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A Aldeia Nova de Cascais no Alto da Bela Vista

João Aníbal Henriques, 21.03.20
 

 

 
O Cascais que conhecemos e em que hoje vivemos, resultante das grandes alterações havidas na vila a partir do último quartel do Século XIX quando o Rei Dom Luís escolheu este espaço como destino privilegiado de veraneio, esconde de forma literal todo um enquadramento histórico que deriva do processo natural de nascimento, crescimento e afirmação da urbe no contexto nacional. O Alto da Bela Vista é exemplo paradigmático desta situação, pois reúne em si mesmo um conjunto de memórias consubstanciadas em património urbano de primeira importância para Cascais, que ficou encoberto pela assimilação daquele espaço pelo perímetro histórico consolidado da vila que agora temos. Conhecer a génese histórico/urbanística do Alto da Bela Vista é, desta forma, um importante contributo para a recuperação da Memória Histórica e, por extensão, da Identidade Municipal de Cascais, reafirmando a capacidade de enquadramento dos projectos que surjam para aquele local e potenciando o seu valor enquanto factores consolidadores da cidadania local.

 

 
por João Aníbal Henriques 
 
 
 
 
A Génese do Espaço e as Memórias de Cascais
 
Ninguém sabe, de forma efectiva, onde Cascais nasceu. A urbe que hoje temos, tradicionalmente marcada pelo epíteto de “Vila de Reis e de Pescadores”, é o resultado efectivo de um enorme conjunto de acontecimentos que por aqui se desenvolveram ao longo dos séculos.
 
Sabendo-se que a ligação de Cascais ao mar é realidade inata à própria existência de aglomerados habitacionais neste espaço, o certo é que a ligação da vila aos seus ilustres pescadores nem sempre se desenhou a partir dos cenários que hoje conhecemos.
 
Nos primórdios da existência humana em Cascais, quando as primeiras comunidades deambulavam em busca de segurança e alimento, o espaço agora ocupado pela vila oferecia condições excepcionais de habitabilidade.
 
O mar, fonte praticamente inesgotável de alimentos, assegurava praticamente ao longo de todo o ano, o sustento necessário à sobrevivência humana. E, se o clima e a paisagem eram (e são cada vez mais) paradisíacos, faltava assegurar somente uma dessas componentes básicas que dão sustento a existência de comunidades humanas: o abrigo e a segurança perante ataques e intempéries.
 
Mas neste campo, possivelmente diferenciando Cascais das demais enseadas arenosas e desérticas que abundavam na região, possui no seu subsolo um conjunto de grutas e cavidades que, furando a pedra calcária que dá forma ao nosso solo, formam um vasto complexo de cavernas que apresentavam excelentes condições de acesso e habitabilidade.
 
 
 
 
Torna-se fácil perceber, desta maneira, a razão de ser de ter sido provavelmente nas actuais Grutas do Poço Velho, situadas no sopé do morro da Bela Vista, que Cascais nasceu efectivamente. E de, nesses tempos imemoriais do Paleolítico, terem sido ocupadas por caçadores-recolectores que naturalmente utilizavam o mar como sua fonte principal de alimentos.
 
Cascais nasceu ali, há dezenas de milhares de anos atrás, a partir do binómio que ainda corporiza o inconsciente colectivo da grande maioria dos Cascalenses: o Sol e o Mar, definindo na sua lógica de desenvolvimento urbano uma componente que vincula ambas as realidades perante a necessidade maior de oferecer qualidade de vida a todos os seres humanos que ali se instalaram e que escolheram este como o local ideal para viver.
 
Suficientemente afastadas do mar para poderem salvaguardar a segurança desejada mas, ao mesmo tempo, próximas o suficiente para serem acessíveis no labor quotidiano, foi no espaço das Grutas do Poço Velho que nasceram as primeiras comunidades piscatórias locais. Foi também ali, a partir dos pressupostos atrás elencados, que nasceram e se criaram as técnicas, as práticas e os conhecimentos que aproximam Cascais do mar até à actualidade.
 
A consolidação e a sedentarização destas primeiras comunidades humanas na génese do território Cascalense inicia então um processo de paulatina aproximação física ao mar e às praias. O desenvolvimento de conhecimentos na área das construções e a pacificação que resultou do processo de Neolitização, tornou possível virar costas aos abrigos naturais proporcionados pelas grutas e optar por formas de abrigo mais precárias e melhor posicionadas relativamente ao mar. Nascem assim os primeiro aglomerados pré-urbanos, possivelmente localizados em torno da Baía de Cascais, a partir da construção de casas feitas com materiais perecíveis e cujos vestígios não chegaram naturalmente até à actualidade.
 
Na época Romana, na qual a urbanidade já tinha atingido outros níveis de conhecimento, já encontramos vestígios arqueológicos de ocupação humana na actual zona do castelo, de cara voltada para o mar mas ainda assim aproveitando o desnível do terreno para assegurar alguma segurança suplementar (ver as Cetárias Romanas situadas na Rua Marques Leal Pancada), ao mesmo tempo que o espaço antigo das velhas grutas de outros tempos vai ficando olvidado.
 
 
 
 
 
Durante muitos séculos a vida de Cascais recentrou-se em volta da Baía. Era ali que se situavam as velhas cabanas abarracadas onde pernoitavam os pescadores que aqui chegavam, era também ali que se situavam as indústrias de salga e conserva de peixe que tornaram próspero o lugar.
 
Utilização e Usufruto
 
Mas como nada é linear na História de Cascais, importa perceber que a concentração de esforços e o assentamento das primeiras comunidades na actual zona junto ao mar, não representou necessariamente o abandono dos velhos espaços. Pelo contrário.
 
Nas Grutas do Poço Velho e, de forma muito progressiva nas encostas do morro da Bela Vista, foram ficando pequenas comunidades humanas que trabalhavam e rentabilizavam esses espaços.
 
A primeira notícia que temos desta realidade situa-se precisamente junto à entrada nas Grutas do Poço Velho numa das ruas que dá acesso às mesmas para quem vinha da zona saloia situada no triângulo verdejante e próspero que liga a Serra de Sintra ao mar. Na pequeníssima e quase desconhecida Capela de Nossa da Conceição de Porto Seguro, está ainda hoje uma placa votiva que refere que o templo e o hospício que lhe estava anexo foi construído em 1691por Paschoal Dias e Maria da Costa, originários de Oeiras e que ofereceram esse espaço aos Frades Capuchos  de Santa Cruz da Serra de Sintra.
 
E por ali, contrariamente ao que hoje se sabe, consolidou-se um núcleo de povoamento dependente do apoio social proporcionado pelo hospício e, concomitantemente, pelo amparo espiritual da invocação maior que Nossa Senhora da Conceição represente em Cascais e em Portugal…
 
 
 
 
De tal forma foi importante esse povoamento do local, demonstrando a documentação existente que houve efectivamente um afastamento real entre esse espaço e o da consolidação urbanística da Vila de Cascais e seus arrabaldes, que já no Século XIX, quando a Corte escolhe a vila como estância de veraneio, Francisco Marques Leal Pancada, um benemérito Cascalense também relacionado profissionalmente com a conservação do peixe, adquire a capela e o hospício e efectua amplas obras de conservação e restauro.
 
É importante não esquecer que foi precisamente Leal Pancada que, tempos depois, oferece à população de Cascais o terreno onde virá a ser construído o Hospital dos Condes de Castro Guimarães, situado mesmo em frente ao local onde se situava o Campo Santo e o cemitério principal da localidade.


 
 

A Vila Nova de Cascais, por ironia do destino localizada precisamente sobre o local onde Cascais nasceu, cresceu assim com uma dinâmica própria e a pujança de um local que detinha meios próprios de subsistência. Sendo um arrabalde da vila propriamente dita, preservou a sua identidade e consolidou a sua importância no crescimento e consolidação geral da vida Cascalense.
 
Memórias e Identidade
 
Na caracterização da unidade urbanística que resulta do devir histórico da Aldeia Nova de Cascais e do próprio Alto da Bela Vista, importa recuperar muita da informação presente no “Levantamento Exaustivo do Património Cascalense” (Fundação Cascais: 2000) onde se elencavam cada casa e cada detalhe com relevância para a compreensão deste importante núcleo Cascalense.


 
 
As peças que hoje restam, para além do aglomerado habitacional que foi sendo construído a partir da criação do velho hospício e da Capela de Porto Seguro, ambos peças-chave para compreender e contextualizar eventuais intervenções futuras a realizar naquele espaço, cingem-se tão somente aos detalhes arquitectónicos que sobreviveram às agruras impostas pelos novos tempos e pelas novas necessidades. As cantarias das portas e das janelas, muitas delas com decoração singela em memória de realidades que não existem já, foram reutilizadas em processos de demolição e reconstrução sucessivas que por ali se foram fazendo. E na divisão dos lotes, mesmo com as contrariedades impostas pelo emparcelamento, ainda é possível encontrar os vestígios daquele que foi o Cascais primordial de outros tempos, com as suas courelas e pequenas quintas, os velhos currais de gado e até as actividades de apoio à vida quotidiana no coração da vila.


 
 
Esta vertente “saloia” da Aldeia Nova, o local onde se produzia muito daquilo que se consumia na vila de então, foi-se consolidando com o desenvolvimento industrial. Em primeiro lugar, logo ali ao lado, a Real Fábrica de Lanifícios de Cascais e, mais adiante, a Fábrica de Conservas de Peixe que ajudou a definir a margem direita da ribeira. O hospício, que entretanto foi evoluindo para um verdadeiro hospital (e cujo edifício ainda lá se encontra transformado em espaço residencial), era destino eminente para os mais pobres e desfavorecidos da sociedade de então. Convergiriam para ali os que tinham menos posses e meios, sendo certo que pescadores e mareantes ali encontravam o consolo físico e espiritual para os males que os afectavam.
 
Será eventualmente por isso que, a título de explicação, se mantém a ligação perene entre o mar e este arrabalde “longínquo” do centro de Cascais onde, aliás, se situava o cemitério onde encontravam os pescadores o seu eterno descanso. Possivelmente por isso igualmente, e parecendo pôr em causa toda a lógica e discernimento, ali é construído em época mais recente o “Bairro de Nossa Senhora dos Navegantes” (vulgo Bairro dos Pescadores) que, até há muito pouco tempo era cenário de velhos barcos esventrados ou em operações de reconstrução, pousados em pequenos terrenos cheios de redes e apetrechos velhos de pesca.


 
 
Enquadramento Urbanístico
 
A apreciação de operações urbanísticas neste espaço, natural por sabermos que o envelhecimento do espaço determina necessariamente a sua recuperação, actualização e modernização, deveria ter em conta esta identidade própria do Alto da Bela Vista e a sua importância efectiva na definição daquilo que ainda hoje é Cascais.
 
O enquadramento dos futuros projectos nesta realidade, bem como a rentabilização das memórias patrimoniais que ali subsistem, ajuda a qualificar as intervenções e, desta forma, consolida a Identidade Municipal e promove a memória colectiva.
 
Interpretar desta maneira a realidade que temos em linha com as pré-existências dos diversos lugares, assegura aos que projectam nos mesmos condições ímpares para reforçarem igualmente a sua atractividade e, por extensão natural, o valor intrínseco dos empreendimentos e espaços.
 
Por esse motivo ganha redobrada importância a proposta de requalificação do edifício situado na Rua da Bela Vista, cuja Certidão Urbanística foi discutida na última reunião de Câmara. Toda e qualquer intervenção efectuada no âmbito do contexto urbanístico e patrimonial que seja sinónimo de melhoria da qualidade dos edifícios, e que o faça sem desvirtuar o seu enquadramento genérico na realidade local, é contributo decisivo para o reforço da vocação turística municipal, sendo que esta, conforme está plasmado no próprio Plano Director Municipal, deverá ser resultando de um acréscimo na identidade dos moradores e frequentadores do local.


 
 
O potencial educativo e pedagógico do Alto da Bela Vista, tal como acontece em tantos outros cantos e recantos de Cascais, é imenso. É ali que reside a possibilidade de as novas gerações criarem laços e vínculos perenes com quem os antecedeu na ocupação deste espaço. Só assim, com esses laços bem evidentes e com uma abordagem politicamente consciente desta importância, será possível fazer crescer Cascais com qualidade, motivando os equilíbrios sociais com as necessidades de prosperidade e empreendedorismo, e zelando por um reforço efectivo da Identidade Municipal, essencial para uma cidadania consciente e, em última instância, para uma democracia saudável.


 
 
Conclusão
 
A Aldeia Nova de Cascais é uma realidade desconhecida de quase toda a gente. E esse facto, associado aos naturais processos de rejuvenescimento dos nossos espaços habitacionais consolidados, acaba por fazer perder potencialidades que um conhecimento enquadratório daquela realidade almejaria alcançar.
 
Compreender a razão de ser daquele espaço, os motivos que levaram a que tivesse chegado até nós com as características que nele reconhecemos e as potencialidades imensas que possui para a definição da qualidade que todos desejemos para Cascais, ajuda os técnicos que formulam e apreciam os projectos para aquele lugar, os professores e educadores das escolas locais, os políticos que decidem os destinos da nossa terra, e até o cidadão comum que pretende construir ali (ou reconstruir) a sua casa, a tomar as decisões que melhor correspondem aos interesses de todos os Cascalenses.
 
Porque sem consciência de quem somos, de onde viemos e para onde vamos, as discussões acabam naturalmente por perder-se nos interesses mais mesquinhos e imediatos, delas resultando pouco mais do que uma pequena peça na engrenagem imensa com que o sistema político que temos nos constrange.
 
 
Porque como dizia Pedro Falcão no seu “Cascais Menino”, este é “o Cascais com que sonhamos”. 
 
 

Propostas Clandestinas para Cascais

João Aníbal Henriques, 17.11.17

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por João Aníbal Henriques

 

Na última reunião da Câmara Municipal de Cascais foram discutidas três propostas que visavam limpar de construções clandestinas uma faixa de terreno que se situa junto ao Aeródromo de Tires e que põem em causa a segurança do equipamento e as suas possibilidades de crescimento.

 

Entre as décadas de 60 e de 90 do século XX as construções clandestinas destruíram praticamente um quarto do território municipal de Cascais, representando um autêntico flagelo que pôs em causa a qualidade de vida de todos os Cascalenses.

 

Este fenómeno, que conjugou a vontade dos prevaricadores com o desleixo das autoridades responsáveis pela fiscalização, gerou fortunas imensas que são de todos bem conhecidas e que condicionaram os destinos do concelho.

 

No início deste século, com a consciência de que estes milhares de construções punham em causa a sustentabilidade dos recursos municipais, sentindo-se problemas graves ao nível da mobilidade, do trânsito, do ambiente, das infraestruturas, da educação e das escolas, da segurança e até da saúde, os poderes políticos iniciaram um processo de legalização que procurava estancar o arranque de novas construções.

 

Mas, apesar de agora serem designados como “AUGIS – Áreas Urbanas de Génese Ilegal”, os bairros clandestinos continuaram a marcar a paisagem com o desregramento urbanístico que os caracteriza, pressionando os recursos e deteriorando a vida da generalidade dos munícipes de Cascais.

 

Para resolver este problema específico em Tires, a opção encontrada por este executivo municipal foi a de a de permutar os avos ilegais situados junto ao aeródromo por terrenos municipais devidamente legalizados e onde a construção está autorizada, compensando ainda os proprietários clandestinos com uma indemnização pecuniária que servirá para a construção de uma nova casa.

 

Com esta decisão, contra a qual votámos na reunião da passada Terça-feira, o município incorre numa profunda injustiça perante todos aqueles que cumpriram a Lei e que construíram as suas casas assumindo os custos processuais a que são obrigados. Porque no caso em apreço, são precisamente aqueles que construíram ilegalmente quem será premiado com um lote de terreno legal e ainda da verba necessária para lá construírem uma casa nova em folha…

 

A sugestão que apresentámos, reiterada de forma sistemática desde 1993, quando a Fundação Cascais estudou de forma aprofundada a realidade dos bairros clandestinos em Cascais, foi a de que se abordasse a questão de uma forma justa e pragmática para todos os Cascalenses.

 

Que, conforme a câmara fez noutros locais, se avançasse com uma acção de expropriação deste terreno indiviso e desastrosamente dividido em avos. E, existindo preocupações sociais com os habitantes deste espaço, e somente no caso de estas casas serem a única habitação das famílias que ali vivem, assumindo que existe por parte do município uma parte de responsabilidade porque deixou construir ilegalmente, que se oferecesse a estes proprietários alternativas situadas dentro do parque de habitação social do concelho, não os deixando sem tecto mas também não os premiando por terem prevaricado com a construção que fizeram.

 

Só assim, de forma leal e transparente, se faria justiça a todos os Cascalenses.

 

A bem de Cascais!

A Vocação Turística de Cascais no PDM

João Aníbal Henriques, 27.04.15

 

 

Assumir a vocação de Cascais neste processo de revisão do Plano Director Municipal, esforço hercúleo se nos ativermos ao avançado estado de degradação em que se encontra o Concelho e ao facto de esta ser, provavelmente, a última oportunidade para o fazer em termos de recuperação das características principais que deram forma ao sector turístico no território municipal, é assim o desafio que deveria colocar-se aos autores desta proposta. Só assim, com o caminho definido e assumido, é possível aos agentes da nossa cidadania programarem os seus projectos e ideias, consolidando-os a partir das metas que se traçam sobre as orientações que o documento deveria incluir.

 A justificação destas escolhas, mais do que em pretensas ideologias ou em princípios, passa pelos factos concretos e pela situação real em que vive o Concelho. A apresentação desses dados, de forma clara e insusceptível de crítica, fundamenta assim a possibilidade de se tornarem incontroversas, por representarem a realidade e assim representarem também Cascais e os cascalenses, as escolhas que se fazem, promovendo o trilhar de um caminho que, quer queiramos quer não, é o caminho mais profícuo para a geração de equilíbrios espontâneos neste Concelho. Muitos movimentos progressistas, que defendem que as antigas localidades devem evoluir abandonando a sua génese urbana e social e assumindo uma urbanidade assente em valores renovados que renegam as suas origens, teimam em apelar aos poderes políticos para que se repensem os fundamentos da orientação teórica subjacente ao PDM. Fazem-no por acreditarem que o futuro e o passado são incompatíveis, numa linha que critica a solidez estrutural de uma comunidade em detrimento de uma permanente movimentação que, segundo eles, é sinónimo de progresso e desenvolvimento.

Ora em Cascais passa-se exactamente o mesmo. Quatro décadas de ambiguidade, contornando regulamentos e planos que pouca ou nenhuma influência real tinham na definição do desenvolvimento municipal, promoveram um clima de profunda desonestidade intelectual que foi responsável por episódios diversos ao nível do urbanismo concelhio que nada dignificam Cascais nem o brio que os Cascalenses sentem pela sua terra.

Mas o grande problema é que, fruto deste marasmo que sempre interessa a alguns, se está a dar razão aos progressistas atrás mencionados. De facto, num clima de transversal anomia que vivemos, faz mais sentido abdicar do antigo e assumir unicamente os caminhos novos que surgem sem vícios e sem vicissitudes. Casos paradigmáticos como o da Amadora, no qual a assunção do seu carácter metropolitano facilitou os serviços, a gestão urbana mas destruiu por completo a identidade do local, mostram que as comunidades locais, mais do que qualquer outra realidade, deverão ser preservadas a todo o custo, uma vez que se assumem como o garante dos equilíbrios sociais internos, promovendo a qualidade de vida, a sociabilidade e a correcta gestão dos recursos.

Assumir este princípio pressupõe assegurar à comunidade valores e determinações que lhe garantam a possibilidade de sobrevivência. Isto passa, como é evidente, pela manutenção da identidade do grupo; pelo reforço das suas prerrogativas; e pela rentabilização das suas necessidades efectivas que deverão ser respondidas de forma a garantir que rentabilizam o próprio processo, sustentando uma modificabilidade que envolve todos os cidadãos. A vocação cosmopolita de Cascais, génese primordial da sua componente turística e de perto de 140 anos de uma História extraordinária associada ao nome e à marca ‘Estoril’, ao contrário daquilo que muitos defendem, foi sempre geradora de processos evolutivos que garantiram modificação e mudança. Esta, no entanto, processou-se sempre com respeito especial pelas preexistências, solidificando assim uma base que, mesmo nos momentos mais problemáticos da vida do Concelho, permitiram sempre a restauração dos equilíbrios e a recriação dos seus valores comunais.

O Plano Director Municipal que agora se revê, em respeito linear por aquilo que desde sempre tem sido o devir histórico no Concelho, deve ser um plano de futuro, reestruturando o presente de forma a condicionar um ritmo de progresso concertado e equilibrado que seja sinónimo de mais e melhor qualidade de vida para os Cascalenses. Mas para que tal aconteça, tem obrigatória e necessariamente de respeitar o passado e de ser capaz de o conhecer, de o entender e de o contextualizar, porque dele depende a continuidade da identidade municipal que é o sustento primordial da vocação municipal.

Como é evidente, do equilíbrio entre estes dois tempos, o que já terminou e aquele que ainda está para vir, depende a capacidade de Cascais usufruir plenamente de um presente audaz, devolvendo a Cascais a capacidade de permanente inovação que fez desta terra um espaço pioneiro em muitos campos ao longo da sua comprida história.

O estabelecimento de normas concretas e orientações definidas, se garantirem a tradução sistemática da vontade e sentir dos cascalenses, promoverá a reconversão integral da sua paisagem e da sua identidade, garantindo uma qualidade de vida que promove a cidadania.