Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

cascalenses

cascalenses

As Festas do Divino Espírito-Santo em Cascais

João Aníbal Henriques, 20.05.25
 

por João Aníbal Henriques

A ligação ancestral de Cascais à Igreja Católica, Apostólica e Romana existe desde tempos imemoriais. Logo em meados do primeiro século, quando os seguidores de Jesus abandonaram a designação de “Nazarenos” pela qual tinham ficado conhecidos, para assumirem a condição de Cristãos, que a palavra sagrada se espalhou rapidamente através da imensa rede de estradas que dava forma ao então Império Romano. E é crível, até porque a arqueologia nos oferece provas cabais da existência de redes comerciais entre o extremo Ocidental e a Cidade de Roma, que a nova doutrina tenha chegado depressa e sido estabelecida neste território.

Para além da Páscoa, numa extensão das práticas espirituais que vinham desde a época Judaica e que se adaptaram à nova religião que surgiu com a Morte e a Ressureição de Nosso Senhor Jesus Cristo, um dos momentos altos do calendário votivo entre os Cristãos era a comemoração do Pentecostes, ou seja, a celebração da descida do Espírito-Santo sobre os Apóstolos ao quinquagésimo dia após a Ressureição de Cristo.

Como refere João da Cruz Viegas num dos seus opúsculos sobre a História de Cascais, a “Páscoa do Espírito-Santo é festejada cinquenta dias depois da Páscoa Cristã e oito dias antes do Domingo da Santíssima Trindade, comemorando a descida do Espírito-Santo sobre os doze Discípulos de Cristo, pelas nove horas da manhã, quando estavam em oração com Maria Santíssima e outras santas mulheres no Cenáculo, casa situada no Monte Sião onde Jesus Cristo tinha celebrado a sua última Páscoa com os Apóstolos”.

 

 

De acordo com  as Sagradas Escrituras, o Espírito-Santo desceu sobre os doze Apóstolos como línguas de fogo, ganhando eles assim o dom de entender e falar vários idiomas simultaneamente, ganhando a graça de fazerem milagres e enchendo-se com a sensação avassaladora da imensa sabedoria que lhes foi entregue. Simbolicamente associado ao acontecimento, é a pomba branca que a Cristandade passou a utilizar para perpectuar na memória esta alteração paradigmática do rito fundacional daquela que haveria de se tornar na mais importante de todas as religiões professadas no Mundo durante dois mil anos.

Em Cascais, onde os primeiros templos Católicos acompanham a formação da própria nacionalidade, as festividades comemorativas do Pentecostes deverão ter existido pelo menos desde o Século XVI, quando no antigo Convento de Nossa Senhora da Piedade se instalou uma comunidade Carmelita que tinha no culto ao Espírito-Santo um dos seus pilares de Fé. Originalmente com um cunho muito simples, organizado em torno de um grupo de cascalenses que percorria as ruas da vila com uma bandeira evocativa da efeméride e que recolhia os donativos dos moradores para o pagamento das despesas com o “bodo” destinado a alimentar condignamente os habitantes mais pobres, depressa evoluíram para rituais mais elaborados, como o atestam em termos comparativos os festejos que ocorriam simultaneamente noutras partes do País e, aqui mesmo ao lado, na aldeia serrana do Penedo, em plena Serra de Sintra.

Nessa segunda fase, uma vez mais em continuidade com os velhos rituais ancestrais e provavelmente pagãos que eram concretizados nestas paragens desde a época Pré-Histórica, juntou-se aos festejos a figura de um boi que, muito enfeitado, percorria as ruas da vila de forma a mostrar aos desfavorecidos a qualidade da oferta que iriam receber.

Este ritual de partilha, concertada sobre uma espécie de pacto-social em que participavam os mais abastados habitantes locais, que dessa forma partilhavam com os menos afortunados a sua prosperidade no âmbito de um ritual religioso que esbatia a ideia de uma “caridadezinha” que muitas vezes inibia por vergonha os que verdadeiramente necessitavam dessa ajuda para sobreviver, garantia que todos tinham acesso à quantidade mínima de nutrientes que são necessários para preservar a saúde e o bem-estar da comunidade, nomeadamente das proteínas que raramente chegavam ao prato da maior parte dos cascalenses mais pobres.

 

 

Escolhendo para coroar como Imperador a crianças mais humilde, pura e pobre que encontrassem na terra, e que simbolicamente, devido aos seus predicados, se tornava naquelas festividades o cerne de toda a devoção dos cascalenses, a festa do Espírito-Santo terminava sempre com um jantar onde participavam as mais importantes personalidades locais, que pagavam integralmente a sua refeição e que, dessa maneira, se associavam ao ritual de viabilização do bodo dos pobres que seguidamente lhes era oferecido.  Muitas das senhoras de Cascais, num acto de abnegada devoção, adquiriam doses do bodo para elas próprias oferecerem aos mais pobres e guardavam consigo porções de pão benzido que utilizavam ao longo do ano para consagrar as efemérides mais relevantes.

João da Cruz Viegas, no opúsculo atrás referido, menciona os cascalenses ilustres que no jantar de 1903 se juntaram no antigo “Hotel Globo”, situada por cima da Mercearia Pedada, cumprindo este ritual que tão importante era para a Identidade da Nossa Terra: “Comendador Manuel Vieira d’Araújo Viana, que era o juiz da festa naquele ano; Dom Fernando Castelo Branco (Pombeiro), Administrador do Concelho; Rodrigo Luís Caldeira, Secretário da Câmara Municipal; Francisco da Silva Vedras; António Mendes Lopes, farmacêutico; João Desidério Nunes; João Campos; Alexandre Inácio; Domingos Vardasca; Júlio Ovidio Morgado; Domingos Teixeira dos Santos; e Manuel Pereira Dias”.

Este último, que ainda em vida passou a Cruz Viegas estas informações, explicou-lhe ainda que nesse ano de 1903 foram vinte e três os festeiros encarregues de fazer cumprir a tradição e que a despesa acumulada, que serviu de base à preparação do bodo popular, ascendeu a um total de 284$000 Reis.

Interrompidos provisoriamente depois da implantação do regime republicano, os Festejos do Espírito-Santo foram retomados em Cascais ao longo da década de 40 do Século XX por iniciativa de José Florindo de Oliveira e de Eugénio da Assunção que, como em quase tudo o que acontecia na vila durante aquela época, contaram com a entusiástica participação de Armando Penin Gomes Villar, então Presidente da Propaganda de Cascais e de Alberto Mourato que com ele assumiu a responsabilidade de pagar um boi para compor o bodo seco oferecido à população.

 

 

Nas Festas de 1943 o bodo foi servido aos pobres de Cascais nas instalações do antigo hospital anexo à sede da Santa Casa da Misericórdia, numa cerimónia que foi presidida pela Senhora Dona Maria do Carmo Fragoso Carmona, mulher do então Presidente da República, coadjuvada pela D. Albertina de Melo e por Dona Rosa de Melo. O juiz da festa desse ano, Guilherme Cardim, juntou-se ao bodo com o tesoureiro, Pedro Valentim Nava, que com as senhoras degustaram sopa, cozido à portuguesa e vinho, ao som da banda filarmónica do Grupo Desportivo Estoril-Plage. Nesse dia fez-se distribuição de carne ao hospital da Santa Casa da Misericórdia, à Casa dos Pobres, à Casa de Trabalho de Nossa Senhora da Assunção, à Maternidade Maria Amália Vaz de Carvalho, e do bodo molhado aos dois únicos presos que estavam encarcerados na cadeia da vila. Para as crianças que frequentavam a Creche José Luís foi entregue arroz e massa, sendo que por toda a vila foi distribuído larga quantidade de pão bento.

No jantar final, ocorrido no dia 13 de Junho, estiveram presentes Guilherme Cardim, Pedro Valentim Nava, João da Cruz Viegas, Padre Moysés da Silva, Joaquim Nunes Ereira, João António Gaspar, Francisco Avelino de Sousa Amado, Frederico da Costa Pinto, Joaquim Canas Jardim, Dom António Castelo Branco, Professor Francisco Cruz, Alberto Mourato, António Santa, Eugénio Bernardino d’Assunção, António Ricoca, Pedro Aguiar, Abílio Maria, Carlos de Sousa, Júlio Pedro d’Assunção, Manuel Paulino, António da Silva Neves Júnior, Sebastião Bonifácio, Osvaldo Faria, Ventura Ledesma Abrantes, João Victor Gaspar, José Afonso Vilar Júnior, Filipe Nobre de Figueiredo, Francisco Silva, Aníbal Contreiras, António Ferreira dos Santos, Miguel dos Reis, José Cartaxo, Silvino Duarte, José Apolinário Duarte, António Miguel Muchacho, Joaquim António Gaiteiro, Domingos Nunes, Serafim Nunes, Gabriel Muchacho, Fernando José Dias e João Marinha Arraia.

A partir do ano de 1944, por iniciativa de Armando Villar, os festejos passaram a incluir uma comissão de “Mordomos de Honra” que, contribuindo materialmente para a festa, evitavam que a mesma decorresse sem a dignidade que todos consideravam essencial para o sucesso do evento. Nessa primeira edição foram “Mordomos de Honra” o Reverendo Padre Moysés da Silva; o Presidente da Câmara Municipal, José Raposo Pessoa; o Presidente da Junta de Turismo, Augusto Teles Abreu Nunes; o Presidente da Junta de Freguesia, D. José Avilez; o Administrador da Estoril Plage, Guilherme Cardim; Joaquim Nunes Ereira, pela Propaganda de Cascais; e João da Cruz Viegas. Fizeram ainda parte as senhoras D. Felícia Gonçalves Villar, D. Felismina Canas Cardim, D. Lucinda da Silva Abreu Nunes, D. Laura Carnoto d’Oliveira, D. Maria José Magalhães Pessoa, D. Maria Isabel Avilez, D. Rosalina Pedroso Muchaxo e D. Tomásia Canas Ereira.

 

 

Na edição de 1948, com Ricardo Espírito-Santo Silva como juiz e José Afonso Villar jr. como tesoureiro, os festejos contaram com a presença e apoio de Gabriel Muchaxo, Joaquim Sabino Pedroso, Silvino Duarte, António Silvestre Gonçalves, Alfredo Luiz Paulo, Francisco Casaleiro, Conde Murça, Condessa de Monte Real, Casa de Palmela, D. Nuno Almada, Condessa de Azambuja, Conde Jorge de Monte Real,  Condessa de Linhares, D. Maria Inez Carmona, Conde das Alcáçovas, Conde de Cabral, José Ribeiro Espírito-Santo Silva, Eduardo Guedes de Sousa e Dona Amélia de Melo. À festa juntaram-se ainda Armando Villar (então Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Cascais), o médico Dr. Álvaro de Lacerda e Melo, Amadeu Stoffel, António Casimiro d’Almeida, António Muchaxo, Guilherme Cardim, José Teixeira Roxo e Manuel Paulino.

As Festas do Divino Espírito-Santo de Cascais são uma das mais antigas tradições desta vila de Reis e de Pescadores, traduzindo a um só tempo a vivência religiosa e social da terra e das suas gentes. Conhecê-las e compreendê-las, integrando-as na dinâmica própria de cada momento da História de Cascais, é um passo importante para ajudar a projectar o futuro dinâmico e coeso pelo qual todos ansiamos.

 

Fotografias do Arquivo Histórico Municipal de Cascais e do Arquivo Histórico da Sociedade Propaganda de Cascais

 

Os Tronos de Santo António de Cascais em 1952

João Aníbal Henriques, 15.05.25

 

 

por João Aníbal Henriques

A ligação de Cascais a Santo António é ancestral. Já antes da instalação na Cidadela do regimento Dezanove de Infantaria, que tinha Santo António como orago, existia na Capela de Nossa Senhora da Vitória uma imagem do Santo Taumaturgo que haveria de ter um papel de decisiva importância na consolidação da Identidade Cascalense.

Em 1952, numa iniciativa conjunta da Sociedade Propaganda de Cascais e da Junta de Turismo do Estoril, foi realizado um muito popular concurso de tronos dedicados a Santo António que encheram as ruas de Cascais de cor e de movimento dando o mote para o clima de grande devoção que toda a vila dedicou ao santo lisboeta. Com imensa participação popular, e um júri que incluía os dirigentes da propaganda e do turismo e ainda elementos da direcção do Casino Estoril, a iniciativa passou por vários dos principais arruamentos da vila e teve prémios de valor considerável que foram dos 500$00 aos 50$00, distribuídos em quatro escalões consoante a avaliação efectuada pelos cascalenses.

 


Agraciado com o primeiro prémio foi a dupla formada pelos cascalenses José Luiz e António Jorge Rodrigues Cardoso, que receberam 500$00 pelo trono que montaram no nº 95 da Rua Visconde da Luz. Em segundo lugar ficaram Maria Matilde dos Santos Branco e Maria Luiza Brígida, moradoras na Rua dos Navegantes, nº 46, tendo recebido um prémio de 400$00. Em terceiro lugar, com um prémio de 200$00, ficou Guilherme Luiz Antunes da Conceição, com o seu trono montado na Rua Nova da Alfarrobeira, 9. O penúltimo premiado foi Maria Teresa Dâmaso de Jesus, moradora no número 11 da Rua Alexandre Herculano e tendo recebido 100$00. E o quinto premiado foi José Manuel Assis Santa, que recebeu 50$00 pelo trono que montou em sua casa no Beco Torto, nº 14.

A cerimónia de entrega dos prémios aconteceu no Casino Estoril no Domingo, dia 22 de Junho, tendo comparecido as mais altas individualidades da vida municipal, para além de uma comitiva representante dos comerciantes da baixa de Cascais.

 


Eurico Braga e Francisco Romano Esteves, em nome da organização, fizeram os discursos e entregaram os prémios, sublinhando sempre a importância destas iniciativas para o reforço da participação cívica dos cascalenses nos interesses da sua terra.

Depois de um interregno de várias décadas, a antiga tradição cascalense foi retomada em 1983, desta feita numa organização totalmente dirigida pela Sociedade Propaganda de Cascais e por iniciativa da dupla formada pelos directores António de Sousa Lara e Benjamim Quaresma Dinis, contando sempre com a presença, o entusiasmo e o apoio de Armando Penin Villar.

 


 

Nesse ano os festejos iniciaram-se com a procissão, que saiu da porta da Cidadela em direcção à Igreja de Nossa Senhora da Assunção, e que culminou, às 17h00, com a actuação da Orquestra Ligeira do Exército no palco do Largo Luís de Camões.

O êxito da iniciativa, bem patente nas notícias dadas pelo Jornal da Nossa Terra e pelo Jornal da Costa do Sol, contou ainda com o patrocínio da Câmara Municipal de Cascais e do C.I.A.A.C – Centro de Instrução de Artilharia Antiaérea de Cascais.

 
 
Fotografias AHMC - Arquivo Histórico Municipal de Cascais

 

 

As Primeiras Festas do Mar em Cascais

João Aníbal Henriques, 13.05.25
 

por João Aníbal Henriques

A primeira edição das Festas do Mar de Cascais aconteceu em Julho de 1936. Com um enquadramento e objectivos substancialmente diferentes daqueles que actualmente caracterizam os festejos, foram sempre, mesmo assim, a expressão maior da ligação ancestral que Cascais tem com a sua baía e com o mar.

Na versão de 1936, pensada e organizada por José Florindo de Oliveira, então Presidente da Comissão de Propaganda de Cascais, as Festas do Mar surgem enquadradas pelos desafios que afectavam a Europa e o Mundo naqueles anos. Em clima de pré-guerra, com a consolidação do socialismo e do comunismo em vários países, pressentia-se já a necessidade de Portugal recuperar o registo de prestígio que o havia caracterizado muitos anos antes. E a pressão sobre as colónias, nessa altura já assumidamente ameaçadora por parte das grande potenciais mundiais, obrigava a um exercício de recuperação dos símbolos e dos valores ligados ao mar.

No ofício enviado em 1936 ao Ministro do Mar, no qual a direcção da Propaganda de Cascais pede autorização para arrancar com a edição inaugural dos festejos, estão expressos os objetivos que presidem à iniciativa. Diz nesta carta o cascalense Florindo d’Oliveira: “Com os nossos respeitosos cumprimentos e com um pedido de desculpa por esta maçada e abuso, pedimos licença a V.Exª. para vos expormos um assunto, que para nós se nos afigura d’um elevado fim Nacional, e que, dentro do seu objectivo se nos afigura uma boa lição aos homens da doutrina do internacionalismo, aos da foice e do martelo e ainda aos cegos que por aí andam divulgando destruidoras doutrinas. Ao internacionalismo há pois que opor uma grande barreira de Nacionalismo”.

 

 

No pedido enviado ao Ministro Manuel Ortins Torres de Bettencourt, Florindo d’Oliveira explica que a Baía de Cascais foi o berço do grande navegador Afonso Sanches e que, na senda do papel muito relevante que ele teve na Epopeia Marítima Nacional, desejava que as festas de Cascais fossem lançadas simbolicamente associadas à Cruz de Cristo, que durante essa época gloriosa era a marca que identificava as naus e as caravelas portuguesas que davam novos mundos ao Mundo: “Que nas velas de todas as embarcações inscritas na Capitania do Porto desta vila,  quer de recreio, quer de pesca ou outras, seja pregada a Cruz de Cristo, para que ela faça ofuscar ou desaparecer para sempre da nossa terra o símbolo do comunismo”.

E assim, com o apoio directo e empenhado do então Ministro da Marinha e também do Presidente da República, o Marechal Óscar Fragoso Carmona, que nessa altura residia precisamente no Palácio Real da Cidadela de Cascais, a primeira edição das Festas do Mar aconteceu em Cascais em Julho de 1936.

De entre as muitas iniciativas que fizeram parte do programa destas festas, onde não podiam faltar os concursos de natação e as regatas de barcos à vela e remos, organizadas pelo Grupos Dramático e Sportivo de Cascais e pelo Clube Naval de Cascais, salienta-se um grande cortejo com as embarcações militares da Armada Portuguesa que, transportando a bordo todas as entidades oficiais, navegaram pelas águas da baía acompanhando a frota de pesca costeira, todos hasteando bandeiras com a tradicional Cruz de Cristo e homenageando assim os navegadores que corporizaram os descobrimentos portugueses.

 

 

Ao longe, balouçando suavemente ao sabor da brisa estival e do marulhar das ondas da baía, um dos barcos de guerra transportava a Banda de Música da Armada, que ia encantando os milhares de festeiros que assistiram à iniciativa a partir da esplanada que existia junto ao Passeio Dona Maria Pia de Sabóia. E o ponto alto dessa tarde, que muito entusiasmou os cascalenses ali presentes, foi o sinal dado pelos Bombeiros de Cascais de “navio em perigo” lá para os lados da Boca do Inferno. De imediato, num exercício em que participaram todas as entidades presentes, saiu para o mar uma enorme comitiva que tinha como objectivo prestar auxílio ao navio pretensamente em dificuldade, num exercício que entusiasmou de sobremaneira os que assistiam à iniciativa a partir de terra.

A corporação de Bombeiros de Cascais, com o Comandante Joaquim Theotónio Segurado à cabeça, participou no exercício com carros porta-cabos, foguetes e demais apetrechos de salvamento, transformando a iniciativa num exercício sensacional e raro que a todos impressionou.

Simultaneamente, ao longo de toda a tarde e prolongando-se noite afora, a esplanada do Clube Naval encheu-se de animação, com serviço de chá e pastelaria, bufete e arraial popular animado pela banda da Sociedade Musical de Cascais que deu o mote para o baile que entrou directamente nas memórias identitárias da vila de Cascais.

 

 

As receitas destas primeira edição das Festas do Mar foram prontamente distribuídas com o acordo unânime de todos os organizadores: 70 % reverteu directamente para o apoio aos pescadores que haviam sido afectados pelos grande temporais que tinham devastado o mar de Cascais durante a última Primavera;  20% foi entregue ao Instituto de Socorros a Náufragos que, criada por iniciativa do Rei Dom Carlos, era desde então uma das principais instituições da sociedade civil de Cascais; e os restantes 10% seguiram para os cofres da Comissão de Propaganda de Cascais, entidade que carregava consigo a responsabilidade de zelar pela animação e pelo espaço público na vila e, dessa maneira, pela angariação dos meios que se afiguravam necessários para manter Cascais como a mais charmosa e cosmopolita de todas as terras portuguesas.

 

 

Em 1936, quando o Mundo vivia aterrorizado com as convulsões políticas que haverão de culminar na eclosão da II Guerra Mundial (1939-1945), Cascais preocupava-se com a união da sua sociedade civil, salvaguardando que todos contribuíam directamente para a criação das condições necessárias ao cumprimento do seu comum desiderato. Na organização desta primeira edição das Festas do Mar participaram directamente o Presidente da República, o Ministro da Marinha, o Delegado Marítimo de Cascais, o Administrador do Concelho, o Presidente da Câmara Municipal, o Presidente do Clube Naval, o Presidente da Associação Comercial de Cascais, os directores da Sociedade Propaganda da Costa do Sol, o Proprietários das armações de Cascais (Alberto Graça), Guilherme Salgado, que era na altura o representante junto da câmara Corporativa, os elementos da Comissão de Propaganda, os pescadores e proprietários de barcos, nomeadamente José Crespo, Filipe Figueiredo e D. José d’Avillez e o demais povo de Cascais. As festas contaram ainda com o apoio directo do Diário de Notícias que, através de parangonas de propaganda da iniciativa, juntaram em Cascais a imensidão de público que transformou este certame num inquestionável sucesso.

Interrompidas durante a guerra e reatadas periodicamente durante muitos verões de Cascais, as Festas do Mar são hoje o ponto mais alto da época estival cascalense. Evoluindo ao longo dos anos de acordo com o gosto e o enquadramento das várias épocas, as Festas do Mar foram sempre e continuam a ser o mais vibrante e marcante de todos os eventos organizados em torno do magnífico cenário da nossa baía!

Fotografias de João Cabral da Silva, António Passaporte e Arquivo Histórico Municipal de Cascais

O Dia da Árvore de 1982 em Cascais

João Aníbal Henriques, 09.05.25
 

por João Aníbal Henriques

Corria o ano de 1982 e o governo municipal de Cascais pertencia à Aliança Democrática. Com Carlos Rosa como presidente da Autarquia, do executivo municipal fazia igualmente parte António de Sousa Lara que acumulava o cargo com a sua profissão de professor universitário, investigador e dirigente da Sociedade Propaganda de Cascais.

E foi no âmbito de uma estreita parceria entre a Câmara Municipal de Cascais e a Sociedade propaganda que nesses anos de boas relações institucionais se desenvolveram diversos projectos que alteraram de forma pragmática e efectiva o tecido social, económico e cultural do Cascais de então.

 

 

Para além dos concursos de montras, dos concursos hípicos, dos festejos das principais efeméridas que de alguma forma estavam relacionadas com a história da vila, nesse ano de 1982 estas instituições lançaram em conjunto um vasto programa de plantação de árvores ao longo dos principais arruamentos da vila.

Sob a orientação do mítico Armando Penin Vilar, proprietário da Quinta das Patinhas e um dos principais impulsionadores da empresa que geria os destinos do jogo na região, e que durante muitos anos se entregou de Alma & Coração à defesa da causa pública e dos interesses dos cascalenses, a Sociedade Propaganda de Cascais encetou e dirigiu os trabalhos de plantio de muitas das árvores que ainda hoje enchem de sombra os arruamentos cascalenses. Figura de destaque em todo o processo, o sempre muito activo e saudoso Benjamim de Quaresma Dinis que, em equipa com António de Sousa Lara, concebeu a grande maioria dos planos de revitalização de Cascais naquela época.

 

 

Em ofício dirigido às principais forças vivas da sociedade civil cascalense, a Câmara Municipal e da Sociedade Propaganda apelavam à participação de todos neste acto simbólico que consideravam ser essencial para o projecto global de recuperação da dinâmica da vila depois dos muitos problemas que tinham resultado da revolução e que de alguma maneira haviam contribuído para a degradação do espaço público e para a fuga de Cascais de muitos empreendedores portugueses e estrangeiros que contribuíam decisivamente para o antigo charme que caracterizava a povoação. O cerne da intervenção, centrada no plantio simbólico das árvores nos arruamentos da vila, era o de motivar os cascalenses para participarem na identificação dos problemas que afectavam Cascais e para que, em conjunto com as instituições municipais, criarem ideias, projectos e estratégicas que devolvessem à vila a pujança que havia tido noutros tempos.

Em ano de eleições autárquicas, que uma vez mais colocam nas mãos dos cascalenses os destinos desta sua terra, importa relembrar estes projectos, não só pela importância que tiveram noutros tempos, como também pelos ensinamentos que deixam pistas para a definição do futuro que queremos para Cascais.

Sem redes sociais e sem os facilitismos de comunicação que hoje temos, o Cascais de há 40 anos seguia bem longe do vazio dos discursos que hoje enchem as discussões que acompanham o acto eleitoral, juntando sensibilidades diferentes, opções político-partidárias por vezes divergentes e origens sociais díspares em torno do Amor que os unia em torno dos reais interesses desta Nossa Terra! Porque de mãos sujas na terra das nossas ruas, todos eram iguais na apreciação das coisas boas que iam surgindo para melhorar a vida da comunidade cascalense.

Outros tempos.

 
 
 
Fotografias de João Cabral da Silva

 

Quando Cascais Comemorou os seus Campeões Mundiais

João Aníbal Henriques, 09.05.25

 

por João Aníbal Henriques

Em 1982 a Selecção Nacional de Hóquei em Patins sagrou-se Campeã Mundial da Modalidade na sequência de um jogo de emoções fortes que colocou os representantes de Portugal frente a frente com a fortíssima Selecção Espanhola.

Da equipa vencedora, que comemorou o título em Barcelos, no Norte de Portugal, faziam parte três ilustres jogadores que eram naturais do Concelho de Cascais. José Leonilde dos Santos Leste, João Sobrinho e Victor Manuel dos Santos Carvalho, conhecido como “Xana”, contribuíram de forma decisiva para o resultado de Portugal e ajudaram a promover o país e a região em todo o Mundo e a Câmara Municipal de Cascais, em parceria com a Sociedade Propaganda e demais instituições da sociedade civil cascalense, não quiseram deixar passar o grandioso momento sem homenagearem publicamente esses três grandes vultos do desporto municipal.

 


Numa cerimónia formal organizada pelo Vice-Presidente da Sociedade Propaganda, Benjamim de Quaresma Dinis e pelo então Presidente da Câmara Municipal de Cascais, Carlos Alberto Rosa, as forças vivas de Cascais uniram-se ao então Secretário de Estado dos Desportos, João Serra e Moura, e atribuíram aos jogadores homenageados a placa de honra do município de Cascais. Estiveram presentes, para além dos já referidos, os vereadores José Augusto da Silva Fialho, do CDS, a Vereadora Maria Olga Salgueiro Sande Filipe Ferreira, do PS, e o Vereador João Vanzeller da APU. De salientar ainda a presença do mítico e saudoso Padre Miguel, dos Salesianos do Estoril, que havia sido o primeiro orientador técnico dos homenageados no início da sua prática desportiva, e que se mostrou particularmente comovido com a justíssima homenagem aos seus antigos alunos salesianos.

O Presidente da Câmara Municipal, num discurso igualmente marcado pelo registo de enorme satisfação sentida por todos os cascalenses pelo grande feito alcançado por estes seus conterrâneos, veio reforçar o papel extraordinário desempenhado pelos Salesianos do Estoril e, sobretudo, pelo Padre Miguel, no desenvolvimento da excelência através de uma aposta firme e determinada na promoção do desporto junto dos mais jovens munícipes de Cascais.

 


O Salão Nobre dos Paços do Concelho, apinhado de gente de Cascais que aplaudiu emocionadamente os campeões, encheu-se assim de um orgulho que extravasou até o feito alcançado no hóquei em patins, transformando-se num verdadeiro catalisador que uniu os cascalenses em torno da ideia de mérito e de excelência que havia sido alcançada.

Uma memória muito feliz do Cascais de 1982 que nos permite recuperar as recordações de várias personalidades que tanto contribuíram para a excelência da Nossa Terra!

 

 
 
 
Fotografias César Cardoso

 

Manuel Possolo e as Memórias Profundas de Outros Carnavais em Cascais

João Aníbal Henriques, 23.02.17

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Quando Manuel Possolo nasceu, em 1910, Cascais enfrentava um dos maiores desafios da sua história. A implantação da república, pondo fim à relação afectiva que a vila possuía com a Família Real, condicionou o desenvolvimento da localidade, exigindo imaginação e uma imensa capacidade de adaptação para que os novos tempos mantivessem incólume o registo de qualidade que até aí tinha sido apanágio de Cascais.
 
Mas a Nossa Terra esteve à altura do desafio. Marcando de forma extraordinária os novos tempos de Portugal, Cascais foi capaz de se reinventar, recriando uma nova geração de Cascalenses que souberam honrar a herança dos antepassados, ousando singrar um caminho novo ao qual dedicaram a sua vida e que foi essencial na definição da nossa nova identidade.
 
José Florindo de Oliveira, Boaventura Ferraz, Armando Vilar, Fausto Figueiredo e Abreu Nunes foram alguns dos vultos maiores desta época grandiosa. A vocação turística de Cascais, que a marca “Estoril” dignamente representou, assentava no carácter único desta terra especial e na dinâmica empresarial dos seus primeiros promotores. Mas entre eles, com uma capacidade visionária e um espírito empreendedor fora do usual, estava alguém que marcou definitivamente o futuro municipal…
 
Manuel Possolo foi um dos mais activos membros da sociedade civil Cascalense. Enquanto director da Sociedade Propaganda de Cascais, foi um dos fundadores do Clube Naval de Cascais e um dos entusiastas que deu corpo às inúmeras iniciativas de propaganda da vila, nomeadamente os concursos de montras, os bailes de angariação de fundos para construção do hospital e da praça de toiros e os corsos de Carnaval.
 
 
 
 
A sua paixão pelos cavalos, que começou com a transformação do fosso da Cidadela numa espécie de picadeiro que servia para treino hípico, culminou com a realização de muitas dezenas de concursos de saltos que transformaram os Estoris numa das referências hípicas mundiais.
 
Foi ele quem viabilizou a cedência de uns terrenos que pertenciam ao Visconde dos Olivais, para ali se construir um moderno e magnífico hipódromo onde decorreu, em 1937, o primeiro grande concurso hípico de Cascais. A qualidade do seu trabalho foi reconhecida em 1961, quando o Presidente da República o agraciou com a Medalha de Mérito Desportivo, assumindo a importância que teve na promoção internacional de Cascais através da fama de excelência e do prestígio que os concursos hípicos que organizava traziam para a Costa do Estoril.
 
Quase esquecido da generalidade dos Cascalenses, que recentemente viram uma parte substancial dos terrenos do hipódromo transformados num inusitado parque de estacionamento (!), a memória de Manuel Possolo perdura singelamente na designação oficial do equipamento que criou: “Hipódromo Municipal Manuel Possolo”.
 
Faleceu no Carnaval de 1979 e a sua memória cruza-se com a Memória Colectiva e com a própria Identidade Municipal.
 
A bem de Cascais!

Armando Vilar – A Força e a Determinação dos Grandes Cascalenses

João Aníbal Henriques, 21.12.16

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Cascais sempre foi uma terra especial e diferente. O seu charme resulta da sua inesquecível paisagem e dos extraordinários recantos que tem, mas também do carácter extraordinário das suas gentes. Mas esta diferença, visível nos grandes e nos pequenos acontecimentos que compõem o devir quotidiano da vila e do concelho, assenta na força, na determinação, na coragem e num amor inequívoco por Cascais por parte de alguns munícipes diferentes.
 
Desde 1364, quando Dom Pedro I a libertou do jugo administrativo de Sintra, que Cascais foi tendo figuras ímpares que, por amor a esta Nossa Terra, se entregaram totalmente à defesa das suas gentes. Alguns eram ricos, outros nem tanto; alguns eram politicamente poderosos, outros eram a antítese disso; alguns possuíam apelidos importantes, outros construíram-nos nestas terras; mas há algo que os define a todos de forma abrangente: a devoção por Cascais e pelos interesses dos Cascalenses.
 
Neste início de mais um Inverno, quando os dias de Natal já estão tão perto, dedicamos a nossa homenagem especial a um dos maiores Cascalenses de sempre. Armando Penin Gomes Vilar, nascido em Cascais em 1889, foi durante muitas décadas a pedra angular sobre a qual se construiu o Cascais em que vivemos.
 
Neto de João Gomes Vilar, o proprietário da conhecida Escola do Arco, que se situava na rua que acedia à Praia da Ribeira através de um arco ali existente, Armando Vila fez parte de uma as mais marcantes gerações de Cascalenses. Do seu grupo de colegas que frequentavam a escola do avô, faziam parte João de Avelar Lopes, que mais tarde fundaria o Registo Civil, Guilherme Cardim, fundador da tipografia com o mesmo nome que durante muitas décadas imprimiu quase tudo o que se produzia nesta terra, e Joaquim Nunes Ereira, fundador do Casino Estoril.
 
Foi aliás este último, que explorava uma casa de jogo situada junto ao mercado velho, quem desafiou Armando Vilar para uma sociedade que haveria de mudar radicalmente a face do velho burgo Cascalense. Depois de lhe ouvir contar os problemas que estava a ter na Câmara Municipal onde trabalhava como amanuense, Nunes Ereira propõe-lhe a criação de uma sociedade com o objectivo de explorarem o jogo nos casinos existentes no Monte Estoril. Juntamente com Guilherme Cardim, Joaquim Ereira e João Aranha, Armando Vilar reorganiza então o jogo no Casino Português, no Casino Internacional do Monte e, mais tarde, depois de arrendarem a Fausto Figueiredo o direito à exploração do jogo no Estoril, no primeiro casino construído no Parque Estoril.
 
A Sociedade Estoril Plage, ainda hoje existente e primeiro motor da actual Marina de Cascais, do Golfe do Estoril, das Termas do Estoril e de vários dos mais emblemáticos hotéis da região, nascia assim dando corpo ao desenvolvimento da marca internacional ‘Estoril’ e com ela ao nascimento da vocação turística municipal de Cascais.
 
Tendo sido dinamizador do Casino Estoril, Vilar foi um dos mais activos dirigentes da Junta de Turismo do Estoril, na qual, com Abreu Nunes, deu forma a várias décadas de propaganda que levaram a todo o Mundo o prestígio do Estoril e cujo sucesso marcou definitivamente o assumir de Cascais como principal gerador do turismo Português. Nesse âmbito, foi também fundador e Presidente da Sociedade Propaganda de Cascais, do Clube Naval de Cascais e de muitas outras instituições da sociedade civil.
 
 
 
 
Mas não foi só no jogo que Armando Vilar contribuiu para a construção da Nossa Terra. Depois de ter adquirido a Quinta das Patinhas e uma parte substancial dos terrenos situados no Vale da Ribeira das Vinhas, Armando Vilar recentrou as suas atenções no apoio aos mais desprotegidos e a todos os desfavorecidos pela sorte que abundavam nesta terra.
 
Conselheiro Municipal durante muitos anos, intervindo directamente na política de requalificação da habitação dos mais humildes cascalenses, foi um dos impulsionadores do movimento que levou à construção dos primeiros bairros sociais de Cascais que, com mote bem diferente do que hoje temos, pretendiam assegurar condições de vida condignas a todos os munícipes através de campanhas de sensibilização e recolha de fundos que envolviam todos os Cascalenses.
 
Na sua faceta social, foi um dos mais marcantes provedores da Santa Casa da Misericórdia de Cascais, onde durante mais de duas décadas tudo fez para dotar a vila de toda a espécie de equipamentos. Foi a sua entrega à defesa intransigente de Cascais que permitiu a construção da Praça de Touros, do Hospital dos Condes de Castro Guimarães, e de muitas escolas, creches e equipamentos de apoio aos mais desfavorecidos que literalmente mudaram a face do Cascais do seu tempo.
 
Quando faleceu em 1989, já com cem anos feitos, Armando Vilar era ainda um dos mais activos defensores da Nossa Terra. Garboso no seu porte de grande senhor de Cascais, continuava a intervir amiúde na defesa dos interesses das suas gentes, mantendo a coragem e a força que tinha utilizado quando tinha vinte anos para orientar esta terra.
 
Armando Penin Gomes Vilar deixou-nos há já 27 anos mas, em cada canto e recanto de Cascais subsistem as memórias extraordinárias de quem ele foi e daquilo que fez. Apesar de ter sido agraciado com várias distinções importantes, como a Comenda da Benemerência, o grau de Oficial da Ordem de Cristo, a Medalha de Dedicação da Cruz Vermelha Portuguesa ou a Comenda de Mérito Civil de Espanha, importa relembrar às gerações vindouras a importância que teve na definição da Memória Colectiva e da Identidade Municipal dos Cascalenses.
 
No seu inultrapassável “Cascais Menino”, Pedro Falcão referia-se a Armando Vilar dizendo que “era de gente desta que nós precisávamos para orientar e defender a Nossa Terra…
 
E tinha razão. Cada vez mais à medida em que os anos vão passando.
 
A bem de Cascais!
 

O Círio de Nossa Senhora do Cabo na Paróquia de Cascais

João Aníbal Henriques, 02.12.16

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Depois de um interregno de mais de 50 anos desde a sua última visita a Cascais, a Veneranda Imagem Peregrina de Nossa Senhora do Cabo regressou à Nossa Terra, no ano de 2002-2003 retomando assim o milenar Círio Saloio do Cabo Espichel.
 
A iniciativa do então Prior de Cascais, Padre Raul Cassis Cardoso, foi essencial para a recriação daquela que é uma das mais antigas tradições Cascalenses. Numa parceria com a Sociedade Propaganda de Cascais, que nessa altura assumiu a responsabilidade de recuperar a memória ancestral daquele importante acto devocional, foi possível reconstituir os rituais que a passagem do tempo havia feito esquecer e recriar toda uma existência religiosa que há muito tempo não existia nesta Freguesia.
 
 
 
 
Para o êxito desta iniciativa, que consolidou de forma efectiva a Identidade Cascalense, foi essencial o trabalho conjunto e o apoio da então Câmara Municipal de Cascais, presidida pelo Dr. António Capucho, da Junta de Freguesia de Cascais, Presidida por Pedro Silva, e da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Cascais. Mas, acima de tudo, foi de primordial importância a forma extraordinariamente empenhada e motivada que caracterizou a participação dos cascalenses e das diversas instituições da sociedade civil de então nas muitas cerimónias que fizeram parte deste Círio.
 
 
 
 
O Círio de Nossa Senhora do Cabo Espichel, expressão ancestral de uma devoção profundamente ligada à terra e à sobrevivência das comunidades dela dependentes, recupera a antiga lenda do aparecimento de Nossa Senhora a um saloio de Alcabideche precisamente no ponto de ligação entre Cascais e Sintra. O investigador Vítor Adrião, no seu livro “Sintra Serra Sagrada”, aponta expressamente a sobreposição simbólica do Cabo Espichel, promontório sagrado da Portugalidade, à imagem ideal do Monte Carmelo, eixo de Fé da comunidade religiosa carmelita que em Cascais veio ocupar e dinamizar o antigo Convento de Nossa Senhora da Piedade e que, dessa forma, congregou as mais sublimes expressões da sabedoria sagrada na comunidade Cascalense. Diz Adrião que “os dogmas teologais terão servido, tão só, de capa protectora, ante o vulgo profano, ao entendimento iluminado da Sabedoria Divina oculta dentro das paredes pias deste Colégio de Filosofia, esta que é, sabe-se, o umbral dialéctico da Teosofia”.
 
O Círio Sagrado de Nossa Senhora do Cabo, profundamente sentido pela comunidade cascalense, insere-se assim numa dinâmica de Fé da qual depende a existência efectiva dos mais ancestrais arquétipos de pensamento de Cascais. É essa ligação, quantas vezes menosprezada ao longo da História mais recente desta terra, que determina e possibilita a criação e desenvolvimento dos laços essenciais de cidadania comunitária na Nossa Terra.
 
 
 
 
A memória colectiva de Cascais, em 2002-2003 como em todas as outras vezes em que a Imagem de Nossa Senhora do Cabo por aqui passou, ficou profundamente marcada por este acontecimento que só se repetirá, no âmbito da concretização da praxis determinada pelo ancestral círio saloio, em 2032. Nessa altura, recuperando as memórias calorosas que marcaram o início do Século XXI e o despontar do novo milénio, Cascais renovará os votos de Fé e devoção que marcaram sempre a sua História, reforçando os vínculos de cidadania que esta última visita de Nossa Senhora do Cabo foi capaz de fazer renascer.
 

A bem de Cascais!

 
Fotografias da autoria de Sara Liberdade

Abreu Nunes - 50 Anos de Saudades em Cascais

João Aníbal Henriques, 14.10.16

 

 
 
 
Cumprem-se por estes dias 50 anos desde o falecimento, em Cascais, do Engenheiro Augusto Jayme Telles de Abreu Nunes. Nascido no Funchal em 30 de Outubro de 1891, o Engenheiro Abreu Nunes é hoje, por infelicidade dos tempos em que vivemos, figura quase desconhecida dos Cascalenses. Mas do seu empenho na defesa de Cascais e da sua vida dedicada a esta Nossa Terra, depende quase tudo o que o município é hoje.
 
 
A intervenção cívica de Abreu Nunes começa logo depois da sua chegada a Cascais. Em 1934, quando Cascais se preparava para enfrentar os desafios enormes que foram o resultado das alterações provocadas no Mundo e na Europa pelas guerras mundiais, foi ele quem esteve à frente do processo de criação da Comissão Administrativa da futura Comissão de Propaganda de Cascais, organismo embrionário da futura Região de Turismo do Estoril.
 
 
 
 
Na senda do trabalho realizado por Fausto Cardoso de Figueiredo, mentor e principal impulsionador do primeiro projecto turístico de Portugal – o Estoril -, Abreu Nunes cria em Cascais as bases que hão-de servir para promover a região a nível internacional. Com uma visão fora do seu tempo, aliando a capacidade de concretizar à noção exacta da importância deste recanto no contexto da animosidade crescente que grassava no velho continente, foi ele quem imaginou o Estoril como espaço privilegiado para receber em imensos exílios dourados grande parte das principais figuras da aristocracia mundial, reservando para o município Cascalense a honra de se ter tornado num dos destinos turísticos de referência no contexto europeu.
 
 
 
 
À frente da Comissão de Propaganda de Cascais, foi durante muitos anos responsável pelo programa de festas na velha vila piscatória, elaborando um vasto conjunto de iniciativas que desenvolviam a região fomentando a actividade económica e promovendo-a a nível internacional. E, mais importante do que tudo o resto, organizou estes eventos sempre com um cariz de intervenção social. De facto, dos bailes de Carnaval aos concursos de montras e de flores, tudo o que acontecia na região tinha como objectivo a angariação de fundos que serviam para apoiar as grandes obras de que Cascais necessitava para apoiar os mais pobres. As escolas, os lares de idosos, o velho hospital e a Praça de Touros, são somente alguns exemplos de equipamentos de que Cascais foi dotado com verbas oriundas da animação organizada por Abreu Nunes na comissão.
 
Foi também ele quem, em 1934, esteve à frente da inédita organização do primeiro concurso hípico de Cascais, no espaço onde mais tarde se haveria de construir o Hipódromo Municipal Manuel Possolo, recriando assim uma das mais arreigadas tradições desta terra.
 
Mais tarde, em Janeiro de 1939, o Engenheiro Abreu Nunes extingue a velha comissão e dá origem à nova Sociedade Propaganda de Cascais, da qual será o primeiro presidente, entidade que promoverá a construção da Maternidade de Cascais, do Clube Naval de Cascais, do novo Hospital da Misericórdia, etc.
 
Reconhecendo a sua dedicação e a capacidade de concretização demonstrada através das várias iniciativas que desenvolveu, o Governo de Portugal convida-o para instituir e presidir à Junta de Turismo da Costa do Sol. Nesse novo cargo, Abreu Nunes foi um dos pilares da estratégia de promoção internacional da marca turística ‘Estoril’ que durante 100 anos será uma das mais pujantes e bem conseguidas operações turísticas de Portugal.
 
 
 
 
A dinâmica da Junta de Turismo, que utilizava as mais modernas técnicas de marketing daquela época, é um dos traços da posição vanguardista de Abreu Nunes no Portugal de então. Os cartazes de promoção do Estoril, impulsionadores de muito daquilo que virá a ser a propaganda oficial de Portugal, traduzem bem o projecto que ele defendia para transformar esta terra numa espécie de Côte d’Azur Portuguesa.
 
No dia 12 de Outubro de 1966, a poucos dias de celebrar o seu 75º aniversário, o Engenheiro Abreu Nunes faleceu na sua casa de Cascais, deixando um legado que mudou literalmente a face da sua terra.
 

 

Cinquenta anos depois, vale a pena relembrar este Cascalense, na certeza de que a aura de excelência que hoje acompanha Cascais muito deve à sua capacidade de visão e ao mérito da sua aposta na promoção fundamentada do seu (nosso) Estoril. 
 
 
 

Quando o Estoril era um Destino Turístico de Excelência

João Aníbal Henriques, 08.04.15

 

 
 
Noutros tempos as prioridades eram diferentes. Cascais criou e desenvolveu a marca 'Estoril' queservia de base à sua promoção internacional. O Estoril logo se tornou numa referência mundial em termos de turismo de qualidade e, quando o poder político actual decidiu extingui-lo, era o terceiro destino turístico mais pujante de Portugal... São opções que põem em causa os interesses de Cascais e dos Cascalenses.