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cascalenses

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Santa Quitéria de Meca em Alenquer

João Aníbal Henriques, 17.01.17

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
A devoção a Santa Quitéria, perdida entre a lenda da mártir virgem que deu a vida para não entregar o corpo ao homem a quem o seu pai a tinha prometido em casamento contra a sua vontade e a ligação provavelmente pré-histórica aos cultos ligados à fertilidade e às tradições de origem agrícolas, encontra largo espectro no território português.
 
Em primeiro lugar porque, conforme reza a sua história, a virgem Quitéria, última das noves filhas a nascer de um único parto de Cálcia Lúcio e Lúcio Caio Otílio, o Governador Romano da Lusitânia de então, nasceu em Braga no ano 120. Depois porque, apesar de o seu martírio ter acontecido no actual território francês, ele vem cristianizar os antigos rituais ligados à protecção dos gados em ambiente rural, tendo sido adoptado na devoção popular com a santa cuja identidade aparece ligada ao combate à raiva.
 
 
 
 
Mas o mais estranho é que, a pouca distância de Lisboa, numa aldeia perdida no Concelho de Alenquer, a devoção principal se desenvolve numa desmesuradamente grande basílica situada na pequeníssima aldeia de Meca…
 
Quase parece, para quem ali chega pela primeira vez respondendo ao chamamento de visitar uma aldeia com o nome de uma das mais sagradas cidades muçulmanas, que a dita igreja é uma visão provocada por alucinações! Pela sua dimensão, pela qualidade da sua arquitectura, e pela localização privilegiada no centro do pequeno povoado rural, o templo parece ter sido transplantado para ali, depois de ser retirado de alguma sumptuosa cidade europeia.
 
Mas não foi. A Igreja de Santa Quitéria de Meca, classificada como Imóvel de Interesse Público desde 1949, foi construída no Século XVIII, com desenho do ilustre arquitecto Mateus Vicente e o alto patrocínio da Rainha Dona Maria I.
 
 
 
 
O local, escolhido por existir uma lenda que diz que ali apareceu uma imagem de Santa Quitéria nos idos de 1238 da era Cristã, é o mesmo onde terá existido uma pequena ermida dedicada à mesma santa e que terá sido construída em plena Idade Média para marcar o local do milagroso aparecimento. Em frente à igreja, no adro actualmente atravessado pela estrada nacional, existe ainda o cruzeiro em forma de redondel em torno do qual se realiza anualmente o ritual da bênção do gado. Como desde há milhares de anos, os agricultores das redondezas trazem para ali o seu gado, fazendo-o circular em torno do dito cruzeiro, onde são abençoados em nome de Santa Quitéria para evitar que contraiam a raiva.
 
Em termos arquitectónicos, a magnificência do traço de Mateus Vicente, o mesmo que sublinha as características da Basílica da Estrela, em Lisboa, da Igreja da Memória  e do Palácio de Mafra, terá respondido à devoção da rainha, que viabilizou a sua edificação, recuperando valores estéticos próximos do barroco tardio, definindo um quadro artístico que denota alguma continuidade relativamente ao que então se fazia em Portugal.  A Igreja de Santa Quitéria, com a sua fachada principal virada a Sul, ostenta uma placa gravada onde se refere que a construção foi terminada em 1799 e que o templo se tornou Igreja Matriz em 1847. É também aí que surge a menção ao lendário aparecimento da imagem da Santa no ano de 1238.
 
 
 
 
Mais interessante, mas de muito mais difícil explicação, é a designação toponímica da localidade onde a igreja foi erguida. Seguindo as orientações de alguns especialistas em fonética que se dedicaram ao estudo do nome de Alenquer, que terá derivado de uma palavra árabe, a ligação à cidade sagrada do Islão resultará da sacralidade da própria envolvência. Apesar de existirem poucos vestígios arqueológicos desse período no território em questão, a proximidade ao cone vulcânico de Alenquer, parte integrante do património geológico da Serra de Montejunto, terá determinado o desenvolvimento ancestral de sistemas complexos de ritualidade religiosa que perpetuaram no tempo as crenças mais antigas que dão forma aos arquétipos da humanidade.
 
O certo é que a aldeia de Meca, em Alenquer, carrega consigo a marca perene das festividades da Primavera que durante o período calcolítico foram peça angular na regulação das sociedades humanas que vieram a desenvolver-se no actual território de Portugal. Cultuada em Maio, em festivais de base religiosa marcados, até épocas muito recentes, pela presença das flores e do viço próprio que marca o final do Inverno, Santa Quitéria de Meca insere-se assim num conjunto de práticas religiosas que corporizam o principal alicerce cultural da Portugalidade.
 
 
 
 
Distando pouco mais de 50 quilómetros de Lisboa, num trajecto marcado pela passagem obrigatória pelo designado “presépio natural” de Portugal, ou seja, a Vila de Alenquer, impõe-se uma visita a Santa Quitéria de Meca. Pela sua beleza, pelo impacto que produz a quem se depara com a sua ostensiva e inesperada monumentalidade mas, sobretudo, pela estranheza e enorme interesse da sua história.

A Basílica a Estrela - Convento do Santíssimo Coração de Jesus

João Aníbal Henriques, 28.11.13
Por João Aníbal Henriques
Construída na sequência de um voto formulado pela Princesa Dona Maria (futura Rainha Dona Maria I) de que ergueria uma igreja e um convento no caso de conseguir ter um filho primogénito varão, a basílica da Estrela, também conhecida poe ‘Real Basílica’ ou ‘Convento do Santíssimo Coração de Jesus’ é um dos mais expressivos e impactantes monumentos da Cidade de Lisboa.
Com traço do Arquitecto Mateus Vicente de Oliveira, o templo era um misto de residência real, onde a rainha Dona Mara se recolhia envolvida em pompa e em fausto que contrastava com a natureza conventual que lhe havida dado forma, a Basílica da Estrela foi a primeira igreja do Mundo dedicada ao Sagrado Coração de Jesus, tendo servido como convento Carmelita até à extinção das Ordens Religiosas, em 1834.
O carácter único do espaço, bem expresso neste misto de palácio e convento, que ainda hoje é visível no contraste profundo entre a pobreza assumida que existia nas celas clausurais e a ostentação das zonas reservadas ao uso da rainha, consolida-se com a existência no seu interior do mausoléu que alberga os restos mortais da própria Dona Maria. A rainha é, aliás, a única monarca da Dinastia de Bragança que não está sepultada no Panteão Nacional, descansando na Estrela pela sua expressa vontade.
A cerimónia de consagração da basílica, ocorrida em 1799, foi marcada pela presença das mais importantes figuras e famílias do Reino, tendo ficado eternizada nas memórias de muitos daqueles que tivera a oportunidade de estar presentes.
Uma das mais interessantes versões desta cerimónia, em linha com a vontade da rainha de recentrar na Estrela o culto Católico em Lisboa, encontra-se nas memórias da Marquesa de Alorna, da Família Távora, que descreve com rigor o ambiente de fausto que se viveu nesse dia.
Para além da monumentalidade do edifício, e das especificidades arquitectónicas, existe ainda outros motivos de interesse que reforça a premência de uma visita: o Presépio de Machado de Castro e o pequeno terraço situado no topo do torreão, do qual se desfruta de uma das mais extraordinárias (e menos conhecidas) vistas da Cidade de Lisboa.