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cascalenses

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O Palácio Real da Ajuda

João Aníbal Henriques, 23.03.17

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Causa estranheza, para quem deambula desinteressadamente pelos arrabaldes de Belém, em Lisboa, o enorme palácio inacabado da Ajuda. Em primeiro lugar pela sua dimensão inesperada num ponto esquisito da cidade; Depois, porque a sua magnífica fachada neo-barroca contrasta de forma impactante com as traseiras inacabadas e em cenário de pré-ruína; e por fim, porque a alguns metros do monumental edifício, se ergue uma também ela monumental torre do relógio, com o seu galo de ferro forjado, que parece perdida no meio de um vasto e quase sempre vazio parque de estacionamento…
 
Mas a explicação para este estranho fenómeno monumental de Lisboa é simples e está directamente relacionada com uma série de azares e infortúnios que marcaram a vida da capital e a de todos os Portugueses.
 
O primeiro desses desastres foi provavelmente o maior cataclismo de sempre na História de Portugal: o grande terramoto de 1755. Na manhã do dia 1 de Novembro, quando a velha cidade medieval de Lisboa se preparava para devotamente assistir à Missa do Dia de Todos-os-Santos, a terra tremeu de forma tremenda, praticamente destruindo três quartos da área total da capital. Como se tal não bastasse, o cataclismo foi seguido de um maremoto inimaginável, que fez as água do Rio Tejo subir até ao actual Marquês de Pombal, que foi seguido de uma devastação brutal imposta por sucessivos incêndios.
 
 
 
 
Num cenário apocalíptico de destruição e ruína, Lisboa viveu muitos dias de medo. Os habitantes temiam a possibilidade de novas réplicas e, não só a instabilidade ao nível dos elementos, como a interpretação do fenómeno como tradutor da cólera divina perante os seus habitantes, pareciam combinar-se para gerar uma onda generalizada de refugiados que procuravam afastar-se o mais possível da cidade.
 
O Rei Dom José I e a Família Real, por um acaso que foi essencial na determinação daquilo que viria a ser o rumo da própria História de Portugal, tinha passado essa noite em idílico refúgio em Belém, local menos afectado pela onda sísmica, razão pela qual todos escaparam incólumes ao desastre. Mas, se escaparam sem ferimentos físicos à devastação trazida pela fúria da natureza, não conseguiram livrar-se da angústia perante o acontecido e, sobretudo, do medo que era comum a todos os súbditos que fugiam da cidade. Temente a Deus e cheio de medo de que tal cenário de catástrofe pudesse vir a repetir-se, terá o Rei indicado ao seu braço-direito, o Primeiro-ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal, que jamais voltaria a dormir numa casa de alvenaria!
 
E assim foi. Cumprindo as ordens reais, foi a Família real instalada num palácio construído precariamente em madeira numa velha quinta comparada por Dom João V na zona da Ajuda, que popularmente passou a ser conhecido como a “Real Barraca da Ajuda”, para onde se transferiram grande parte dos bens de outros palácios reais e nomeadamente aqueles que haviam escapado aos escombros do velho Paço da Ribeira.
 
 
 
 
A Real Barraca, plena de sumptuosidade e ocupando uma área maior do que aquela que ocupa o actual palácio, foi imaginada pelos melhores arquitectos de então, e decorada com o luxo que estava associado à importância e à riqueza da Casa Real Portuguesa. Petrone, Mazone e Veríssimo Jorge, foram apenas três dos personagens ilustres que ajudaram Dom José a transformar a estrutura precária num dos mais ilustrados palácios da Europa de então. À sua volta, por ordem do Marquês de Pombal, foi construído o primeiro Jardim Botânico de Lisboa, enquadrado na soberba paisagem fronteira ao Tejo e encabeçada pela construção também ela monumental de uma imensa Capela Real em madeira, cujo perfil marcou em definitivo o cenário régio da cidade.
 
Tendo ali vivido até à sua morte em 1777 o Rei Dom José, a real Barraca da Ajuda depressa alcançou o prestígio social de centro da Corte, dali se definindo toda a política que haveria de recriar a moderna Lisboa que hoje temos.
 
 
 
 
A perenidade da construção e a passagem do tempo, condicionaram então a Família Real a repensar o modelo precário da estrutura onde habitavam e começaram a surgir os primeiros planos para a construção de um imenso palácio barroco em pedra no mesmo local. Subsiste até hoje, por ter sido a única estrutura efectivamente construída em pedra nesse tempo, a velha torre sineira do galo, que durante essa época áurea, estava completamente envolvida pelo abarracamento da velha patriarcal de madeira e pelo vetusto palácio.
 
Depois da morte do Rei e mercê do facto de a sua filha e sucessora viver correntemente no recém adaptado Palácio de Queluz, onde encontrava acomodações e conforto substancialmente superior àquele que exista na Ajuda, ficou a velha barraca numa situação de cada vez mais precário abandono, tendo sido completamente destruída, mercê do infortúnio de um incêndio que acidentalmente a destruiu por completo, no ano de 1794. Tendo sobrado unicamente a velha torre do relógio, o Príncipe-Regente D. João ordenou o início da construção de um novo palácio, seguindo os traços e os projectos que desde há muito tempo se estavam a preparar para o local.
 
Com traço de Manuel Caetano de Sousa, o novo palácio barroco da Ajuda começa a ser construído logo nesse ano mas, mercê de vicissitudes diversas a que não é alheia a invasão francesa e a fuga da Família Real para o Brasil, as obras são suspensas provisoriamente, só recomeçando depois da crise, e depois de o projecto inicial ter sido modificado e modernizado por Francisco Xavier Fabri e José da Costa e Silva, ao sabor das mais modernas correntes de pensamento do início do Século XIX.
 
 
 
 
Não estando ainda terminadas as obras quando o novo Rei Dom João VI regressa a Lisboa, opta a família real por habitar o Palácio da Bemposta e o recém-renovado Palácio das Necessidades, deixando as obras da Ajuda num lento marasmo que se vai prolongar ao longo de muitos anos. Durante o curto reinado de D. Miguel, é na Ajuda que se assiste à sua proclamação e às principais cerimónias de Estado, sendo também ali que virá a ser aclamado o Rei Dom Pedro V, já em pleno período liberal.
 
Depois, quando o romantismo trazido da Alemanha pelo Rei-Consorte Dom Fernando II de Saxe-Coburgo-Gotha se concretiza no ambiente bucólico da Pena, em Sintra, o fausto só regressa ao Palácio Real da Ajuda pela mão da Rainha Dona Maria Pia de Sabóia, esposa do Rei Dom Luís, que se apaixonou pelo espaço e, para além de ter tentado concluir as obras sempre inacabadas das alas Norte e Poente do edifício, se encarregou pessoalmente do adaptar às necessidades do seu tempo e de o decorar de acordo com o seu requintado gosto italiano. Foi ela quem, aliás, ali viveu de forma ininterrupta depois da morte do Rei Dom Luís e durante todo o reinado do seu filho, D. Carlos e, depois, até à Implantação da República em Outubro de 1910.
 
Agora, cerca de 200 anos depois do início das obras, foi finalmente anunciada a conclusão da fachada Poente do palácio, num projecto apresentado em finais de 2016 pelo Primeiro-Ministro e com traço do Arquitecto João Carlos Santos.
 
 
 
 
Os esboços apresentados, cuja execução orça cerca de 15 milhões de euros, assumem uma linha de cisão muito controversa relativamente à traça original do edifício, implementando uma estrutura moderna em vidro que fechará definitivamente a História da Ajuda.
 
Inserida na mentalidade traumatizada da visão cultural do Portugal que hoje temos, o projecto que agora se apresenta deforma o Palácio Real da Ajuda e deturpa a visão que os Portugueses têm dele. Mas, pior ainda, dá corpo a uma abordagem de tal forma impressiva que, na dinâmica da arquitectura de cenário que a Ajuda sempre teve, configurará uma abordagem perfeitamente desenquadrada a ser concretizada pelas próximas gerações, num manancial de imposição egoísta de novos rumos e de novas abordagens que compromete toda a história deste local.
 
Assumindo a História de Portugal e a História de Lisboa, o Palácio Real da Ajuda deveria ser concluído seguindo o projecto inicial. Só assim, respeitando os ecos da História e a memória colectiva dos Portugueses, se poderia aspirar em manter a sua importante função de catalisadora da Identidade Portuguesa.

 

 

A Torre do Galo e a Real Barraca da Ajuda

João Aníbal Henriques, 20.03.17

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Porque o destino sempre se impõe à realidade, o desastre fatídico que destruiu a cidade de Lisboa no dia 1 de Novembro de 1755, não afectou directamente o Rei nem a Família Real. Por vicissitudes várias e naturalmente alheias ao terramoto, o Rei Dom José, a sua mulher e os filhos, encontravam-se no Palácio de Belém naquela ocasião terrível. O Paço Real, situado na zona fronteira ao Cais das Colunas, em pleno Terreiro do Paço, ficou exactamente no epicentro do sismo, tendo sido a zona mais destruída da Cidade de Lisboa.
 
Mas o monarca, que imediatamente visitou a cidade para tomar nota dos estragos produzidos, ficou bastante abalado psicologicamente pelo cataclismo. Regressado a Belém, zona considerada de menor actividade sísmica, afirmou categoricamente que nunca mais voltaria a viver em edifícios feitos de alvenaria e pedra. Para resolver a situação, e ainda com medo de eventuais réplicas que ainda devastassem mais a cidade, o Rei mandou construir, na Quinta da Ajuda, um enorme palácio real, feito de madeira e de materiais leves, cuja estrutura marcou de forma indelével a paisagem e o imaginário lisboeta durante muitos anos.
 
 
 
 
O palácio de madeira, conhecido popularmente como a Real Barraca, ocupava uma vasta zona sobranceira a Belém. Foi a sua estrutura, marcante do ponto de vista paisagístico mas também determinante para a consolidação urbana desta parte da cidade, quem ajudou a definir os novos arruamentos e o espírito urbanizador do novo bairro.
 
Agregado ao palácio abarracado, na denominada Quinta da Ajuda de Cima, foi também construída uma Capela Real, que tinha como principal função substituir a Igreja Patriarcal que tinha sido bastante abalada pelo terramoto. Também elaborada em madeira, com traço de Elias Sebastião Pope, a Capela Real integrava o único apontamento em alvenaria existente no conjunto original. A sua torre sineira, projectada pelo Arquitecto Manuel Caetano de Sousa, começou a ser construída em 1792, funcionando como Patriarcal de Lisboa até 1833, quando regressou à Sé de Lisboa.
 
 
 
 
Tendo perdido a sua funcionalidade, foi a antiga patriarcal de madeira mandada demolir no Século XIX, tendo restando unicamente a velha torre sineira.
 
Sendo hoje uma imagem de marca do Bairro da Ajuda, que conta com o galo em ferro forjado que encima a torre como seu símbolo heráldico, a Torre da Ajuda causa estranheza a quem dela se acerca sem conhecer a sua história. A sua monumentalidade, assente numa altura de muitos metros que a faz sobranceira ao próprio Palácio Nacional, a torre integra oito sinos que dão corpo à sua estrutura principal. Na cúpula, é o cata-vento em forma de galo, feito em ferro forjado, que lhe dá o cunho de estranheza que a torna tão imponente…
 
 
 
 
Em termos formais, a denominada Torre do Galo apresenta uma morfologia muito semelhante àquela que foi utilizada no Palácio das Necessidades e no Palácio de Mafra, sendo porventura um decalque do mesmo modelo que foi aproveitado para este efeito.  
 
Com a destruição da antiga Real Barraca por um incêndio e com a demolição da Capela Real, a velha torre ficou perdida no meio de um terreiro transformado em parque de estacionamento. Pelo que representa em termos da historiografia de Lisboa, pelo impacto que tem na paisagem da cidade e na definição do imaginário colectivo da Ajuda e de Belém, merecia que ali se concretizasse um projecto de valorização qualquer. Os escassos metros que a separam do palácio actual, com um murete de separação que regula o desnível produzido pelo terreno, não faz nenhum sentido, representando um verdadeiro atentado patrimonial à memória dos Portugueses.
 

O Beco do Chão Salgado e o Processo dos Távoras em Belém

João Aníbal Henriques, 24.02.15

 



 
No meio das mais macabras estórias que dão forma à História de Portugal, o processo que culminou com a execução da Família Távora, em Lisboa no tempo do Rei Dom José, é certamente um dos mais rocambolescos e enigmáticos, tendo deixado vestígios que sobrevivem passados mais de duzentos e cinquenta anos.
 
por João Aníbal Henriques
 
Estando situado numa das zonas mais movimentadas de Belém, a poucos metros do Mosteiro dos Jerónimos e dos afamados Pastéis de Belém, o Beco do Chão Salgado é desconhecido e passa despercebido da maioria dos muitos visitantes que por ali deambulam.
 
O pequeno beco, apinhado de casario que foi enchendo o antigo terreiro no qual havia sido proibido construir, está marcado por um obelisco em pedra que perpetua um dos mais significantes momentos da nossa história.
 
 
 
 
Depois do terramoto de 1755, que destruiu a Baixa de Lisboa e o palácio real que se situava no antigo Terreiro do Paço, o Rei Dom José e a Corte ficaram provisoriamente instalados na Ajuda, num conjunto de barracas montadas para o efeito e para onde foram transportados todos os luxos e mordomais da Casa Real.
 
Numa das suas incursões à cidade, dizem as más línguas que para visitar umas amigas, o rei terá sido alvo de um atentado em 1758, quando regressava à Ajuda, desencadeando um processo judicial complexo e pouco transparente que alterou por completo a História Moderna de Portugal e do qual ainda hoje não se conhecem nem os contornos, nem a substância e muito menos a realidade efectiva do que aconteceu.
 
O Marquês de Pombal, aproveitando a oportunidade para resolver o problema político que mais o apoquentava na época, ou seja, as permanentes tentativas por parte da velha nobreza para condicionar o poder e para impedir o absolutismo real, conseguiu que a acusação incidisse sobre a Família Távora que foi condenada, sem provas, pelo atentado à vida do rei.
 
 
 
 
Logo depois do atentado foram presos dois homens que, em declarações prestadas à polícia sob tortura, acusam os Távoras de lhes terem pago para perpetrar o crime, com o objectivo de colocar o Duque de Aveiro no trono.
 
Embora negando a autoria do atentado, toda a Família Távora foi condenada à morte, inclusivamente mulheres e crianças, num espectáculo público de execução a que assistiram milhares de Lisboetas. Por intercessão da rainha e da princesa herdeira, muito marcadas pelo carácter macabro do caso, as crianças acabaram por ser poupadas, sendo que não foram capazes de salvar a Marquesa de Távora que foi executada juntamente com os homens da sua família.
 
Depois de terem as mãos e pés partidos para deleite do rei, que assistiu a todo o macabro espectáculo, e de terem sido massacrados perante o resto da corte e da demais nobreza do reino que assistiu perplexa a um acontecimento encenado para deixar bem claro quem mandava em Portugal, todos os membros da família foram decapitados e queimados, sendo as suas cinzas deitadas ao Rio Tejo.
 
 
 
 
Depois de os seus bens terem sido confiscados e as famílias apagadas dos registos da nobreza Portuguesa, o Palácio do Duque de Aveiro, em Belém, foi demolido, tendo todo espaço sido coberto de sal e decretada a impossibilidade de se voltar a construir por ali o que quer que seja. No local foi construído um obelisco com vários círculos concêntricos simbolizando cada um dos elementos da família que foram executados, com a seguinte inscrição: "Aqui foram arrasadas e salgadas as casas de José Mascarenhas, exautorado das honras de Duque de Aveiro e outras condemnado por sentença proferida na Suprema Junta de Inconfidência em 12 de Janeiro de 1759, justiçado como um dos chefes do bárbaro e execrando desacato que na noite de 3 de Setembro de 1758 se havia cometido contra a Real e Sagrada pessoa de Dom José I. Neste terreno infame se não poderá edificar em tempo algum".


 
 
Simbolizando a devastação total e o apagar completo da memória daquelas gentes, o Beco do Chão Salgado foi, até à morte do rei Dom José e a chegada ao trono da Rainha Don Maria I, que nunca apoiou nem teve simpatia pelo Marquês de Pombal, um dos mais impactantes símbolos do poder político em Portugal.
 
Dois séculos e meio depois, são poucos os Portugueses que conhecem a história e muito menos aqueles que já visitaram este sítio tão especial. A memória do Chão Salgado, naquele recanto escuro de Belém, é a prova-viva de que, ao contrário do que se costuma dizer, os brandos costumes dos Portugueses nem sempre são para levar à letra…
 
 

 

 

 

 

 

 

 

A Igreja de São Paulo em Lisboa

João Aníbal Henriques, 06.08.14

 

 

por João Aníbal Henriques

 

Construída depois da destruição que resultou do grande terramoto de 1755, que provocou um posterior maremoto que literalmente varreu toda a zona ribeirinha da cidade, a Igreja de São Paulo situa-se na praça com o mesmo nome, junto ao Cais do Sodré e nas traseiras do Mercado da Ribeira.

 

O edifício actual veio ocupar o espaço de uma antiga ermida, de dimensões consideráveis que são visíveis nas antigas figuras que mostram a cidade de Lisboa, que existia no mesmo local e que foi destruída pelo sismo. De acordo com as fontes, a ermida mais antiga seria datável da época da formação da nacionalidade, sendo que o edifício que desapareceu no Século XVIII dataria de 1412, data que constava de uma lápide em latim colocada na fachada do templo original e que marcou a fundação da respectiva Paróquia de São Paulo, situada na antiga Travessa do Carvão.

 

Depois do cataclismo, toda aquela zona beneficiou da protecção directa do Marquês de Pombal, proprietário de muitos edifícios nas redondezas, que acelerou o processo reconstrutivo e facilitou a integração de vários elementos qualificadores naquela parte da cidade. A ligação ao estadista é ainda hoje visível na toponímia local, na qual o apelido ‘Carvalho’ surge amiúde.

 

Ainda em 1771, o então Primeiro-Ministro inaugura ali mesmo ao lado um importante mercado, a “Ribeira Nova”, ao mesmo tempo que por sua iniciativa são aproveitadas as águas termais de uma nascente situada a Sul da igreja e que foi posteriormente foram transformadas nos “Banhos de São Paulo”.

 

 

 

 

É ainda do tempo do Marquês de Pombal  o projecto de construção de um chafariz público que, apesar dos seus esforços, só foi inaugurado em 1849. Curioso é o facto de a bica virada para a fachada da igreja ter ficado reservada desde logo às gentes ligadas ao mar.

 

 

 

Em termos arquitectónicos, a nova igreja inspira-se no modelo utilizado no Convento de Mafra, sendo o projecto original da autoria do Arquitecto Remígio Francisco de Abreu, assistente de Eugénio dos Santos, decalcando os valores em voga na época e em linha com as directrizes que deram forma à reconstrução da Baixa Pombalina.

 

Na sua formulação espacial, a igreja actual inverte a orientação do templo destruído em 1755, abrindo a sua fachada principal para Nascente, na actual Praça de São Paulo, e dando corpo a um dos mais aconchegantes e bonitos recantos de Lisboa.

 

Com uma só nave, rodeada por oito pequenas capelas laterais, o templo caracteriza-se por uma bonita capela-mor decorada por pinturas da autoria de Joaquim Manuel da Rocha, que contrasta com o mármore que dá forma às colunas que suportam a estrutura principal. Digno de referência é ainda o baptistério situado junto à entrada, da autoria do pinto Pedro Alexandrino.

 

Apesar da sua beleza e do charme que envolve todo o local, um estado de abandono latente e de grande desleixo é hoje a principal característica deste espaço tão especial. Com uma situação geográfica extraordinária, a poucos metros do cada vez mais afamado Cais do Sodré, da renovada frente ribeirinha do Tejo e do empreendedor projecto da Praça da Ribeira, é uma pena que Lisboa não aproveite condignamente um local assim.

 

 

 

Lisboa e o Tejo: Perspectivas de uma Intervenção Patrimonial

João Aníbal Henriques, 17.07.14
por João Aníbal Henriques
 
Aproveitando o ensejo da cerimónia de entrega das medalhas de mérito municipal, a Câmara Municipal de Lisboa inaugurou a renovada frente ribeirinha entre o Cais do Sodré e o Terreiro do Paço.
 
As obras, com orientação de um projecto assinado pelos arquitectos João Nunes e João Gomes da Silva, deram forma a um projecto ambicioso e de extraordinário alcance que muda de forma muito eficaz a relação sempre difícil de Lisboa com o Rio Tejo. Depois de concluído, o projecto recria uma zona de grande conforto urbano, suportado por uma linha de paisagem verdadeiramente extraordinária, que vem reforçar a face turística da cidade, recebendo desde logo largos milhares de turistas que ali sentem e percebem a excelência que configura este recanto único da capital.
 
 
Integrado no mesmo projecto, ficam também as obras de recuperação das Antigas Doca Seca e Doca da Caldeirinha que, retomando a sua ligação com o edifício do Arsenal, permitem perceber melhor como era a cidade durante o período áureo dos Descobrimentos Marítimos.
 
Por decisão da câmara procedeu-se também à  “semi-pedonalização” de todo o trajecto, com condicionantes acrescidas à circulação automóvel que, pecando pelo “semi”, deveria ter assumido de forma corajosa e definitiva o carácter exclusivo daquele espaço. Actualmente, e com imensas excepções para os veículos oficiais, que por ali circulam livremente condicionando o usufruto turístico a zona e comprometendo a qualidade cénica o espaço, a Ribeira das Naus está interdita ao trânsito automóvel durante o período das férias escolares e durante os fins-de-semana, sendo atravessado livremente nos restantes períodos.
 
Não se percebe (nem pode aceitar-se), aliás, que no próprio Terreiro do Paço – espaço de excepção e cara efectiva da Cidade de Lisboa – se mantenha um parque automóvel oficial que ali permanece estacionado! Havendo alternativas de estacionamento, motoristas que podem deixar as figuras importantes que por ali “trabalham”, porque motivo se compromete a face mas importante do turismo de Lisboa com uma fila de caros parados em frente ao Tejo?
 
 
 
 
Inexplicável é também, provavelmente por ter sido adiada para depois da inauguração, a inexistência de placas informativas ao longo do espaço que, explicando o que são as duas docas agora desenterradas e contextualizado a expressão de tempos antigos que mudaram a cidade e o Mundo, permitissem aos visitantes (Lisboetas e turistas) a compreensão efectiva da importância e o alcance da obra que ali foi concretizada. Actualmente, perguntando a quem passe uma explicação sobre o que estão a ver, os milhares de turistas que circulam pela Ribeira das Naus dificilmente encontram quem lhes explique o que estão a ver. E não é isso que queremos com o investimento brutal que ali foi feito!
 
 
 
 
Não ficando diminuída a importância desta obra e as consequências extraordinárias que tem no reforço da atractividade turística da capital, o certo é que parece ter havido pressa na pompa e no foguetório da inauguração.
 
E como o espectáculo já acabou, importa agora não perder tempo e tratar rapidamente de todos os pequenos pormenores que ficaram por fazer. Porque foram os Lisboetas – e os Portugueses em geral – quem pagou as obras em questão. 
 

 

 

 

Posto Marítimo de Desinfecção do Porto de Lisboa

João Aníbal Henriques, 07.01.14
por João Aníbal Henriques 

 

Corria o ano de 1906, mais propriamente o dia 5 do mês de Março, quando Lisboa assistiu, com toda a pompa e circunstância, à inauguração do Posto Marítimo de Desinfecção, pelo Rei Dom Carlos e pelo Presidente do Conselho e Ministro do Reino Hintze Ribeiro.

O novo posto, situado em plena Rocha do Conde d’Óbidos, no final do aterro que ligou o litoral da cidade entre Santos e o Cais d Sodré, a obra pretendia defender “a saúde pública, as relações internacionais e os interesses gerais do País”.

 

A partir desta altura, os navios que pretendiam entrar no Porto de Lisboa deixam de ter de ficar fundeados ao largo durante o período de quarentena, passando a usufruir de serviços médicos integrados que valorizaram o porto e a própria cidade, cumprindo assim o objectivo do Rei Dom Carlos de transformar Lisboa num dos mais conceituados e atractivos destinos marítimos da Europa.

 

Outros tempos…

 

 

 


A Igreja de Santos-o-Velho em Lisboa

João Aníbal Henriques, 06.12.13

 

por João Aníbal Henriques

Envolvida por lendas, estórias e muitos mistérios, a Igreja de Santos-o-Velho, em Lisboa, é provavelmente um dos mais extraordinários e interessantes recantos da cidade. Situada no final da Rua das Janelas Verdes, junto à Lapa, o templo assume uma privilegiada posição sobre o Rio Tejo, marcando de forma definitiva a antiga entrada de Lisboa.

Fazendo jus ao seu nome e sublinhando a antiguidade da sua longa História, a igreja possui na fachada principal um baixo-relevo com as figuras de três mártires-crianças do Cristianismo, Veríssimo, Júlia e Máxima que, segundo reza a lenda, terão sido condenados à morte no ano de 308 pelo poder político Romano.


O templo original, construído sobre o túmulo dos mártires, serviu para tornar perene na memória de quem por ali passa, a Fé extraordinária destas três antigas crianças lisboetas e foi erigido no período tardo-romano, em pleno Século IV. Destruído posteriormente, possivelmente durante a ocupação Muçulmana da Península Ibérica, foi reconstruído depois da Conquista de Lisboa, em 1147, por Dom Afonso Henriques. O seu filho, Dom Sancho I, ter-lhe-á dado uma nova dignidade, aumentando o templo, elevando-o à condição de igreja e juntando-lhe o edifício do convento, onde hoje funciona a Embaixada de França.  

A sua forma actual, no entanto, resulta de intervenções efectuadas no Século XVII, pelo Arquitecto João Antunes, que lhe acrescentou o típico frontispício que ainda hoje se vê, e que tapa a antiga fachada da igreja medieval. Foi também nesta altura que lhe foram acrescentados os torreões que dão forma à fachada actual.

No Século XIX, novas intervenções de fundo, com o acrescento da Capela-Mor, construída depois da doação do terreno pelos Marqueses de Abrantes, vieram complementar a grandeza do templo que definitivamente se transformou num dos principais locais de culto da Cidade de Lisboa.

O convento, entretanto entregue à Ordem de Santiago, foi também espaço de relevo em diversos momentos da nossa História, tendo ficado indelevelmente ligado à desgraçada saga Nacional de 1578, quando pela mão do Rei Dom Sebastião, Portugal se perdeu na Batalha de Alcácer Quibir.

Diz ainda a lenda que o rei, que muito gostava de passar temporadas neste espaço, ali ouviu Missa pela última vez antes de embargar para a sua derradeira viagem e que terá sido ali mesmo, algum tempo antes, que terá tomado a decisão que acabou por resultar na perda da independência de Portugal.

Tendo sido vendido posteriormente à família Lencastre, o antigo convento e a igreja foram revendidos ao Estado Francês já no Século XX, ali funcionando a dependência diplomática daquele País.
Aberta ao público a Igreja Paroquial de Santos-o-Velho é um dos espaços que merece uma visita atenta na Cidade de Lisboa. Para além do túmulo da Família Abrantes que ali descansa como contrapartida da oferta do terreno onde se construiu a Capela-Mor, importa ver também o túmulo das crianças-mártires e a impactante nave central.

 

Mescla de estórias e de História, a Igreja de Santos-o-Velho é um repositório inesquecível da História de Lisboa, carregando uma patine antiga que deriva da sua participação directa nos principais acontecimentos da História de Portugal. 

 

 

 











Palácio do Conde de Verride: Um Escadote Social na Cidade de Lisboa

João Aníbal Henriques, 29.11.13
por João Aníbal Henriques
As casas e as ruas de uma cidade, para além das suas funções práticas, relacionadas com a circulação e a residência, desempenham outros tipos de funções que enquadram formas alternativas de organização dos espaços e das comunidades que as habitam. 
 A componente estética, com as implicações que tem na forma como se vive a cidade, conjuga-se com uma funcionalidade de âmbito social, tantas vezes preterida nas análises que se fazem ao espaço urbano, mas que, em contraponto com as componente relacionadas com o devir diários dos seus habitantes, pressupõe uma intervenção de fundo ao nível da organização dos grupos, das gentes e das relações interpessoais. As casas são, por vezes, autênticos escadotes que os seus proprietários utilizam para se afirmar perante os outros, assumindo que a componente estética, associada a uma verdadeira arquitectura de cenário, desempenha o mais importante papel na forma como foi concebida, pensada e edificada. 
 É o que acontece, por exemplo, com o Palácio do Conde de Verride, também conhecido como Palácio Santiago-Prezado, situado no Alto de Santa Catarina, junto ao espaço onde se situava a antiga Igreja Paroquial de Santa Catarina, destruída por completo pelo terramoto de 1755. 
 Construída na primeira metade do Século XVIII, o palácio foi residência do Barão e Visconde de Molelos, Francisco de Paula Silva Tovar, que dá origem a um processo complexo de venda e revenda sucessiva do imóvel que vai passando pela mão de vários proprietários.
 Da política, às finanças, passando ainda pela fina flor da aristocracia Portuguesa do final do Século XIX, o Palácio de Verride serviu sempre como forma de os seus proprietários consolidarem a sua posição no seio da sociedade Lisboeta. Adquirida em 1910 por João Lobo Santiago Gouveia, o palácio vem consolidar, na época conturbada da implantação da república, a recém nobilitação do seu novo proprietário que havia sido feito Conde de Verride em 1901. 
 Com uma localização única num dos mais extraordinários recantos de Lisboa, o Palácio de Verride encontra-se encerrado e é actualmente propriedade da Caixa Geral de Depósitos.

O Palacete de Santa Catarina / Museu da Farmácia

João Aníbal Henriques, 29.11.13
por João Aníbal Henriques

Construído em 1862 por José Pedro Colares Pereira, o Palacete de Santa Catarina, situado no largo com o mesmo nome junto de um dos mais extraordinários miradouros de Lisboa, é hoje o Museu da Farmácia, onde possível conhecer o percurso e a história das farmácias em Portugal.

O imóvel, que se encontra em excelente estado de conservação, foi vendido no final do Século XIX a industrial Alfredo da Silva, fundador da CUF, que o deixou em herança ao seu genro D. Manuel da Silva.

 

Com uma localização privilegiada num dos recantos com mais impacto visual da Cidade de Lisboa, o Miradouro de Santa Catarina, o palacete ocupa o espaço onde outrora se encontrava a Igreja Paroquial de Santa Catarina que ruiu com o terramoto de 1755.

 




A Basílica a Estrela - Convento do Santíssimo Coração de Jesus

João Aníbal Henriques, 28.11.13
Por João Aníbal Henriques
Construída na sequência de um voto formulado pela Princesa Dona Maria (futura Rainha Dona Maria I) de que ergueria uma igreja e um convento no caso de conseguir ter um filho primogénito varão, a basílica da Estrela, também conhecida poe ‘Real Basílica’ ou ‘Convento do Santíssimo Coração de Jesus’ é um dos mais expressivos e impactantes monumentos da Cidade de Lisboa.
Com traço do Arquitecto Mateus Vicente de Oliveira, o templo era um misto de residência real, onde a rainha Dona Mara se recolhia envolvida em pompa e em fausto que contrastava com a natureza conventual que lhe havida dado forma, a Basílica da Estrela foi a primeira igreja do Mundo dedicada ao Sagrado Coração de Jesus, tendo servido como convento Carmelita até à extinção das Ordens Religiosas, em 1834.
O carácter único do espaço, bem expresso neste misto de palácio e convento, que ainda hoje é visível no contraste profundo entre a pobreza assumida que existia nas celas clausurais e a ostentação das zonas reservadas ao uso da rainha, consolida-se com a existência no seu interior do mausoléu que alberga os restos mortais da própria Dona Maria. A rainha é, aliás, a única monarca da Dinastia de Bragança que não está sepultada no Panteão Nacional, descansando na Estrela pela sua expressa vontade.
A cerimónia de consagração da basílica, ocorrida em 1799, foi marcada pela presença das mais importantes figuras e famílias do Reino, tendo ficado eternizada nas memórias de muitos daqueles que tivera a oportunidade de estar presentes.
Uma das mais interessantes versões desta cerimónia, em linha com a vontade da rainha de recentrar na Estrela o culto Católico em Lisboa, encontra-se nas memórias da Marquesa de Alorna, da Família Távora, que descreve com rigor o ambiente de fausto que se viveu nesse dia.
Para além da monumentalidade do edifício, e das especificidades arquitectónicas, existe ainda outros motivos de interesse que reforça a premência de uma visita: o Presépio de Machado de Castro e o pequeno terraço situado no topo do torreão, do qual se desfruta de uma das mais extraordinárias (e menos conhecidas) vistas da Cidade de Lisboa.