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cascalenses

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Mouros e Romanos em Assentiz – Rio Maior

João Aníbal Henriques, 19.04.17

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Sendo certo que as memórias mais antigas do actual Concelho de Rio Maior se perdem nas brumas do tempo, existindo vestígios antiquíssimo de actividade humana que remontam ao primórdio da instalação dos primeiros homens sobre a Terra, é mais certo ainda que tal ancestralidade promove uma história que mistura factos com lendas, recriando uma espécie de cenário maravilhoso que enriquece a Identidade local.
 
Em cada canto e recanto destas terras, provavelmente em estreita ligação com a fertilidade do solo e com a sua extraordinária capacidade produtiva, existem tesouros escondidos e memórias ocultas de princesas mouriscas que de tempos a tempos insistem em nos maravilhar.
 
É o que acontece em Assentiz, a mais recente freguesia do município de Rio Maior. Situada em zona próxima da Vila da Marmeleira, e beneficiando da mesma ligação férrea à força telúrica da terra, Assentiz desenvolve-se sobretudo a partir do Século XVIII, acompanhando o desenvolvimento da casa senhorial que mais tarde dará lugar ao Morgado de Assentiz. É, pois, esta ligação profunda à terra e aos ciclos da natureza que vem determinar os fluxos de desenvolvimento do local, muito embora os vestígios que subsistem, bem como a documentação que se preservou, permitam supor que a génese de tudo surge em momento bastante anterior.
 
 
 
 
A presença romana em terras de Rio Maior, bem atestada pelos vestígios arqueológicos existentes, desenvolve-se a partir da antiga estrada que ligava Lisboa, Santarém e Coimbra, determinando assim que o atravessamento daquelas que são agora as fronteiras desta concelho levassem ao reconhecimento da sua riqueza e fertilidade.
 
De facto, junto à actual localidade de Assentiz, podemos encontrar os restos do que popularmente se designa como a “Ponte Romana”, ligando as margens do ribeiro que por ali passa. A Ponte Romana de Assentiz, originalmente com dois arcos que um cataclisma acontecido no Século XVIII terá reduzido a um só, será assim um dos vestígios centrais da presença dos invasores itálicos nesta parte do território rio maiorense. Mas, tal como acontece amiúde com este laivo de deslumbramento lendário que envolve as terras de Portugal, parece que a dita estrada não passava exactamente neste lugar e, nesse caso, a ponte em questão terá uma origem diferente daquela que a sabedoria popular lhe atribui.
 
Qualquer que seja o caso, é importante ressalvar que a memória associada a este monumento é indestrutível, tal como o são os inúmeros vestígios da presença dos Romanos em território de Rio Maior. E a ponte, tenha sido construída durante a ocupação Romana ou, como alguns investigadores advogam, somente durante o reinado da Rainha Dona Maria I, já em pleno Século XIX, contribui de forma decisiva para o reforço da Identidade local, promovendo a ligação intrínseca entre o povo que ali habita e as memórias ancestrais que deram lugar à construção da monumentalidade actual.
 
 
 
 
No caso da Fonte Mourisca, local de rara beleza que mistura a sua lendária origem com um enquadramento cenográfico sem par, a situação é tendencialmente idêntica. Reza a tradição popular que a fonte será de origem moura e terá sido construída alguns anos antes da reconquista cristã do território de Portugal. Mas, se na sua formulação simbólica a dita fonte carrega consigo o peso das inúmeras lendas que povoam a imaginação de quem visita o local, a sua estrutura, associada a um tanque cuja origem terá estado no processo de desenvolvimento agrícola que o senhorio de Assentiz terá trazido para a povoação, parece apontar para uma origem mais recente, na qual surge incauta uma ligação ela sim antiga aos ritos da água na sobrevivência rural do seu povo.
 
Qualquer que seja a realidade associada ao monumento, certo é que as lendas sobrevivem ao real e, no caso da Fonte Mourisca de Assentiz, povoam o imaginário popular de histórias que se misturam com factos numa amálgama de deslumbramento que não deixa ninguém indiferente.
 
 
 
 
Diz a lenda que no local onde actualmente se situa a fonte, terá existido um antiquíssimo assentamento mouro que teia como função defender aquelas terras da investida dos Cristãos. E que, no fulgor da batalha empreendida pelo primeiro Rei de Portugal, terão os mouros fugido deste local, deixando atrás de si uma imensidão e tesouros que, apesar de nunca terem sido vistos, são desde logo pilares estruturais do imaginário popular. De acordo com esta história, existiria por ali, provavelmente aproveitando a nascente que alimenta a estrutura actual, uma gruta profunda que era utilizada como espaço para guardar material. E os mouros, perseguidos de forma indefectível pelo cavaleiros cristãos, optaram por utilizá-la para ali esconder as riquezas imensas que haviam conseguido alcançar durante a sua estada em terras de Portugal.
 
Ora, como é fácil de perceber, até porque a presença sarracena nestas terras se prolongou ao longo de muitos séculos, não se trata propriamente de uma utilização temporária de um espaço no qual as pilhagens serviam de instrumento único para a obtenção de riquezas sem igual. Pelo contrário. Os muitos séculos da presença islâmica indicam precisamente um assentamento longo e definitivo, com ciclos de vários gerações a explorar a terra e o espaço e a considera-lo como coisa sua definitivamente e em carácter de permanência final. Assim sendo, qualquer tesouro extraordinário que os Árabes tenham deixado em Assentiz derivaria da força do seu trabalho, da sua dedicação à terra e dos ciclos de riqueza que geracionalmente haveriam de resultar da pacatez da sua vida rural. Isso explica a herança ao nível das técnicas agrícolas, dos pressupostos linguísticos, dos usos e costumes, etc.
 
 
 
 
Por isso, e contrariando a voz popular, a haver tesouro, nunca ele poderia ser o manancial extraordinário de riquezas que a lenda faz por descrever…
 
O conjunto formado pela fonte com as suas três bicas, os tanques de lavagem de roupa e a mãe-de-água que os abastece foi totalmente recuperado nos últimos anos e apresenta-se hoje como um bom exemplo do que com o património se pode fazer. Ponto central da vida comunitária de Assentiz, uma vez que durante muitas décadas era ali que a população ia buscar a sua água e era também ali que se lavava a roupa de toda a gente, a fonte é hoje um ponto incontornável nas memórias da terra.
 
 
 
 
Os romanos e mais tarde os mouros, que certamente deambularam noutros tempos por estes espaços extraordinários do município de Rio, decerto teria dificuldade em reconhecer o Assentiz que hoje temos.
 
Mas, mais importante do que os factos que contrariam as lendas, é que neste dois monumentos ímpares de Rio Maior, estão concentrados os arquétipos ancestrais da Identidade deste concelho bem como os sonhos, as memórias e o ensejo das suas gentes.
 
E é isso o mais importante em qualquer terra! 

Nossa Senhora da Encarnação em Arrouquelas – Rio Maior

João Aníbal Henriques, 06.04.17

 

 
por João Aníbal Henriques
 
Reza a lenda que, há muitos anos, nos tempos em que mouros e Cristãos se digladiavam pela posse das úberes terras ribatejanas, Nossa Senhora terá aparecido nos campos de Arrouquelas a um grupo de pobres criancinhas.
 
A história, cujos contornos mais efectivos se perderam já nos escolhos brumosos do tempo, surge em linha com muitos outros relatos de aparições e de milagres acontecidos nos recantos encantados destas terras tão especiais, com especial relevo, neste ano de centenário, para as aparições marianas de Fátima em 1917.
 
 
 
 
E, tal como na Cova da Iria e, anos mais tarde, na Asseiceira, as aparições de Nossa Senhora em contexto rural dão sequência a outras histórias e lendas que cruzam o romantismo bucólico das mouras encantadas, à simbologia profunda e sentida do apego e da Fé na Mãe de Jesus. Aqui, em Arrouquelas, diz-se que algures nas imediações da actual igreja de Nossa Senhora da Encarnação está enterrado um pote de ouro com um tesouro mouro… E, sendo assim que o fumo da tradição popular nos aproxima da verdade histórica, será também certa a possibilidade de a actual igreja ser o reaproveitamento natural de uma antiga mesquita árabe que, colocada no centro de um território úbere do qual dependiam as populações, centralizaria o culto a Alá a partir das práticas maometanas que tão importantes foram na definição dos arquétipos ancestrais da Portugalidade.
 
A própria Encarnação de Nossa Senhora, processo profundamente alquímico de transformar em carne o espírito de Deus, traduz na essência a condição privilegiada em que este tipo de recantos desenvolve uma espiritualidade arreigada e sã, deixando transparecer nos actos de culto grande parte daquilo que é a pedra basilar da sua existência vivida.
 
 
 
 
Mas, em termos de factos históricos, pouco se sabe sobre as origens da Igreja de Nossa Senhora da Encarnação.
 
Uma inscrição colocada na fachada posterior da igreja, e que terá sido reencontrada durante uma das campanhas de obras que recentemente ali se fizeram, indica a data de 1718. Mas os factos apontam para que a igreja seja bastante anterior…
 
De facto, quando em 1739 as autoridades de Rio Maior solicitam ao Rei a autorização para criarem uma feira na localidade, que viria basicamente a substituir a antiga feira de Arrouquelas, já há muito tempo existia neste espaço uma comunidade assente no aproveitamento das potencialidades agrícolas do solo e, por isso, uma actividade comercial sustentada e sustentável que congregaria à sua volta um manancial de riqueza que não seria certamente desprezível.
 
 

 

 
 
E alguns anos antes, quando em 1634 a Irmandade de Nossa Senhora de Arrouquelas solicita ao Estado o alvará de que necessitava para regularizar a sua feira anual, já avança com a necessidade de avançar com obras de renovação e embelezamento na sua igreja. Ora, como facilmente se entende, o estado avançado da organização presente no espaço não se compadece com a inexistência de um templo e, por isso, será natural que a tradição popular que anuncia a igreja como o corolário de um processo paulatino de adaptação de um qualquer templo anterior, seja verdadeira, explicando o processo que culmina no surgimento do edifício que hoje conhecemos.
 
Qualquer que seja a verdade relativamente às suas origens ancestrais, que só poderão vir a ser desvendadas de forma definitiva com uma intervenção arqueológica consistente, o certo é que a igreja actual apresenta uma definição espacial desconcertante e diferente. De forma inesperada, a sua colocação num barranco de características amplas parece contrariar a orientação no espaço. O adro, espaço sagrado de excelência, define-se a partir da extrema do terreno, a ponto de ter de ser sustentado por um talude de alguns metros de altura que, embora abrindo a paisagem para o espaço envolvente, restringe de sobremaneira o seu crescimento, contrariando assim a natural apetência para que se tivesse procedido a uma implantação espacial completamente diferente.
 
O relógio de Sol que recentemente foi reimplantado no terreno, marcado com a data de 1869, é outro dos elementos sui generis desta igreja extraordinária. O contexto artístico em que foi definida a sua orientação, rodeado por uma rosa dos ventos de forma circular que o rodeia envolvendo o espaço num enquadramento cenográfico próprio das velhas tradições megalíticas de cunho alentejano, transporta todo o espaço para uma dinâmica de Fé transcendente, ajudando a consolidar as histórias e as lendas e contornando de forma assaz curiosa o conjunto de factos arreigados que caracterizam o povoado e as suas gentes.
 
 
 
Com data de 1918, marcando também ela um período pungente da História de Portugal, existe ainda um painel de azulejos oferecido pelo Arrouquelense Abílio Reis, em paga pela intervenção de Nossa Senhora da Encarnação em defesa dos jovens locais que engrossaram as tropas Portuguesas durante a primeira Grande Guerra.  O carácter polícromo deste painel, no qual a expressão da Encarnação de Nossa Senhora  se define de forma atípica e profundamente deslocada no tempo, reforça anda mais a indefinição em torno das características deste espaço, bem como a sua importância na definição daquilo que foram, são e serão os sentimentos identitários na comunidade vivida de Arrouquelas.
 
Seja qual for a sua História verdadeira, e os factos concretos que transformaram a Igreja de Nossa Senhora da Encarnação de Arrouquelas num dos mais importantes e significativos monumentos do Concelho de Rio Maior, o certo é que todo o espaço em que o edifício se insere está carregado de simbolismo. Ele traduz, até pelas características que apontámos na sua versão cruzada com as histórias e lendas que o acompanham, um quadro de ligação perene aos ritmos da natureza, em linha com aquilo que sempre foi o sustento principal das comunidades que ali viveram.
 
 
 
 
Pelo que não  nos dizem os documentos e pelo que todo o edifício deixa perceber, valeria a pena aprofundar em termos científicos o conhecimento em torno deste monumento, até porque a sua significação profunda, misto de laivo de Fé e de capacidade de empreendimento, determinam de forma cabal a nossa percepção em relação àquilo que é efectivamente o concelho e as suas gentes.
 
Vale a pena, por tudo isto, fazer o desvio que nos leva a Arrouquelas para conhecer, explorar e adivinhar este recanto magnífico e tão diferente!
 

A Vila da Marmeleira em Rio Maior

João Aníbal Henriques, 30.03.17

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
A inscrição patente na Igreja de São Francisco de Assis, na Vila da Marmeleira, Concelho de Rio Maior, marca a data terrível de 1755. Mas, contrariamente ao que se possa apensar, nada tem a ver com o grande terramoto que afectou Lisboa e arredores nesse mesmo ano. Pelo contrário, o ano de 1755 marca para a Vila da Marmeleira o apogeu de um processo de crescimento que culmina na sua emancipação em relação a Assentiz e a sua afirmação enquanto comunidade de grande importância no devir histórico e administrativo do concelho.
 
De facto, com raízes históricas que se perdem no tempo, Marmeleira deve o seu nome a uma árvore com o mesmo nome que terá sido lendariamente trazida da Índia por António Faria no Século XVI. Mas já existira certamente muito antes disso, uma aglomerado habitacional neste espaço, tal como o atestam os achados arqueológicos no monte de São Gens e, sobretudo, as provas de ocupação do período muçulmano que abundam nas redondezas.
 
 
 
 
A Igreja da Marmeleira, dedica a São Francisco de Assis, terá sido construída originalmente no Século XVII pelo Abade de Alcobaça como resposta aos muitos problemas que as cheias periódicas que afectavam o Concelho de Rio Maior traziam aos seus habitantes. De facto, o riacho que vem de São João da Ribeira e que atravessa a actual freguesia em direcção ao Rio Maior, transbordava várias vezes ao ano, impedindo os moradores da Marmeleira de chegarem à igreja para assistirem à Missa. Por isso, o novo templo, em forma de pequena ermida rural, terá sido edificado nessa altura, atestando a importância da localidade e dos seus moradores .
 
A referida data de 1755, que ainda hoje se mantém na fachada da igreja, refere-se assim a campanhas de obras efectuadas nessa data, sendo que as mesmas terão sido refeitas, já no Século XX, dotando a igreja da sua actual configuração. Do templo original, singelo na sua formulação chã e em linha com aquilo que terá sido, desde sempre, a principal estrutura económica do local, sobra somente um pequeno altar, agora dedicado a Nossa Senhora da Conceição, que se mantém incólume no interior da igreja.
 
 
 
 
São Francisco de Assis, a quem o templo foi dedicado, é agora a figura-mãe da devoção religiosa do povo da Marmeleira. As suas festas anuais, que misturam a ligação ancestral à Rainha e Padroeira de Portugal com a apologia da pobreza preconizada por São Francisco, são tradutoras privilegiadas do linear percurso histórico desta recanto de Portugal, denotando a ligação eminente e profunda à natureza e aos seus ciclos agrícolas, bem como ao despojamento efectivo perante a grandiosidade e a pujança de Deus. Os Marmelenses, vocacionados para uma vida devotada à terra e aos seus frutos, constituem assim a referência primeira de uma localidade que se concretizou a partir das exigências e as vicissitudes impostas pela água e pelas agruras do tempo, mas que delas depende para o esforço quotidiano da sobrevivência e da existência humana.
 
 
Isto é bem visível na própria localização da povoação, colocada de forma segura a uma altitude de cerca de 100 metros para evitar possíveis influências nocivas da subida dos níveis das águas, bem como na sua relação com a paisagem envolvente.
 
Dos equipamentos que hoje compõem o património da Vila da Marmeleira, para além da Igreja de São Francisco de Assis, fazem parte o miradouro, o tanque de lavagens comunitárias e a fonte de chafurdo. Todos eles, atestando a antiguidade da ocupação humana do território e a sua vinculação agrícola, se situam em planos de inferioridade relativamente ao centro da povoação, mostrando que o seu crescimento de faz a partir desse esforço de sobrevivência e explicando o apelo à singeleza que todo o conjunto urbano nos oferece.
 
 
 
 
Digno de nota especial, pela importância iconográfica que possui, é o painel de azulejos neo-clássicos que decora o espaço da Fonte dos Namorados. Este manancial de água, provavelmente nascente natural que terá sido aproveitada pelo menos desde a época romana, é de crucial importância na definição dos principais eixos de crescimento da Vila da Marmeleira. O veio principal, oriundo do pequeno morro onde se ergue a igreja, será provavelmente o que resta da antiga fonte de chafurdo que terá abastecido a região.
 
Na iconografia que ilustra este espaço, que até pelo seu nome indica a importância que enquanto espaço central de sociabilização, é possível ver as juntas de bois, os lavradores e as lavadeiras que noutros tempos deram corpo à sociedade Marmelense. Apesar de simbólica, esta recuperação daqueles que terão sido os estereótipos principais n localidade permite-nos compreender a forma como é dessa componente rural, miscenizada provavelmente com a componente militar que resulta da posição de grande importância estratégica que toda esta região teve noutros períodos da História, que depende o devir quotidiano das comunidades, num acto de entrega aos redutos primevos da natureza que se espraia na forma como se definem os arruamentos, se constroem as casas e se criam os espaços de uso colectivo.
 
 
 
 
Nos lavadouros públicos, situados a poucos metros da Fonte dos Namorados e aproveitando o manancial de água que ali é captado, encontram-se presentes os mesmos motivos iconográficos, sendo que o painel azulejar, de fábrica mais recente e marcado com a data de 1934, nos aponta precisamente a simpatia como o principal epíteto da Vila a Marmeleira.
 
Elevada à categoria de vila em 1927, pela mão do então Presidente da República Marechal Carmona, a Marmeleira é freguesia desde 1878. O final do Século XIX, com a autêntica revolução que se concretiza na agricultura Portuguesa, é o início do período de maior fulgor da História da Marmeleira, acompanhando o crescimento da antiga freguesia a partir da consolidação das novas práticas agrícolas e dos produtos que se foram afirmando comercialmente na região.
 
 
 
 
Airosa, bonita e simpática, a Vila da Marmeleira é actualmente um dos mais encantados recantos do Ribatejo, preservando o carácter rural do seu nascimento mas incluindo uma série de benefícios urbanos dignos de povoação com maior dimensão e mais fama. O largo do corte, situado nas traseiras da igreja, dá conta de uma vivência comunitária que se mantém activa,  ao mesmo tempo que nos oferece pistas importantes para compreender aquilo que foi a evolução da freguesia desde o início do século passado. De salientar, pela importância que tem na compreensão deste devir, a placa epigrafada colocada junto ao miradouro, que sublinha precisamente o facto de as obras terem sido feitas em 1969 por iniciativa da comissão local de festas com o apoio da Junta de Freguesia e da Associação dos Amigos da Marmeleira.
 
Vale a pena estacionar o carro num dos muitos espaços existentes no centro da localidade e, com máquina fotográfica nas mãos, percorrer a pé os cantos e recantos deste espaço tão especial. Ali se encontrarão, para deleite de quem já pouco sabe sobre as raízes rurais de Portugal, os vestígios ainda bem vivos de uma prática em que homem e natureza convivem em sã harmonia, num pleito de simpatia cuja índole pacífica se perpetua no espaço e no tempo.
 

A Torre Mourisca de São João da Ribeira em Rio Maior

João Aníbal Henriques, 28.03.17

 

 
por João Aníbal Henriques
 
A Torre Mourisca de São João da Ribeira, no Concelho de Rio Maior, é um dos mais significativos testemunhos da História do Ribatejo. Tem, por um lado, agregado a si a aura lendária da sua relação aos mouros, durante o período de ocupação Árabe da Península Ibérica e, por outro lado, tem também o impacto visual que resulta da sua sobranceria em relação à povoação que a envolve.
 
Não sendo um documento, no sentido tradicional do termo, basicamente por pouco se conhecerem as suas origens, é certamente um marco de memória de um dos períodos mais conturbados e importantes da formação e consolidação da nacionalidade Portuguesa.
 
 
 
 
De acordo com a documentação existente, a Torre Mourisca de São João da Ribeira terá sido edificada no ano de 1111. Misto de vigia e de atalaia, com o seu coruchéu engalanado com as ameias que serviam de protecção, terá servido como posto avançado de controle das investidas cristãs durante as guerras da reconquista cristã que Dom Afonso Henriques levou a afeito. De facto, no período em questão, foi nestes espaços de ninguém, nos quais a incerteza política reinava, que se escreveram as mais heróicas e importantes páginas da historiografia medieval, definindo dinâmicas de aculturação que haveriam de promover a transição entre os dois poderes políticos de então.
 
 
 
 
A cristianização da Península Ibérica, definida no actual território concelhio de Rio Maior a partir de um esforço de integração das antigas estruturas árabes (e possivelmente também da populaça e das elites religiosas locais…) nas ovas estruturas Cristãs, recria realidades de transição que atestam a forma como tudo se passou e a importância que a actuação de conquistados e de conquistadores teve para que a medievalidade se tenha imposto sem custos de maior para as populações.
 
Agregada à Torre Mourisca de São João da Ribeira, é hoje possível visitar a Igreja de São João Baptista que, para além de cristianizar toda a imagética associada à figura ascética do baptista, recupera também de forma simbólica a própria organização espacial do lugar.  A nova igreja cristã, singela como o são todos os espaços de culto que foram edificados durante este período remoto da implantação da nova fé no território nacional, será com toda a certeza o reaproveitamento da antiga mesquita muçulmana, num devir devocional do qual fazem parte as estruturas simbólicas de ambas as religiões.
 
 
 
 
A sacralidade associada à Torre Mourisca, bem visível na sua ligação à igreja e ao cemitério actual, define o eixo orientador do próprio desenvolvimento urbanístico da localidade, estabelecendo uma organização espacial a que não é alheia o próprio carácter subjacente ao terreno onde a mesma se insere. Reza a lenda local que, por exemplo debaixo do grande cruzeiro oitocentista que se encontra colocado junto ao adro da igreja, existem um conjunto de sepulturas antigas do período muçulmano que o dito monumento, marcando de forma perene o espaço em questão, pretende cristianizar e, dessa maneira, sacralizar. Só que, como facilmente se percebe, todo este ensejo de demarcar estruturas de fé, se dissolve na puerilidade de crenças ancestrais. De facto, o carácter simbólico subjacente aos enterramentos originais não se altera, antes se modificando, mas somente num plano de simbologia, a orientação específica que determina a sua natureza. A islamização do actual território rio maiorense, tal como, alguns séculos mais tarde, a sua re-cristianização, define-se a partir desta praxis de aceitação, apesar de os testemunhos materiais que nos restam parecerem apontar para uma cisão que efectivamente nunca existiu.
 

 

Tendo sido recuperada em 2016 pela Câmara Municipal de Rio Maior, a Torre Mourisca de São João da Ribeira é hoje um marco inultrapassável numa visita ao Ribatejo, impondo na paisagem a agrura do seu perfil branco e recuperando as memórias do espaço envolvente.
 
 
 

A Capela de Nossa Senhora da Vitória e o Paço Medieval de Rio Maior

João Aníbal Henriques, 29.07.16

 

 
 
por João Aníbal Henriques
 
Nossa Senhora da Vitória, em pleno centro histórico da Cidade de Rio Maior, é uma capela com características singelas mas que esconde um vastíssimo manancial de segredos históricos.
 
Não se conhecendo com exactidão as suas origens, sabe-se, no entanto, que foi construía sobre ruínas de ocupações anteriores. Escavações arqueológicas efectuadas no seu interior e no espaço envolvente, desde o adro fronteiro até ao antigo edifício dos bombeiros, vieram comprovar que seria ali o antigo Paço Senhorial de Rio Maior, mencionado por Fernão Lopes nas suas “Crónicas d’el-Rei Dom João I de Boa Memória”. Existindo já no Século XIV, terá sido ali que se passou um dos mais rocambolescos episódios da História de Portugal, quando o irmão da Rainha Dona Leonor, mulher do Rei Do Fernando, terá chegado a Rio Maior para matar o Conde Andeiro, cujas ligações amorosas com a sua irmã traziam imenso escândalo à corte de então.
 
 
 
 
O antigo paço, também designado como “Real” em alguma documentação, por ali terem pernoitado vátios monarcas Portugueses ao longo da sua vasta história, seria assim uma forma de aproveitamento da topografia natural do local. Sobrelevado relativamente ao resto do burgo, a colina onde se situa o templo personificaria uma forma natural de defesa relativamente a possíveis perigos que pudessem advir, sendo por isso muito natural que tenha sido utilizada desde tempos muito recuados como ponto central a partir do qual se desenvolveu a actual cidade.
 
 
 
 
No decorrer das várias campanhas arqueológicas ali realizadas, foi possível encontrar pelo menos três níveis diferenciados de ocupação e que, no espaço interior da capela, recuam até ao Século, quando ali foi enterrada uma criança de tenra idade cujas ossadas foram levantadas numa dessas intervenções. Também se encontraram, no entanto, vários materiais anteriores, em níveis não consolidados e impossíveis de datar, mas que, dada a interacção com os documentos coevos, sugerem ter sido este espaço pertença de um mais antigo templo que terá existido dentro do próprio Paço Real.
Sem acesso público nem culto, uma vez que é desde há bastante tempo utilizada como depósito dos materiais arqueológicos recolhidos em Rio Maior, a Capela de Nossa Senhora da Vitória terá sido assim baptizada depois da vitória de Dom João I em Aljubarrota perante o exército castelhano. Antes dessa data, por ter pertencido à Irmandade das Almas, ter-se-á chamado Capela das Almas.
 
O enquadramento cenográfico deste tempo, num espaço simbolicamente associado ao devir histórico da cidade, apresenta um imenso potencial turístico que, se conjugado com as muitas estruturas construtivas de diversas épocas que foram encontradas em seu torno (e que estão preservadas debaixo da calçada que dá forma ao seu adro), poderá um dia sustentar a criação de um pólo de grande interesse para a região de turismo do Ribatejo.