinho do Porto se tornou numa actividade verdadeiramente lucrativa e importante, foram sendo construídas sucessivas, embora sempre muito frágeis, pontes de barcas a ligar as duas margens. Utilizando velhas barcaças já fora de uso, que eram ligadas entre si com correntes, os portistas de então criavam soluções que embora fossem pouco duradouras, eram mesmo assim mais acessíveis do que o transporte por barco através das águas do rio.
 
A última dessas Ponte das Barcas foi inaugurada em 15 de Agosto de 1806 com traço de Carlos Amarante e nela aconteceu uma das maiores tragédias da História de Portugal. Durante a Segunda Invasão Francesa, dirigida pelo Marechal Nicolas Soult, as tropas francesas ocuparam a cidade do Porto e chacinaram a população que, em pânico, acabou por tentar fugir através da ponte que atravessava o rio. A estrutura, muito frágil e desapropriada para aguentar o peso das cerca de 4000 pessoas que tentavam fugir, acabou por perecer, matando nas águas gélidas do Douro milhares de Portugueses.
 
A tragédia da Ponte das Barcas, marca indissociável da memória colectiva de Portugal e dos Portugueses, transmite em si própria o extremo desespero de um país verdadeiramente abalado pelas alterações políticas que caracterizaram o final do Século XVIII e o início do Século XIX, marginalizado numa Europa que se definia a partir do eixo Londres – Paris e fragilizado pelas sucessivas aventuras políticas em que se havia embrenhado. A morte daquelas 4000 pessoas, contrasta de forma evidente com a vitória de Portugal sobre o exército francês mas denota também a dependência quase eterna relativamente à Coroa Britânica…
 
 
 
A antiga Ponte das Barcas no Douro
 
 
Para substituir a Ponte das Barcas, e possivelmente para ajudar a esquecer a imensa tragédia que se havia abatido sobre a cidade, os poderes locais optam então pela construção de uma nova estrutura de carácter mais perene.
 
 
 
Com desenho do Engenheiro Stanislas Bigot, a nova ponte suspensa que ligava ambas as cidades do Porto e de Vila Nova de Gaia, foi ironicamente construída pela empresa francesa Claranges Lucotte & Cie., tendo sido inaugurada (sem pompa nem circunstância) em Fevereiro de 1843.

 

Antes de ser substituída, cerca de quarenta e cinco anos depois, pela nova Ponte Dom Luís, foi completamente desmontada, subsistindo somente os ditos pilares de suporte na margem do Porto, bem como a parede-mestra da antiga Casa do Guarda, que tinha como função principal a cobrança das portagens relativas à travessia. 

O Palácio da Bolsa no Porto

João Aníbal Henriques, 08.08.16

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Quando se observa pela primeira vez o edifício do Palácio da Bolsa, no Porto, estranha-se a imponência de uma construção ecléctica, que baralha os estilos e se impõe na paisagem através de uma escala imensa que contrasta com a arquitectura tradicional da cidade.
 
De facto, com o Rio Douro literalmente a espreitar pelas ruelas que dão acesso à Ribeira, o Palácio da Bolsa deixa vislumbrar a magnificência de um velho palácio inglês, marcado aqui e ali pelas linhas clássicas das velhas e ostensivas construções pombalino na baixa lisboeta.
 
Misturando estilos e procurando um efeito cénico que estivesse em linha com a importância que o comércio sempre teve na definição da estrutura urbana da Cidade do Porto, o actual Palácio da Bolsa é um edifício recente, tendo começado a ser construído em 1842 com base num projecto traçado por Joaquim da Costa Lima. Na sua fachada virada a nascente, assumem especial importância as linhas neoclássicas que aproveitam o declive natural da paisagem e que transformam a colunata que suporta a sua entrada monumental, numa espécie de palco cerimonial que se prolonga através da torre do relógio que a encima.
 
 
 
 
O carácter cénico do edifício, que tem como principal função impor na paisagem a marca de poder dos comerciantes da invicta, é bem visível não só na recuperação de valores arquitectónicos revivalistas na sua fachada monumental, como também na decoração interior e nos valores assumidos em diversas das suas salas principais. Dando corpo à escadaria principal, também ela de impacto efectivo na definição do espaçamento interior, o Pátio das Nações, cercado de um claustro deambulatório totalmente anacrónico e que serve de forma eficaz a necessidade de reforçar a função política do edifício, recria o ambiente de requinte que ainda hoje é visível na generalidade dos grandes jantares de gala e dos eventos que ali acontecem.
 
Dignos de referência especial, até porque é deles a responsabilidade artística dos mais interessantes aspectos da sua decoração interna, são as participações dos cenógrafos Manini e Pereira Júnior, responsáveis pela definição estéticas das funcionalidades do palácio, bem como a decoração exuberante da Sala Árabe ou do Tribunal do Comércio que compõem o cenário de pompa que o Palácio da Bolsa recria.
 
 
Terminado já em 1910, quando em Portugal (e também no Porto) se sentiam os laivos da chegada do novo regime político, o Palácio da Bolsa caracteriza-se pelo seu carácter revivalista, como se no passado romântico que cada detalhe decorativo determina, residissem as raízes do poder efectivo que os comerciantes tiveram e têm na cidade.
 
Aberto ao público, vale a pena visitar o Palácio da Bolsa. Não só pelas características do edifício e pela sua monumentalidade, como também para observar aquilo que, não sendo, ele tem capacidade para recriar no imaginário do Porto. Uma preciosidade!