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A Capela de Nossa Senhora de Porto Salvo em Oeiras

João Aníbal Henriques, 20.06.25

 

por João Aníbal Henriques

Quem entra por mar na Barra do Tejo, provavelmente procurando chegar à sempre mítica Cidade de Lisboa, orienta a navegação através da interpretação dos sinais que vai vendo ao longo das margens. O primeiro e mais importante, definindo a rota que permite discernir a entrada na Grande Barra, é o Alto de Caspolima, onde hoje se ergue a Vila de Porto Salvo.

O próprio topónimo desta importante freguesia do Concelho de Oeiras é, aliás, a tradução linear dessa relação que aquele espaço tem com o mar e com o acesso a Lisboa através da Barra do Rio Tejo. Porque, diz uma das correntes que procura explicar a origem da localidade, os marinheiros entendiam o avistamento daquele morro como sinal da chegada em segurança ao Porto de Lisboa. E, dessa maneira, assumiram então que a inovação de Nossa Senhora de Porto Salvo seria aquela que melhor definiria o ensejo de chegar de forma segura ao seu destino.

 

 

 

Na sua versão mais romântica, provavelmente misturando os resquícios de uma lenda antiquíssima com a realidade vivida neste local desde tempos imemoriais, terão sido uns marinheiros da Carreira das Índias que, num dia particularmente difícil de grande temporal vivido angustiosamente no Cabo das Tormentas, terão feito um voto a Nossa Senhora prometendo construir uma pequena ermida no morro de Caspolima caso a sua protecção lhes permitisse regressar em segurança a Lisboa. Dessa maneira, seria essa a origem da construção da airosa capela que ainda hoje marca de forma charmosa a paisagem naquelas terras.

O topónimo antigo – Caspolima – terá então caído em desuso, à medida em que crescia a comunidade de devotos seguidores da protecção que Nossa Senhora de Porto Salvo sempre oferece a todos os navegadores que a invocam.

Segundo informação da própria Junta de Freguesia de Porto Salvo, era usual que os navios que procuravam chegar ao Porto de Lisboa disparassem sempre uma salva de 21 tiros quando avistavam a pequena capela, homenageando assim a padroeira da localidade e consagrando-lhe o sucesso das suas viagens. De acordo com aquela Autarquia, esse costume prolongou-se ao longo do Século XIX tendo progressivamente desparecido ao longo da centúria seguinte.

 

 

Vincadamente inserida na tipologia própria das antigas capelas rurais que proliferam nas imediações rurais do termo de Lisboa, a Capela de Porto Salvo apresenta, no entanto, características únicas que a demarcam das suas congéneres. Basicamente porque, com o crescimento desmesurado que conheceram as terras de Oeiras ao longo do Século XVIII, ela tenha sido reconstruída, ganhando detalhes decorativos que se afiguram deveras marcantes. É o caso dos painéis de azulejos que decoram a sua fachada e que retratam os milagres atribuídos a Nossa Senhora de Porto Salvo, de autoria atribuída a Oliveira Bernardes e datados de 1740, bem como a construção do alpendre adossado ao corpo principal que oferece ao lugar um toque de requinte que acompanha ao aumento exponencial do número de devotos que procuravam o espaço para expressar a sua Fé em Nossa Senhora.

Com origem definida para o Século XVI, consagrando assim a versão lendária da sua fundação e a ligação ao mar e ao grande empreendimento dos Descobrimentos Portugueses, a Capela de Porto Salvo foi alvo de dois grandes momentos de ampliação em épocas posteriores que alteraram de forma quase radical a simplicidade original da antiga ermida seiscentista.

 

 

O que não se alterou, senão no multiplicar devocional, foi a orientação primitiva que se associa a este espaço. O cunho mariano, onde Nossa Senhora, Mãe de Jesus, se assume como fulcro de Fé e fonte de protecção, está plasmado de sobremaneira nos várias elementos arquitectónicos que actualmente caracterizam este templo. No interior, ao longo da sua única nave, a capela integra uma interessantíssima descrição em azulejos azuis e brancos da Fuga para o Egipto, numa alusão, provavelmente algo velada, da forma como a intervenção da Mãe-Primordial é ela própria o garante da segurança dos seus filhos. E em todo o espaço sagrado, são as litanias a Nossa Senhora que melhor descrevem essa entrega devocional à Rainha de Portugal, na certeza bem vincada que quem se lhe dedica fica imediatamente protegido de maiores males.

O recinto da capela, envolvido por um murete que acompanha as práticas devocionais durante os períodos de festa em honra da padroeira, permite-nos perceber que a expressão simbólica da religiosidade local desde sempre foi acompanhada de uma movimentação expressivamente pagã, com festas e arraial que prolongava pela localidade a singeleza dos monumentos religiosamente mais relevantes.

 

 

A Capela de Nossa Senhora de Porto Salvo é actualmente marco efectivo da forma como se consolidou a vivência humana no território municipal oeirense. E, nas suas características formais, define com rigor a capacidade que localmente se criou de mesclar o paganismo ancestral às práticas religiosas cristãs e católicas, recriando um percurso de continuidade que afirma de sobremaneira o respeito pela diferença de opiniões e de crenças que permanentemente por aqui grassou.

É de visita obrigatória para quem pretende perceber a importância que o Termo de Lisboa teve no desenvolvimento renascentista de Portugal, e na forma como a devoção religiosa das suas gentes foi fundamental para formatar socialmente a sua estrutura comunitária.

 

 

Nossa Senhora da Consolação na Assafora - Sintra

João Aníbal Henriques, 05.05.25
 
 

por João Aníbal Henriques

A devoção a Nossa Senhora da Consolação é uma das mais antigas práticas marianas da cristandade. Provavelmente anterior à existência de Nossa Senhora, a histórica Mãe de Jesus, ela entronca no ideário matriarcal que caracteriza a ritualidade do extremo Ocidental da Península Ibérica desde tempos imemoráveis.

Marcada de forma sublime na tradição Cristã pela lendária ligação a Santa Mónica, a mãe de Santo Agostinho, o culto ritualístico a Nossa Senhora da Consolação surge ligado às preces desta mãe desesperada pelo comportamento pecaminoso do seu filho e, na linha da sua intervenção, pela recuperação e conversão do filho, o futuro Santo Agostinho, Doutor da Igreja e conversor ele próprio dos pecadores, que encontra na Mãe de Deus a Scala Coeli que permite estabelecer a ligação entre a Terra e o Céu.

 

 

Este papel de intermediário assumido por Nossa Senhora, recuperando o ideário ancestral das deusas-mães que dedicam a sua existência a defender e a proteger os seus filhos, é pilar ancestral da Fé nestas paragens. E na Assafora, ali mesmo com vista para Serra de Sintra, a linearidade dos tons alvos contrasta com o verde das encostas e com o truculento acinzentado das penhas que se impõem na paisagem, reminiscência maior do equilíbrio profético atribuído à Santíssima Trindade, aqui recuperado numa memória que o povo associa à génese nuclear da Sagrada Família: São José, Nossa Senhora e o Menino Jesus.

A Tríade Divina, na qual o Pai, o Filho e o Espírito Santo se unem milagrosamente num só, como se a pluralidade da matéria se desmultiplicasse de forma incomensurável numa sucessão de vários patamares da Divindade original, transforma-se nestes baixios de vivência saloia na família no sentido mais pragmático da palavra, oferecendo às agruras da vida quotidiana um conforto espiritual que se afigura essencial para que a comunidade possa calcorrear os seus destinos.

 

 

Inserida em ambiente rural, plasmado até no topónimo de origem árabe da própria localidade, directamente relacionável com os campos agrícolas de notória fertilidade que grassam em seu torno, a Capela de Nossa Senhora da Consolação da Assafora é pretensamente uma construção com origem datável no Século XVI. Terá sido nessa altura, por iniciativa popular e com apoio Real, que o actual edifício terá sido edificado, utilizando as regras e as normas que nessa época caracterizavam monumentos idênticos que se multiplicam por toda a região saloia.

Na envolvente da capela, dando forma ao terreiro onde o povo que a construiu se reunia para a prática de festividades comuns quase sempre ligadas ao culto do Espírito-Santo, podemos ainda hoje encontrar os vestígios bem preservados da génese ruralizante da povoação, nomeadamente o seu casal saloio e, anexo à própria capela, as construções que a apoiavam e que serviam de casa para alojamento do seu capelão.

 

 

O seu alpendre, semelhante também ele a outros que encontramos noutros espaços de culto por terras saloias ao longo do Concelho de Sintra, oferece ao conjunto edificado uma presença física reforçada, preservando a simbologia que lhe está associada e as práticas cultuais para as quais foi construído e ali anexado. De sublinhar, para além do torreão sineiro que faz impor a capela na paisagem, o magnífico relógio de sol datado de 1869 e o cruzeiro, já do Século XVIII, que compõem a sua matriz mariana de apelo à simplicidade e à singeleza que sempre acompanha a expressão religiosa na região saloia.

É muito provável, até pela sua provável origem cultual de matriz arabizante, que no local onde actualmente encontramos a Capela de Nossa Senhora da Consolação, tenha existido um espaço de culto anterior. Até porque o Orago, com todo o enquadramento simbólico que o caracteriza, aponta para as origens ancestrais da componente rural da pulação que reside e trabalha naquela zona e, desta maneira, deixa antever a manutenção de uma linha de culto que seja transversal às eras, às épocas, aos anos e aos próprios contextos religiosos que os vão definindo.

 

 

Nossa Senhora da Consolação, Mãe-Primordial da humanidade, acolhe e consola todos aqueles que a Ela apelam. Num acto de Amor intenso e abrangente que define de sobremaneira o sentir são e simples das comunidades que ao longo dos séculos ali procuração consolação para fazer face aos desafios impostos pela vida do dia-a-dia neste vale de lágrimas. É através dela que se convertem os pecadores e é com o seu consolo e amparo que a humanidade multiplica a sua esperança na eternidade e na vida plena que a ela está associada.  

A Assafora, terra de luz, de fertilidade e de trabalho, congrega na sua capela muito daquilo que é este significado mais profundo da existência. Até porque no Largo de Nossa Senhora da Consolação, ali mesmo à sombra da vetusta capela, permanecem os restos mortais daqueles que os antecederam, num contínuo de aponta à eternidade e no qual se consolidam os pilares da própria Fé.

 

 

A Igreja de São João Baptista em São João das Lampas

João Aníbal Henriques, 02.05.25

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por João Aníbal Henriques

Quem entra em São João das Lampas desconhece geralmente que a povoação é de génese muito antiga e indeterminada. De facto, a terra mudou de nome no final do Século XVI, chamando-se até essa altura São João dos Porqueiros. E a sua Igreja Matriz, fulgurante no brilho emanado pelo seu extraordinário pórtico manuelino, seria originalmente um pequeno templo rústico construído pela comunidade rural que ali habitava, ao qual foram sendo acrescentados diversos elementos que lhe conferem a sua formulação actual.

Nada se sabendo sobre a sua origem, apesar de vários sinais que nos apontam para épocas ancestrais e para cultos e rituais que muito provavelmente antecedem o próprio cristianismo, é certo que naquele lugar já existia um templo em 1421, por ter sido mencionado como tal no testamento de Martim Soudo.

Alguns dos seus elementos morfológicos, nomeadamente os dois pórticos secundários de entrada, serão provavelmente datáveis desse período ancestral, muito embora seja actualmente impossível perceber exactamente qual foi o diálogo estabelecido por aquelas cantarias com o edifício original.

 

 

Sabe-se, no entanto, que o pórtico manuelino é realidade datável do final do primeiro quartel do Século XVI, e que o mesmo é atribuído por vários autores à escola associada ao Paço Real de Sintra. A disfuncionalidade plástica do mesmo no corpo da velha igreja, provavelmente resultante da afirmação política e social que a localidade conheceu neste período, contrasta com a simbologia que nele está gravada.

Num apelo à pureza original, num misto sub-reptício de pujança artística cruzado com os valores espirituais ligadas ao culto do Espírito-Santo, a igreja assenta a sua prática num virtuoso apelo às virtudes associadas à entrega a Deus e à negação das ilusões que resultam da efemeridade material da vida terrena… A justiça terrena, bitola que sustenta o permanente apelo às virtudes espirituais, assenta num permanente apelo à Tríade Divina: Pai, Filho e Espírito-Santo, numa alusão velada ao papel desempenhado por São João Baptista na preparação do caminho para semear a Palavra do Senhor.

Tal como nos tempos bíblicos, também em São João dos Porqueiros se vivia intensamente os rituais associados à descida do Espírito-Santo, sabendo-se que dela depende a capacidade de o Ser Humano se impor na Terra, num registo de humildade que faz grandes aqueles que têm a capacidade de assumir esse compromisso durante a sua vida terrena. O bodo cerimonial, que o já referido Martim Soudo refere no seu testamento do Século XV, é assim um ritual comunitário de partilha que, a partir desta igreja, redistribui a riqueza de quem mais tem junto daqueles que mais necessidades passam em cada uma das eras. A escolha do Imperador, coroado sempre depois de uma triagem efectuada no seio da comunidades das crianças mais humildes e pobres, simboliza precisamente esse apelo à castidade, à bondade e à pureza original, pois, parafraseando Jesus Cristo, é dos humildes o Reino dos Céus.

 

 

O Baptista, que sobreviveu nas margens do Rio Jordão alimentado por esmolas escassas e por gafanhotos quando elas não vinha, foi também ele milagrosamente filho de Zacarias e de Isabel, a idosa prima da Virgem Maria a quem o Espírito Santo concedeu a graça de gerar um filho que cumprisse as profecias de anunciar a chegada do Salvador. Ele foi muito mais importante do que as Sagradas Escrituras referem, uma vez que é por seu intermédio que o seu primo Jesus se cristifica.

De facto, o seu apelo à limpeza espiritual, sublimada por um perdão divino que se activa simbolicamente através do baptismo, é o primeiro passo no sentido de estabelecer na Terra um novo reino diferente de todos aqueles que jamais ali tinham proliferado. O Reino do0 Espírito, no qual a matéria desempenha um papel secundário, servindo a flor como símbolo máximo de uma existência baseada na bondade, na entrega e na contemplação terrena da Obra de Deus.

Em São João das Lampas, numa linha de génese provavelmente iniciática, São João Baptista surge inserido num registo em que a marca é a papoila, bem visível nesta sua igreja principal. A flor, que naturalmente enche a paisagem envolvente com o seu fulgor primaveril, personifica esse mesmo apelo espiritual à pureza, dando corpo para que os bodos ao Espírito Santo se tornem no principal elemento organizador da comunidade.

Quando baptizou o seu primo Jesus, referindo-se-Lhe como “Filho de Deus”, São João Baptista lançou o mote para a vida pública do Salvador, recriando assim a dinâmica que alterará de forma profunda toda a vivência religiosa da humanidade. E sempre, como a Igreja de São João dos Porqueiros simboliza, num venerável baixar de cabeça, humildemente se submetendo à vontade de Deus-Pai e entregando-Lhe em mãos os destinos de todos nós.

Mantendo a base cultual sempre em torno dos elementos-chave da identidade local, nomeadamente a sua ligação à génese saloia da sua comunidade e às raízes agrícolas que durante muitos séculos deram corpo ao edifício económico da região, o edifício vai evoluindo à medida das doações que vai recebendo, ficando muitas delas eternizadas nas inscrições epigráficas que acompanham alguns dos seus elementos.

 

 

De salientar, porque é hoje elemento principal na caracterização daquele conjunto patrimonial, a construção da torre sineira e da alpendrada que acompanha duas das suas fachadas. Provavelmente do Século XVI ou XVII na sua formulação actual, surgem esteticamente ligadas às funcionalidades que lhes estavam adstritas e que definem a dicotomia entre a pujança alcançada devido ao sucesso agrícola e suinícola daquela zona, e a singeleza cultural que deriva da génese saloia da comunidade.

Classificada como Monumento de Interesse Público, incluindo a igreja, o seu adro e todo o espaço envolvente, através da Portaria n.º 9/2015, publicada no DR, 2.ª série, n.º 4 de 07 de Janeiro de 2015, a Igreja de São João Baptista de São João das Lampas é hoje um dos mais relevantes espaços religiosos da Área Metropolitana de Lisboa, definindo com rigor aquele que é o registo identitário da Região Saloia.

 

Nossa Senhora da Graça de Cascais

João Aníbal Henriques, 04.02.25
 

por João Aníbal Henriques

Diz-se na “Chancelaria de Dom Fernando” que em 1364, quando pescavam nas águas da baía de Cascais, os pescadores encontraram submersa uma magnífica imagem de Nossa Senhora com o Menino ao colo. Talhada em madeira de cipreste, a imagem era de tal maneira formosa que foi desde logo apelidada de Nossa Senhora da Graça, facto que consolidou a devoção dos pescadores cascalenses àquela evocação antiga de Nossa Senhora. O fervor da oração em torno da imagem foi tanto que, mercê da fama angariada por esse Portugal fora, foi a imagem entregue à guarda dos Frades Agostinhos de Lisboa, que a colocaram em lugar de destaque no Altar-Mor do seu mosteiro na capital. Nasceria assim o Bairro da Graça, onde o tal mosteiro estava implantado, reforçando o fervor devocional do povo antigo de Cascais!

 

O Castelo de Marvão

João Aníbal Henriques, 20.12.23

 

por João Aníbal Henriques

Recortado na paisagem impactante da Serra de São Mamede, sobranceiro ao Rio Sever e à linha de fronteira que separa Portugal de Espanha, o Castelo de Marvão é um dos mais importantes e interessantes monumentos nacionais.

Tendo sido construído originalmente pelos romanos sobre os restos arqueológicos de uma velha fortificação castreja, o castelo responde desde sempre à sua localização estratégica sobre aquela região, permitindo controlar visualmente um vastíssimo território que é essencial nos momentos mais inquietantes de guerras e de violência.

 

 

Existente de forma plena durante o período de ocupação moura, terá sido quartel-general do importante chefe árabe Ibn Meruan, que ali se terá instalado de forma a assegurar o sucesso da ofensiva militar islâmica sobre as tropas muito deficitárias que restavam aos velhos poderes visigodos. As suas muralhas, providas de um reforço natural pelo aproveitamento dos maciços rochosos onde foram erguidas, conheceram nesse período momentos de grande turbulência, estando na primeira linha de defesa dos novos poderes e, por isso mesmo, sempre sujeitas a eventuais tentativas de ataque por parte das forças inimigas.

Por esse motivo, quando Dom Afonso Henriques reconquista o território em 1166, terão sido motivo de pequenas obras de consolidação e de melhoramentos diversos de forma a assegurarem cabalmente as necessidades defensivas do novo reino.

 

 

A sua importância está atestada documentalmente desde 1226 quando o Rei Dom Sancho II lhe confere uma Carta de Foral, posteriormente reconfirmada pelo Rei Dom Manuel em 1512.

Durante o reinado de Dom Dinis, as velhas paredes defensivas foram profundamente adaptadas, assistindo-se à construção da torre de menagem que hoje ainda ali vemos e pela consolidação das estruturas amuralhadas que se prolongam desde a barbacã estendendo o domínio defensivo do castelo a toda a vila de Marvão.

 

 

Serão provavelmente contemporâneos da já referida Torre de Menagem a imponente praça de armas do castelo e, sobretudo, a relevantíssima cisterna que possuía capacidade de manter a população provida de água durante longos seis meses de um qualquer ataque que os sitiasse ali dentro.

Altaneiro, como quase todos os castelos medievais portugueses, o Castelo de Marvão define-se a partir da forma como se impõe cenograficamente em toda a região. As suas paredes ancestrais, desenhadas de forma sublime ao longo de várias gerações de gentes que delas dependeram para defender a sua própria vida, gemem ainda os ecos antigos do imenso sofrimento a que já assistiram. E rejubilam também, por vezes de forma um pouco incauta, perante as recordações extraordinárias que vitórias que em virtude delas ali foram conseguidas.

 

 

Todo o espaço está prenhe de significado. Todos os detalhes denotam de forma muito firme a Identidade de Portugal!

A Vila de Marvão no Alentejo

João Aníbal Henriques, 20.12.23

 

 

por João Aníbal Henriques

Quando se entra em Marvão, depois da subida de 862 metros da Serra ancestralmente designada como Hermínios Menores, em contraponto com a Serra da Estrela, que se vislumbra no horizonte e que se chamava Hermínios Maiores, os sentidos ficam impregnados de uma singela sensação de deslumbramento.

As ruelas, marcadas pelo desenho ancestral da sua origem árabe, serpenteiam através da orografia do território, compondo um cenário idílico que nos transporta de imediato para outras eras e para outros tempos. As fachadas das casas, fazendo contrastar a brancura da cal com as cores fortes e duras do granítico, apresentam-se majestosas, ostentando orgulhosamente os seus ferros forjados e as cantarias góticas que denotam a importância e relevância que o burgo já teve ao longo da sua história.

 

 

Construída provavelmente sobre os restos de um assentamento castrejo ainda pré-histórico, basicamente porque a sua localização elevada e estrategicamente disposta de forma a prever eventuais ataques inimigos e a defender a população e as suas riquezas minerais assim o determinou desde o dealbar dos tempos, Marvão foi inicialmente um burgo romano. Naquele lugar, por onde se cruzavam importantes rotas viárias essenciais para a sobrevivência e para a pujança do império, confluíam interesses diversos que definiram a necessidade de povoar o local e de promover condições de atractividade para todos aqueles que por ali viviam cumprindo as suas obrigações sociais.

Será dessa época o desenho inicial da sua estrutura edificada que, aproveitando as características naturais do povoado, define um perímetro protegido de ataques e de perigos e, dessa maneira, promovendo a segurança necessária ao estabelecimento de comunidades humanas que escolheram o local para edificar as suas habitações. A sua forma alongada, prolongando artificialmente até ao castelo a orografia natural do território, controla visualmente uma vasta região que vai até à já mencionada Serra da Estrela, num plaino abrangente que lhe confere características únicas de habitabilidade no contexto de então.

 

 

Durante a ocupação árabe, depois do Século VIII, Marvão ganha a configuração definitiva que hoje lhe conhecemos. Até porque a sua importância estratégica e militar, numa lógica de aculturação que os ocupantes africanos consigo trouxeram e que aplicaram na generalidade das terras conquistas na Península Ibérica, exigia que um ponto tão relevante como este fosse devidamente cuidada, ocupada e defendida.

Terá sido encarregue de tal desiderato o importante chefe muçulmano de Coimbra Ibn Meruam que ali se instalou e se encarregou de adaptar o espaço às necessidades de defesa destes novos tempos. Terá sido, aliás, a deturpação do seu próprio nome que definiu o próprio topónimo da localidade. Meruam que evoluiu para Mervam depois da reconquista cristã e, por fim, a palavra Marvão que hoje conhecemos.

 


Integrada no novo Reino de Portugal desde 1166, ainda durante o reinado de Dom Afonso Henriques, Marvão depressa assumiu a sua importância enquanto guardiã da fronteira e dos ataques vindos do actual território de Espanha. E, precisamente nessa perspectiva, recebe em 1226 a sua primeira Carta de Foral que lhe foi conferida pelo Rei Dom Sancho II. Mais tarde, já por decisão do Rei Dom Dinis em 1299, vê a sua velha estrutura defensiva intervencionada e transformada num verdadeiro castelo capaz de desempenhar as suas importantes funções no contexto bélico que caracterizava aqueles tempos.

Em 1512, quando o Rei Dom Manuel lhe confirma a sua Carta de Foral, já Marvão era um importante e influente centro administrativo, dotado da capacidade de contribuir de forma evidente para o reforço da própria capacidade autonómica de Portugal.

 

A pacificação da fronteira, sentida durante essa época, terá porventura sido decisiva na perda da importância estratégica de Marvão nos anos subsequentes. E, por esse motivo, assiste-se a uma fuga da população para as vilas e aldeias existentes no sopé da serra, mais abrigadas das agruras do clima e com uma acessibilidade melhorada para motivarem o comércio e os transportes. A situação tornou-se de tal forma dramática que ainda no Século XVI se estabelece um Couto dos Homiziados como forma de motivar a instalação de nova população.

De acordo com essa legislação, que perdurou até 1790, a instalação em Marvão libertava os moradores que ali se fixassem de acções judiciais de que tivessem sido vítimas por crimes que tivessem cometido anteriormente… E a limpeza do cadastro criminal foi motivo para a instalação de muita gente!

 

 

Digna de nota especial, por entre o extraordinário conjunto de monumentos religiosos que a povoação apresente, é a Capela de Nossa Senhora da Estrela, construída fora de portas e abrigada no seio de um convento do Século XV.

Reza a lenda que por ali se venerava desde o tempo dos Visigodos uma imagem de Nossa Senhora trazida pelos povos Hermínios desde a longínqua Serra da Estrela. E depois da Batalha de Guadalupe, onde sanguinariamente o Rei Godo Rodrigo foi derrotado pelos mouros, de forma a proteger a imagem de ultrajes que viessem a ser perpetrados pelos infiéis, foi a mesma escondida no meio das penedias que envolvem Marvão onde ficou até se lhe perder por completo o rasto ao longo de três séculos.

Quando da Reconquista Cristã, numa noite cálida do verão alentejano, um pastor que por ali circulava com o seu rebanho terá sido deslumbrando com uma estrela com uma fortíssima luz que o foi guiando até ao esconderijo onde se guardava a imagem. E, redescoberta, foi construída a capela e encetado um culto muito significante que é parte essencial da devoção identitária do povo de Marvão.

Apresentação do Livro "Viva Estoril" de João Aníbal Henriques

João Aníbal Henriques, 02.05.23

 

 

Numa iniciativa conjunta da ALA – Academia de Letras e Artes e da Associação de Turismo de Cascais, foi apresentado publicamente o livro “Viva Estoril” da autoria de João Aníbal Henriques e com prefácio de Miguel Pinto Luz. Abordando a história recente do turismo na Costa do Estoril, o livro recupera a história de um grupo de hoteleiros que tomou em mãos a recuperação do sector durante os anos conturbados que se seguiram à revolução de 25 de Abril de 1974 e do PREC. António Simões de Almeida, António Pinto Coelho de Aguiar, Maurício Morais Barra, Fernando Fernandes e António Teixeira Murta, a que mais tarde se juntaram Pedro Garcia, Luís Athayde, António Soares e muitos outros, foram os protagonistas de uma história que mudou radicalmente os destinos da região do Estoril e de Cascais até à actualidade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fotografias da autoria do Departamento de Comunicação da Câmara Municipal de Cascais e de Josefina Gonçalves

 

 

As Casas da Câmara de Grândola

João Aníbal Henriques, 15.09.22

 

por João Aníbal Henriques

No Século XVI a região de Grândola conheceu um período de crescimento sem par. Os bons anos agrícolas, transfigurados em colheitas de grande potencial, significaram fartura nos índices de produção locais. E o excesso, suprindo de forma cabal as necessidades alimentícias da população, foram escoadas para o mercado, rentabilizando assim a energia despendida no trabalho e reforçando o valor estratégico de toda a região.

Em 1544, a povoação recebeu a sua Carta de Foral, criando assim as bases da sua autonomia administrativa e, por consequência, todas as obrigações e responsabilidades que normalmente correspondiam aos municípios.

 

 

Este esforço, necessário para enfrentar os vários desafios políticos e económicos que acompanharam o crescimento e consolidação da estrutura municipal, exigiam infraestruturas de que a terra não estava dotada. E, para fazer face a essas necessidades, recebeu o município as devidas autorizações para iniciar a construção de raiz de um complexo que fosse capaz de albergar as instalações da Câmara Municipal, as dependências do tribunal e, no seu piso térreo, prisões masculinas e femininas, acompanhadas por habitação para albergar o carcereiro.

Assim, depois de muitos esforços para conseguir recolher os valores necessários para esse avultado investimento, iniciaram-se em 1725 as obras de construção das novas Casas da Câmara que, sem a monumentalidade de outros edifícios congéneres situados noutros concelhos, são bem demonstrativos da periclitante situação em que sempre viveu este município alentejano. A pouca qualidade dos materiais utilizados, e o carácter precário da obra de construção, obrigou à realização de várias obras de manutenção e requalificação ao longo do tempo.

 

 

E em 1755, quando o Grande Terramoto abalou de sobremaneira a estrutura construída da localidade, o edifício ficou profundamente danificado, gerando nova necessidade de recolha de dinheiro para fazer face às imensas despesas de recuperação. É nessa altura que a Coroa assume uma quota-parte das mesmas e, para viabilizar a intervenção urgente que era necessário fazer na construção, oferece ao município a quantia de 664.397 Réis, quantia com a qual se realizou a intervenção e que recuperou o edifício.

Depois de a câmara ter crescido e consolidado a sua importância no contexto municipal alentejano, já em pleno Século XX, o município arrendou outro espaço para instalar os serviços municipais. E as velhas Casas da Câmara, mercê do restauro da Comarca de Grândola, em 1919, foram cedidas para a instalação do tão almejado tribunal.

Pelas suas características urbanas e pelo desenho extraordinário das suas ruas, a Vila de Grândola é hoje um ex-libris da História do Alentejo. E se o final do Século XX lhe consolidou as memórias, sobretudo acentuadas pela ligação perene do município às alterações impostas pela revolução, trouxe também a Grândola um cunho de serenidade que se impôs na paisagem envolvente, transformando-a numa das mais atractivas de Portugal.

Nossa Senhora da Rocha em Linda-a-Pastora

João Aníbal Henriques, 02.05.22

por João Aníbal Henriques

Por detrás das lendas, muitas vezes escondendo sub-repticiamente os laivos maiores da identidade de um local, estão factos da História que marcam de forma efectiva o sentimento de cidadania e promovem a coesão que é determinante para que as comunidades se imponham equilibradas e saudáveis a bem de todos os que dela fazem parte integrante.

É o que acontece em Linda-a-Pastora, no Concelho de Oeiras, onde a memória colectiva define a Senhora da Rocha como plataforma potenciadora daquele agregado populacional, unido sempre em torno da loca (ou gruta) onde o sagrado e o profano se cruzam a partir de uma devoção sentida à imagem maior da Virgem Maria no seu orago associado aos mistérios da conceição.

 

 

Reza a lenda que em 1822, num mítico dia 28 de Maio, um grupo de crianças locais deambulava pelos campos junto à Ribeira do Jamor em busca de coelhos que lhes fugiam através dos matos que enchiam este local. Um dos animais, despertando a cobiça dos fedelhos, terá ousadamente entrado numa lura de difícil acesso e os rapazes, acicatados pelo desejo de o caçar, entraram atrás dele, desviando os arbustos e os silvados.

Para sua grande surpresa, porque rapidamente se viram envolvidos pelo negrume da escuridão, perceberam que estavam dentro de uma gruta desconhecida e que à sua volta, num registo de terror que lhes potenciava o medo, um grande conjunto de ossadas humanas os contemplava da lonjura das suas vidas ancestrais.

Incrédulos com o achado, e interpretando os ossos que viam como uma alucinação, resolveram trazer alguns para a luz do dia e levaram-nos para as suas casas contando a sua aventura aos aldeãos. Como ninguém acreditou neles, organizou-se então uma nova visita ao espaço com a presença dos adultos que viviam nesse lugar e, para grande surpresa de todos, não só confirmaram o relato das crianças como também encontraram, singelamente perdida no meio das ossadas, uma pequeníssima imagem de Nossa Senhora feita em barro, que imediatamente interpretaram como um sinal da presença divina naquele lugar especial.

 

 

Ajoelhando-se à sua frente em profunda devoção, os fiéis que encontraram a imagem da Virgem Maria deparam-se com novo mistério. Repentinamente, sem que ninguém desse conta disso, a imagem desaparece da sua vista, como se tivesse fugido deles e desaparecesse de forma inesperada. Alvoroçados, procurando perceber o que aconteceu, os devotos acabam por encontrar a imagem pousada numa oliveira situada junto à porta da velha gruta oeirense, interpretando este sinal como sendo a Providência Divina a comunicar com eles.

O sucesso desta história, com ecos insuspeitos que se estenderam até à capital, levaram o Rei Dom João VI a interessar-se pelo acontecido. Procurando controlar o fervor popular e ao mesmo tempo tentando recentrar o potencial da devoção na Sé de Lisboa, o monarca manda transferir a imagem para a capital. Temendo a sublevação popular, são enviadas tropas para acompanhar o processo mas a população, provavelmente condicionada pela presença sagrada que emanava da imagem, manteve a compostura e acompanhou o andar ao longo de todo o percurso.

 

 

Precisamente 71 anos depois da aparição da imagem, agora no mesmo dia 28 de Maio, mas do ano de 1893, conclui-se enfim a obra de construção de uma capela no local onde outrora estava a oliveira onde a imagem reapareceu. Com a presença da Rainha Dona Amélia, que promoveu uma devoção que havia marcado anteriormente os Reis Dom Miguel, Dom Pedro V e Dom Luís I, a consagração do espaço acontece com toda a pompa e circunstância marcando o regresso da singela imagem de barro a terras de Oeiras.

A devoção simbólica a Nossa Senhora da Conceição, Rainha e Padroeira de Portugal, é um dos mais importantes apoios da portugalidade. Transversal a todo o território, a todas as eras da História e a todas as classes sociais e culturais de Portugal, esta ligação perene entre os portugueses e este dogma tardio da Igreja Católica é verdadeiramente ancestral, provavelmente antecedendo historicamente o próprio nascimento real da Mãe de Jesus Cristo.

Os cultos ancestrais da portugalidade, eivados de um apelo permanente à natureza e ao mito da Deusa-Mãe adaptaram-se escatologicamente à ideia do desejado, mito que promove o apelo imaginário a um quadro de futuro que mitiga as maleitas do presente e transfere divinamente para a Mãe Primordial o ónus do acompanhamento e protecção pela qual sempre se ansiou em Portugal.

 

 

Maria, a Virgem Santíssima que alquimicamente transmuta a matéria, conjugando os sonhos da comunidade com as oportunidades que o real vai oferecendo, é devoção profundamente entranhada na Portugalidade. É ela quem determina a construção da escada que salvificamente transporta os seres viventes até ao Céu, sendo por isso mesmo a grande padroeira das causas maiores que se prendem com as angústias determinadas pela existência.

A Senhora da Conceição, que na gruta da Rocha, junto à Ribeira do Jamor, foi sempre a guardiã dos restos humanos dos muitos que por ali viveram as suas vidas ao longo dos séculos, oferece uma réstea de luz para iluminar a escuridão que esta nossa existência fugaz sempre acarreta. Do fundo da caverna, espaço privilegiado para a introspecção e para o pensamento, a Mãe Celeste prepara o neófito para o regresso à luz do Sol e à terra. Até porque é lá dentro, naquele útero primordial onde a vida se estabelece, que o espírito se prepara para o desafio enorme que representa o seu regresso à terra.

 

 

Em Linda-a-Pastora, envolvida pelo carácter idílico de um espaço onde naturalmente a água do Jamor e o verde da floresta original se conjugavam para criar um cenário úbere e pleno de fertilidade, é nesta ponte que se faz entre as crenças e a Fé da comunidade e os desafios próprios do quotidiano e da vida, que se estebelecem os laços essenciais de um espírito de cidadania participada, coerente e significante.

Nossa Senhora da Rocha foi, desde a sua origem, fenómeno de Fé. Movimentou as gentes dos arredores e foi pedra angular na criação da matriz identitária de Linda-a-Pastora e do Município de Oeiras.