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cascalenses

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O Delta da Ribeira das Vinhas em Cascais

João Aníbal Henriques, 08.10.24
 

por João Aníbal Henriques

A denominada “Figura de Braunius”, desenhada por Georg Braun (1541-1622) no Século XVI é considerada a mais antiga representação que se conhece da Costa de Lisboa, com especial enfoque em Cascais e no seu porto de mar.

O detalhe com que foi preparada e o cuidado colocado na representação dos principais pontos estratégicos da localidade, prende-se com a sua origem militar. O desenhador, ao preparar esta obra, pretendia traçar com rigor e exactidão o perfil da Costa de Cascais de forma a poder fornecer, em caso de intervenção militar, uma planta que facilitasse o controle dos principais pontos estratégicos desta costa que tinha funções extraordinariamente importantes na defesa de Lisboa contra eventuais ataques por via marítima.

Mas existe um detalhe que não passa despercebido a quem olhar com atenção para esta obra. Na representação da Baía de Cascais falta a indicação da Ribeira das Vinhas!

 

 

Não sendo crível que Georg Braun, meticuloso no seu trabalho, se esquecesse de um elemento tão importante na linha de costa de Cascais, haveria certamente uma razão que explicasse esta omissão de um elemento tão importante para a caracterização do porto de Cascais.

E a resposta, que nos chegou em finais dos anos 80 do século passado no âmbito de uma conferência proferida pelo saudoso Arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles e pelo Cascalense Arquitecto Coimbra Neves, é simples e inesperada para a maioria dos Cascalenses: a foz da Ribeira das Vinhas, ao contrário do que hoje acontece, teria a forma de um delta, com vários braços que desaguavam em vários pontos do mar… Não existiria nessa época, portanto, um único canal de saída da ribeira, sendo que a foz se multiplicava em várias saídas que acabavam por não ter a relevância que a foz única que surgiria mais tarde acabou por ter no desenho da Costa de Cascais.

Esta explicação, que ambos os arquitectos defendiam com base na análise da topografia da vila e nas evidências arqueológicas surgidas depois das grandes inundações de Novembro de 1983, foi mais tarde confirmada pelos investigadores Guilherme Cardoso e Marco de Oliveira Borges, que assim explicam a omissão da ribeira na Figura de Braunius e a hidrografia da Vila de Cascais.

Explica igualmente a estranha opção dos antigos construtores do edificado cascalense de projectarem as suas construções sobre pilares e não, como era usual nessa época, com alicerces sólidos implantados no areal.

Esta forma construtiva, bem visível nas fotografias históricas da vila de Cascais, servia sobretudo para permitir o natural escoamento das águas da ribeira por debaixo dos edifícios, facilitando assim o normal fluxo das águas subterrâneas no subsolo e a sua saída para o mar.

 

 

A conferência dos arquitectos atrás mencionados vinha, aliás, associada a um alerta às entidades públicas que governavam Cascais no final do século passado: o cuidado que eles consideravam que se deveria ter perante uma qualquer intervenção ou construção a realizar no terreno situado a Norte do Hotel Baía, utilizado nessa altura como um mero estacionamento à superfície, de forma a preservar esse escoamento natural das águas do Delta da Ribeira das Vinhas, evitando assim a sua concentração no subsolo da zona histórica de Cascais com consequência que poderiam ser dramáticas na sustentabilidade dos edifícios existentes a montante desse local.

Com as obras efectuadas mais tarde no antigo estacionamento e com a construção da garagem subterrânea do Hotel Baía, criou-se, de facto, uma barreira que cortou o normal fluxo das águas. E agora, tal como referiam os dois arquitectos, sempre que chove com alguma quantidade e o leito da Ribeira das Vinhas se enche de água, o Largo Camões e as cercanias ficam imediatamente inundados…

Porque a História nos fornece sempre informações importantes sobre o passado, com o objectivo primordial de nos ajudar a definir um presente adequado e a preparar um futuro viável.

 

A Casa Sommer em Cascais

João Aníbal Henriques, 12.12.16

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
 
Parte integrante do imaginário urbano da Vila de Cascais, a Casa Sommer, no espaço da antiga Parada, é uma das peças mais importantes e significativas do património cascalense. Em estado avançado de degradação há demasiados anos, foi adquirida pela Autarquia e adaptada para instalar o Arquivo Histórico Municipal. Na sua futura função de guardiã das memórias municipais, mas também enquanto elemento singular na definição da Identidade Cascalense, a Casa Sommer é um excelente exemplo do que pode e deve fazer-se nesta Nossa Terra.
 
 
Romântica pelo seu enquadramento urbanístico nos terrenos fronteiros à antiga Parada de Cascais e neoclássica pela formulação arquitectónica que compõe a sua fachada e estrutura decorativa, a Casa Sommer, em Cascais, é um dos monumentos mais significantes na definição do que foi a Vila no período em que foi edificada.
 
Mandada construir por Henrique de Sommer, algures entre o final do Século XIX e o início do Século XX, o imóvel acompanha em termos estéticos a evolução dos modelos construtivos que caracterizaram a Vila de Cascais durante essa época. Apesar do seu cunho cenográfico, a casa repõe uma linha arquitectónica mais séria e funcional que vai esbatendo progressivamente os cunhos oníricos do romantismo de alguns anos atrás.
 
O apelo aos valores do classicismo, bem visíveis, por exemplo, no pórtico de entrada da moradia, traduz as alterações que estavam a acontecer no paradigma social do Cascais de então. Depois da instalação do Rei Dom Luís e da Corte, em 1870, que trouxe para Cascais aqueles que virão a ser os alicerces de uma nova sociedade em Portugal, as casas e os espaços públicos passam a desempenhar um papel importante enquanto elementos de afirmação e reconhecimento social. Com a chegada do novo século, associado à indefinição política que virá a servir de mote para a posterior implantação da república, cria-se um espaço alternativo no qual se encaixam os valores renovados de uma elite empreendedora para quem o sangue mais não é do que elemento que ajuda a reforçar o seu reconhecimento funcional.
 
O sucesso empresarial de Henrique Sommer, profundamente ligado à indústria do ferro e dos cimentos, enquadra-se já numa nova dinâmica de modernização do País, alheia aos valores antiquados que haviam servido de mola propulsora ao nascimento do Cascais Real. A casa que mandou construir num dos mais nobres locais da vila, cenograficamente impactante, é por isso um misto de testemunho e de prova, sustentando aquele que virá a ser o devir histórico que alterará profundamente a vida de Cascais, abrindo caminho para o despertar dos primeiros movimentos nacionalistas e para o nascimento da posterior vocação turística municipal.
 
A afirmação, num contexto em que a componente familiar assume primordial importância, surge associada de forma muito próxima aos critérios de construção utilizados na época, facto que explica a singularidade deste edifício no contexto patrimonial da vila de Cascais.
 
 
 
 
Numa época em que Cascais assiste impávido à destruição paulatina dos seus principais valores patrimoniais, com a desagregação dos núcleos urbanos identitariamente fundamentais, como é o caso do Monte Estoril e dos principais núcleos rurais que ainda subsistem no território municipal, a recuperação da Casa Sommer é uma excelente notícia que, contrariando a prática em curso, defende a memória local e promove a identidade municipal.
 
Resta esperar que este bom exemplo se transforme no cadinho que dará forma às muitas intervenções que num futuro próximo vão acontecer na Nossa Terra.