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Cascais: um caminho para Portugal e para a Europa

João Aníbal Henriques, 12.06.20



por Pedro Gomes Sanches e João Aníbal Henriques

in "O Observador" 12 de Junho de 2020

Cascais é a mais sadia terra que se sabe em Portugal. Assim o disse Frei Nicolau de Oliveira, no seu "Livro das Grandezas de Lisboa" no Século XVI, e o confirmámos nós, desde o início dos anos 90 do século passado quando, num velho Mini Moke amarelo, calcorreamos juntos cada canto e recanto desta terra que agora festeja o seu 656.º aniversário.
 
Pode parecer presunção que dois Cascalenses de gema, criados com os aromas, as cores e as memórias muito vivas de uma infância em Cascais, venham agora a público dizer que a Europa também nasceu em Cascais. Mas não é. Porque a História, que nasce pujante nas pedras velhas da Villa Romana dos Casais Velhos , nos comprova que a púrpura ali fabricada alquimicamente teve papel decisivo na génese Católica, Apostólica e Romana da Europa em que vivemos.
 
Portugal, de uma forma geral, e Cascais, em particular, estão muito longe do estereótipo imposto à Europa pela centralidade franco-germânica. Não são, como muitos lá fora por desdém teimam em dizer, e muitos cá dentro por incúria teimam em confirmar, as periferias pobres e desinteressantes que, situadas no Finisterra dos Romanos, nada têm a acrescentar à História.
 
Pelo contrário. Portugal é a cara de uma magnífica Europa, plena de futuro e capaz de representar e acolher todos. Ou não tivesse já Pessoa, antes de qualquer União Europeia, afirmado que o rosto com que a Europa fitava o Ocidente, futuro do passado, era Portugal. A sua localização atlântica, vocação turística centenária e cosmopolitismo, transformam este país numa janela de oportunidades para uma Europa que respeite as diferenças e seja capaz de rentabilizar o seu conhecimento e a sua experiência para estabelecer alianças com outros povos. O Portugal que herdámos é a ponte de ligação directa a África, à América do Sul e à Ásia, tendo a potencialidade e também o dever de contribuir de forma pragmática para encontrar respostas que permitam inverter a crise geral em que parecemos mergulhados, e nos libertar do atavismo a que parecemos condenados.
 
E se há exemplo de que tal é possível, ele está precisamente aqui em Cascais. Na comemoração de mais um aniversário, ouvindo ao longe os passos abafados dos pescadores nossos avós que receberam o seu foral em 1364, temos um Cascais reforçado por um polo de ensino superior que reúne o melhor que existe no Mundo nas áreas da ciência, da economia e da gestão. Cascais hoje exporta saber, conjugando a experiência de muitos séculos e a sabedoria avoenga com a ambição futurista dos nossos filhos. E fá-lo com um património histórico e arqueológico recuperado para servir de atractivo à visita de todos aqueles que desejarem aprender e deslumbrar-se com as experiências extraordinárias que estamos preparados para lhes proporcionar, bem como alimentando a memória dos que cá vivem lembrando-os quem são e donde vieram.
 
A já recuperada Villa Romana de Freiria, em São Domingos de Rana; o antigo Convento de Nossa Senhora da Piedade, actual Centro Cultural de Cascais; a Casa Sommer, actual arquivo histórico; as Grutas Neolíticas de Alapraia, cujo núcleo de interpretação será em breve devolvido aos Cascalenses; as Grutas Pré-Históricas do Poço Velho, em pleno coração da vila; ou a fábrica de púrpura dos Casais Velhos, junto ao Guincho; são apenas alguns exemplos de que estamos preparados para o futuro sem esquecer o passado.
 
Mas Cascais não é só património edificado. Num tempo, ora vagamente esquecido por força da crise pandémica, de emergência climática, Cascais está também na linha da frente na preservação do seu património ambiental e da sua biodiversidade. Da Duna da Cresmina à praia das Avencas, passando pela Ponta do Sal, Quinta do Pisão ou Ribeira das Vinhas; da aposta na mobilidade light ao envolvimento empenhado e estratégico na mobilidade metropolitana de Lisboa; são apenas alguns exemplos de que sabemos inovar sem deixar de preservar.
 
Mas que Europa é esta de que falamos e que país é este que projectamos a partir de Cascais?

Esta é uma Europa de Nações, assumindo a diferença de cada um como contributo inestimável para um todo mais forte. Uma Europa baseada no respeito pelo outro que, num Mundo em permanente convulsão, conhece as suas origens e tem a capacidade para se afirmar com contributos decisivos que nenhum outro pode promover. Um Europa, com Portugal na linha da frente, com a marca de um pluralismo onde todos cabem. E uma Europa livre, democrata e inovadora.
 
E o país? Um país à imagem de Cascais. Nos 656 anos de Cascais, o nosso mote é o reforço da identidade, da promoção da cultura, da gestão das memórias e por outro lado da capacidade de fazer por nós, de inovar e de olhar com optimismo e determinação o futuro. Porque nós Cascalenses temos orgulho no nosso passado, trabalhamos arduamente no nosso presente e estamos preparados para enfrentar sem medo o futuro. Chamando a nós, sem o velho fado do queixume, o desenho do nosso destino. É por isso, pelo futuro que constrói e pelo passado que honra, que Cascais está de parabéns!

 

O Ultimatum Inglês de 11 de Janeiro de 1890

João Aníbal Henriques, 11.01.20

 

 
 
 
Numa outra Europa, numa outra realidade e noutro Mundo, na Conferência de Berlim, ocorrida nos anos de 1884 e 1885, os principais países ditos civilizados combinam entre si a divisão do Continente Africano. E fazem-no, de regra e esquadro na mão, em profundo desrespeito pelos Direitos do Homem… Em 1890, a Coroa Portuguesa recebe da parte do Primeiro-Ministro Inglês um telegrama com uma ignóbil ameaça: abandonar imediatamente os territórios africanos entre Angola e Moçambique…
 
 
por João Aníbal Henriques
 
 
Cumprem-se hoje 130 anos desde que Portugal sofreu uma das maiores injúrias da sua história. Pela mão de Lord Salisbury, o então acizentado Primeiro-Ministro Britânico, chegou a Portugal um telegrama dirigido a Sua Majestade El-Rei Dom Carlos instando a que as forças militares Portuguesas fossem retiradas de imediato dos territórios onde se encontravam entre as actuais fronteiras de Angola e Moçambique.
 
A história vinha de longe e demonstra bem a forma como se organizou a Europa em que hoje vivemos. Em 1884/1885, em Berlim, as principais potenciais Europeias, procurando evitar uma guerra que sabiam que seria devastadora (como foram mais tarde a I e a II Guerras Mundiais), juntaram-se para dividir entre si os territórios africanos.
 
 
 
 
 
E, em profundo desrespeito pelos povos que lá viviam, e que nem sequer são mencionados no dito tratado, fazem-no com regra e esquadro, como se dividissem entre si os despojos de um mero saque corsário a um navio qualquer.
 
De forma complementar, porque o território africano não tinha ainda sido completamente reconhecido e explorado, criam legislação que permite que os países que promovam essa exploração e que ocupem os territórios que ficaram foram das partes assumidamente entregues a cada um deles (as melhores certamente…) passam a deter direitos de posse sobre os mesmos.
 
O Monarca Português, Dom Carlos de Bragança, ciente da importância desta prerrogativa, desenvolve então o chamado “Mapa Cor-de-Rosa” que, em linha com o que havia ficado decidido na Conferência de Berlim, permitia a Portugal ligar os territórios de Angola e de Moçambique, explorando a parcela de espaço que ligava ambas as colónias.
 
 
 
 
O País, sempre desprovido de meios e da riqueza que sempre são necessários para estes grandes projectos, faz literalmente “das tripas coração” e desenvolve um grande projecto de exploração e ocupação do território africano, num ímpeto de descoberta que só é comparável ao período áureo da expansão marítima renascentista.
 
O resultado cedo se fez sentir, porque a Inglaterra, aliada de sempre de um Portugal dependente da bondade externa, logo avançou com o célebre ultimatum para impor a Portugal o abandono dos territórios que legalmente e ao abrigo das decisões tomadas em Berlim, o País se encontrava a explorar e que legitimamente pretendia integrar no espaço territorial Português.
 
Como facilmente se imagina, restava muito pouco espaço de manobra à Coroa Portuguesa e a ordem, desrespeitosamente enviada por correio, foi de imediato cumprida. Ficou abalada a Corte, ficou fragilizado o Rei, ficou diminuído o País. E Portugal demorou cerca de 50 anos a recuperar o brio perante o seu parceiro inglês.
 
 
 
 
Numa época como a actual, na qual se afigura urgente repensar a Europa que temos e em que vivemos, vale a pena analisar com acutilância o significado profundo do Ultimatum Inglês a Portugal. Porque na sua origem mais próxima, ou seja, nos meandros diplomáticos da Conferência de Berlim, se escondem grande parte dos mais significantes segredos da diplomacia Europeia de então. E foi com essa gente, nessa geração e com base nessa forma se ser, de estar e de pensar, que se começou a delinear o projecto da Europa actual.
 
 
E se o desrespeito pelo próximo foi o mais notório dos pilares então contruídos, não é igualmente displicente a falta de respeito dos grandes pelos pequenos e dos poderosos perante os oprimidos.
 
A assinatura do Tratado de Maastricht, em 1992, serviu de mote para a reformatação dos valores e princípios que haviam nascido em 1884-1885. Mas a opressão federalista que marca este tratado (e que nos constrange até hoje) pouco ou nada diverge da prepotência demonstrada pelos que detinham poder no Berlim de então.
 
Desde essa altura até agora tivemos na Europa duas Guerras Mundiais. Conhecemos dezenas de guerras civis e de conflitos de todas as espécies nos quais pereceram milhões de Seres Humanos sem culpa formada.
 
Chegou a hora, 130 anos depois, para repensar esta Europa, para reponderar Portugal e para o fazer em respeito profundo pelos valores maiores que a humanidade não pode deixar de fazer prevalecer.